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Caranguejos Chama-Maré 3 - chave de identificação
 
Walther Ishikawa - Identificando a espécie do Caranguejo Chama-Maré
Veja a primeira parte do artigo aqui



Identificação etapa 4 – fronte larga, gênero Minuca

 

Abordaremos aqui as espécies que têm a largura da fronte igual ou maior do que 1/3 da distância fronto-orbital. Aqui existem cinco possibilidades, todas as espécies restantes de chama-marés, que são as cinco outras espécies brasileiras do gênero Minuca.

 


Minuca vocator, fronte. Foto de Walther Ishikawa.



Minuca mordax, fronte. Foto de Walther Ishikawa.



Minuca rapax, fronte. Foto de Walther Ishikawa.


O primeiro passo é relativamente simples, que é identificar o Minuca vocator. A característica mais usada que permite a identificação desta espécie é a presença (especialmente nos machos) de uma pubescência aveludada na carapaça, formando manchas irregulares de aspecto marmóreo. Parece um fino “veludo”, muitas vezes se confunde com acúmulos de sujeira. O problema é que esta pubescência é fracamente aderida na carapaça, sendo facilmente perdida por abrasão. Ela é bem evidente em animais logo após a ecdise, mas tende a se desgastar com o tempo. Geralmente manchas irregulares acabam permanecendo, especialmente junto às bordas da carapaça, nas regiões hepática e branquial, além da depressão central em forma de “H”.

Se estas manchas não estiverem presentes, uma informação auxiliar bastante útil é o aspecto da face interna da palma da maior quela do macho, segundo a chave da Dra. Crane e do Dr. Bezerra. O M. vocator é a única espécie dentre os Minuca que possui a crista tubercular oblíqua vestigial ou ausente, todas as outras espécies mostram esta crista bem pronunciada (veja fotos). Vale a pena examinar também as pernas, M. vocator é a única espécie que possui exuberante pubescência em todos os segmentos das pernas, exceto o dáctilo. Na mão, a pubescência envolve toda a superfície.

Lembrando também que o M. vocator é a espécie de chama-maré brasileiro com a fronte mais larga. Não há uma medida que permita um diagnóstico seguro da espécie baseado somente nesta característica, mas ajuda bastante quando se compara com exemplares de outras espécies.






Minuca vocator, close da carapaça mostrando os focos de pubescência aveludada. Na primeira imagem, um exemplar mais velho, com carapaça mais desgastada e pouca pubescência. Na segunda foto, um espécime com extensa pubescência. O segundo animal acabou de ser coletado, note como a pubescência molhada e impregnada de lama adquire um aspecto de sujeira. Fotos de Walther Ishikawa.



Face interna da quela maior do macho, mostrando a crista tubercular oblíqua. Minuca rapax à esquerda, mostrando a crista bem pronunciada e evidente. Minuca vocator à direita, mostrando a crista vestigial, quase imperceptível. Fotos de Walther Ishikawa.


         

Faltam as demais quatro espécies de Minuca. A partir daqui, a identificação começa a ficar um bocado mais difícil, alguns colegas zoólogos até sugerem que estas quatro espécies sejam agrupadas juntas para o não-especialista, de tão sutis que podem ser estas diferenças. Vou tentar colocar aqui uma chave de identificação, baseado nos trabalhos da Dra. Crane, Dr. Melo, Dr. Bezerra, Dra. Masunari e outros autores. Porém, a chave a seguir difere da destes autores, que usam inicialmente o padrão de pubescência das pernas (Bezerra e Masunari) ou a forma do mero do último par de pernas ambulatórias (Melo), parâmetros que são difíceis de serem avaliados pelo leigo, ou não muito constantes.


Na minha opinião, existem dois caminhos a seguir aqui: O primeiro, mais simples, porém mais sujeito a erros, é identificar o Minuca mordax. Praticamente todos os chama-marés vendidos no comércio são desta espécie. Isto se explica pelo fato deste chama-maré ser o mais oligohalino de todos, ou seja, adaptado a águas de baixa salinidade, praticamente água doce. E chama-marés são vendidos nas lojas de aquarismo (erroneamente) como espécies para aquários de água doce. Assim, houve uma espécie de "seleção natural" dentre lojistas, chegando a esta espécie que sobrevive por mais tempo em aquários de água doce. Se você comprou seu chama-maré numa loja, é quase certo que seja o Minuca mordax.

Toda a literatura menciona que a distinção entre o M. mordax e outras espécies (especialmente M. panema) é bastante difícil, principalmente porque as chaves supõem que não se pode basear em cores para a identificação, ou seja, as chaves precisam ser efetivas para identificar também animais mortos em coleções zoológicas. No nosso caso, ou seja, com animais vivos, geralmente a identificação não é problemática, porque o Minuca mordax tem geralmente uma coloração distinta, azul-acinzentada, descrita como “cor de ardósia”.

A pubescência nas pernas pode ajudar na identificação, como proposto pela chave da Dra. Masunari: Depois do M. vocator, o M. mordax é a espécie com as pernas mais pubescentes. Esta é identificada no mero, e na mão envolve toda a superfície (nas três espécies adiante, não há pubescência no mero, e somente na face dorsal do carpo e mão). 


 



Imagens dorsais dos quatro Minuca que muitas vezes são confundidos, respectivamente: M. panema, M. mordax, M. victoriana e M. rapax. Note a coloração menos viva e acinzentada do Minuca mordax. Fotos de Walther Ishikawa.



A outra opção é tentar identificar inicialmente o Minuca victoriana, usando um pequeno detalhe da face externa da garra maior do macho: na mão (manus) da quela maior, esta é a única espécie que mostra uma pequena depressão em faixa com pubescência junto ao pólex. É sutil, mas sabendo-se o que procurar, não tem como se enganar. Vale a mesma observação da pubescência do M. vocator: não espere grandes pêlos, mas sim um pequeno foco de "sujeira" (veja foto abaixo).

A chave do Dr. Bezerra sugere que se use o padrão das crenulações suborbitárias: os tubérculos da crenulação bem definidos e separados em toda sua extensão (supostamente, todas as outras três têm os tubérculos pequenos e próximos junto à margem interna, e maiores e separados na margem externa). Porém, já vi este padrão em outras espécies, como o M. panema, assim acredito que não seja 100% confiável. Costumam ter também poucas cerdas (pêlos mais grossos e longos) acima e abaixo das crenulações. Vai ser difícil enxergar isto com o animal no terrário, ou livre na natureza. Você vai ter que segurá-lo e conseguir uma imