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Genética das Cores de Caramujos “Ramshorn”
 
Variedades de cor e genética de Planorbídeos
Artigo publicado em 27/06/2014, última edição em 07/01/2024



Genética das Cores de Caramujos “Ramshorn”

 

 

 

Variedades de Cor de Caramujos “Ramshorn”

 

Os caramujos “Ramshorn” (chifre-de-carneiro) são pequenos gastrópodes de concha planispiral, da família Planorbidae. Englobam tanto os caramujos marrons comuns encontrados como invasores em aquários, quanto espécies ornamentais de cor vermelha, azul, etc. No Brasil, quase todos os selvagens e vermelhos são caramujos do gênero Biomphalaria, que inclui as diversas espécies vetores da Esquistossomose. Embora muitas lojas e sites se refiram a estes caramujos ornamentais como Planorbis, espécimes albinos vermelhos (“Red Ramshorn”) comprados em lojas brasileiras já foram dissecados, e todos foram identificados como Biomphalaria. Recentemente realizamos alguns experimentos de dissecção, o artigo pode ser visto aqui.





"Red Ramshorn" Biomphalaria glabrata albina, comprada em loja de aquarismo em São Paulo, SP. Foto de Walther Ishikawa.




Biomphalaria glabrata, animais usados em pesquisas envolvendo Esquistossomose. Foto gentilmente cedida pelo Dr. Pedro Luiz Silva Pinto (Núcleo de Enteroparasitas - Instituto Adolfo Lutz).


Mais recentemente, outras variedades de cor foram importadas (como a Azul), estes sim pertencendo ao gênero Planorbella (antigo Helisoma), uma espécie exótica norte-americana. Planorbella albinas (de cor rosa) são eventualmente importadas, mas bem raramente. Variedades selvagens de Planorbella já haviam sido detectadas em coletas na natureza, possivelmente originárias de espécimes inadvertidamente importados juntamente com plantas ornamentais, e liberados na natureza.






"Blue Ramshorn" Planorbella duryi, comercializado na Argentina. Foto de Valeria Castagnino.







Planorbella duryi selvagens, fotografados na Flórida, EUA. Na primeira foto, exemplar coletado em um alagado próximo à estrada, perto de Treaty Park, St. Johns County. Na segunda foto, em um lago em Florida State College Jacksonville south campus, Duval Co.. Fotos de Bill Frank.


Veja o artigo sobre os caramujos Biomphalaria aqui, e sobre os Planorbella duryi aqui.


Em lojas, sites e revistas de aquarismo, existem referências a muitas variedades de cor de Caramujos “Ramshorn”: Selvagem, Leopardo, Vermelha, Rosa, Laranja, Amarela, Verde, Azul, Branca, etc. Vamos tentar compreender o que define estes padrões de cor nestes animais.

 

 






"Pink Ramshorn", "Blue Ramshorn", "Orange Ramshorn" e "Red Ramshorn" (todos
Planorbella duryi), exemplares de aquarismo da Alemanha. Fotos de Chris Lukhaup.




Pigmentação Melânica e Albinismo

 

Assim como diversos outros animais, o principal pigmento que define a coloração destes caramujos é a Melanina, uma classe de pigmentos poliméricos derivados da tirosina, de coloração escura, marrom ou azul-enegrecida. A falta de Melanina dá origem a uma condição denominada Albinismo, também presente em diversos outros animais, inclusive em seres humanos. Geralmente sua falta se deve à ausência ou defeito de uma enzima envolvida na produção do pigmento.

Na ausência de Melanina, em outros animais, a tendência é que eles fiquem com um aspecto claro, pálido e esbranquiçado. Isto não ocorre nos Ramshorn, porque muitos caramujos planorbídeos apresentam Hemoglobina na sua hemolinfa, o mesmo pigmento que é visto em hemácias de vertebrados, de cor vermelha. No caso dos caramujos, este pigmento se encontra livre na hemolinfa, extracelular, diferente dos vertebrados. É uma interessante adaptação destes animais, permitindo-os viver em ambientes mais hipóxicos, devido à maior eficácia deste pigmento como carreador de oxigênio. Desta forma, quando são albinos, estes animais exibem uma bela coloração vermelha, o mesmo mecanismo que confere os olhos vermelhos em coelhos, cobaias e peixes albinos. Formas vermelhas albinas de planorbídeos ocorrem em diversos gêneros, como Biomphalaria, Planorbella e Planorbis.

O Albinismo é conhecido por afetar todo o reino animal, e na grande maioria dos casos, resulta de uma herança de alelos de gene recessivo, monofatorial, obedecendo a uma herança Mendeliana simples. Este padrão de herança é visto nos caramujos Planorbella, Physa e Lymnaea

Entretanto, nas Biomphalarias, a herança da pigmentação é bem mais complexa, na Biomphalaria glabrata (a espécie mais estudada), a pigmentação é influenciada por dois loci, um locus básico ou "C", e um locus não-relacionado "S" controlando a distribuição do pigmento no manto. 

Dependendo da espécie, existem até três alelos determinando o padrão básico de pigmentação: além da pigmentação normal e albinismo, existe também uma mutação com padrão intermediário de pigmentação, chamada de “Blackeye” (olhos negros). Este fenótipo mostra pigmentação nos olhos, e em pequenas áreas do manto, mas não possui pigmentação no corpo e colar do manto.

Neste artigo, seguiremos a nomenclatura usada pelo Dr. Charles S. Richards nos seus trabalhos pioneiros descrevendo a genética de Biomphalarias, denominando o albino de c e a pigmentação selvagem de C. O “Blackeye” será denominado cb, é um terceiro alelo dominante sobre o albino (c), mas recessivo em relação à forma selvagem (C).










Biomphalaria sp. "Leopardo". Nesta variedade, há manchas em filhotes e adultos. Fotos de Juan Felipe Zulian Santos.






Biomphalaria glabrata com exuberate padrão de manchas, animal usados em pesquisas envolvendo Esquistossomose. Foto gentilmente cedida pelo Dr. Pedro Luiz Silva Pinto (Núcleo de Enteroparasitas - Instituto Adolfo Lutz).



Na Biomphalaria glabrata, além destes três alelos, existem outros três alelos regulando a pigmentação do manto, este gene aparentemente localizado em um cromossomo distinto do gene que determina a pigmentação básica. Há três padrões fenotípicos: "coalescente", "manchas" (um padrão chamado popularmente entre aquaristas de “Leopardo”), e "ausência de pigmentação". Quase sempre estas manchas estão presentes em juvenis, desaparecendo quando o caramujo cresce. Porém, existem populações onde estas manchas persistem em indivíduos adultos.

Novamente seguiremos a nomenclatura do Dr. Richards, usando a letra S (de “spotted”), denominando a ausência de pigmentos de s, manchas de S, e coalescência de Sd. Diferente da pigmentação básica, há co-dominância entre S e Sd, mas ambos alelos mostram uma dominância sobre s.


A combinação destes seis alelos resulta em nove padrões finais de pigmentação na Biomphalaria glabrataOs genótipos possíveis estão descritos na ilustração abaixo. A forma pigmentada geralmente é chamada de "selvagem", "natural" ou "comum". Algumas fontes (inclusive artigos científicos) chamam esta variedade de "melânica", mas é uma denominação errada, que deve ser reservada às formas com excesso de pigmentação (como a Pantera Negra ou a Molinésia Negra).




Variedades de pigmentação melânica segundo Richards CS (1985). Fenótipos acima, com as possibilidades de genótipo abaixo.





Exemplo de cruzamento de variedades de pigmentação melânica.



Outras espécies de Biomphalaria não foram tão extensamente estudadas, existem somente alguns trabalhos envolvendo Biomphalaria straminea, onde é descrito uma herança mais simples, com somente quatro padrões fenotípicos e quatro alelos com dominância progressiva: "albino" (c), "manto com manchas" (cm), "blackeye" (cb) e "selvagem" (C).



Biomphalarias albinas são conhecidas há muito tempo por cientistas, criadas de forma seletiva para experiências envolvendo mecanismos de transmissão de esquistossomose. Quando os “Red Ramshorn” surgiram no mercado brasileiro de peixes ornamentais, eram justamente crias destes animais selecionados para laboratórios de parasitologia. Em diversas ocasiões estes animais comprados em lojas foram dissecados para identificação, e sempre se confirmou que se tratava de Biomphalarias (principalmente B. glabrata e B. taenagophila), ao invés de Planorbis, como eram vendidos, e chamados em sites e fóruns brasileiros. Sempre se evitou chamá-los de Biomphalarias, pela associação negativa com a doença, o que se mostrou um erro perigoso: atualmente o aquarismo representa uma das vias mais importantes de dispersão destes hospedeiros intermediários de esquistossomose na natureza.



"Red Ramshorn" Biomphalaria sp. albina, juntamente com Corydoras hastatus. Note a cor vermelha intensa, mas com discreto tom alaranjado, e sua concha lisa e translúcida. Foto de Chantal Wagner.




Biomphalaria glabrata albina (ao centro), exemplar de laboratório de parasitologia. Na foto, também estão representadas duas outras espécies que são vetores de outras espécies de Schistosoma: Bulinus truncatus truncatus (vetor de S. haematobium) e Oncomelania hupensis hupensis (vetor de S. japonicum). Foto de National Institutes of Health - National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIH-NIAID).






Biomphalaria glabrata, padrão "blackeye". Animais usados em pesquisas envolvendo Esquistossomose. Fotos gentilmente cedidas pelo Dr. Pedro Luiz Silva Pinto (Núcleo de Enteroparasitas - Instituto Adolfo Lutz).




Dois exemplares de Biomphalaria sp. da mesma colônia, note que ambos possuem pigmentação e manchas na porção posterior do manto (visível sob a conha), mas o segundo caramujo não tem pigmentação no manto anterior e restante do corpo. Fotos cortesia de Pyerre.







Biomphalaria glabrata
, forma selvagem, fotografada no Suriname. Fotos gentilmente cedidas pela Associação Francesa de Conquiliologia.




Na Europa e EUA, os “Red Ramshorn” (e demais variedades de cor) são da espécie Planorbella (antigo Helisoma) duryi, uma espécie norte-americana. Atentando-se a fotos dos “Red Ramshorn” brasileiros e estrangeiros, percebe-se que se trata de espécies diferentes, embora ambos sejam vermelhos e com concha planispiral: O Biomphalaria cresce mais (até 4 cm), possui concha mais lisa, relativamente fina, com giros que crescem lentamente em diâmetro. O Planorbella é menor (até 2 cm), com uma concha com linhas de crescimento mais visíveis, mais espessa e globosa, com giros que crescem rapidamente em diâmetro, abertura da concha dilatada.

Na mesma época em que “Blue Ramshorn” começaram a ser importados, algumas Planorbellas avermelhadas também chegaram às lojas do Brasil. São bem mais raros do que as Biomphalarias vermelhas, e tem um vermelho não tão intenso, por serem variedades com menor quantidade de hemoglobina (vide adiante), e possivelmente sem pigmentação amarelada na concha. Por este motivo, geralmente são vendidos com a denominação de “Pink Ramshorn”. Até onde sei, nunca os Planorbella "Red Ramshorn" (albinos com quantidade normal de hemoglobina e concha com pigmentação amarelada) foram importados para o Brasil.

Sua herança de albinismo é bem mais simples do que nos Biomphalaria, trata-se de um alelo autossômico recessivo simples, relacionado a um único locus. 

 
 


"Pink / Red Ramshorn" Planorbella duryi albina, comercializado na Argentina. Note a cor vermelha menos intensa, tendendo ao róseo, sua concha mais espessa e opaca, com linhas de crescimento mais demarcadas. Compare com a foto acima do Biomphalaria. Foto de Valeria Castagnino.




Planorbella duryi, variedade albina norte-americana. Note que há um tênue amarelado na concha, diferente do exemplar argentino. Imagens gentilmente cedidas pelo aquarista norte-americano Daniel B. (fórum The Planted Tank).









Cacho de ovos de Planorbella duryi, mostrando a prole mista, alguns "Blue" e outros "Pink" (albina), veja explicação adiante no artigo. Assim como as Ampulárias, a distinção entre variedades albinas e eumelânicas pode ser feita já no início do seu desenvolvimento, pela presença ou ausência de olhos escuros, usando um microscópio ou uma câmera com recurso macro. Imagem cedida pelo aquarista Tibério Graco.



Dois interessantes exemplares de Planorbella duryi, mostrando pigmentação em somente metade do seu manto. Pode tratar-se de um caso de mosaicismo, com heranças genétias diferentes para o lado direito e esquerdo. Imagens cedidas pelos aquarista Giancarlo Freitas e Felix Gathercoal.


Veja a segunda parte do artigo aqui
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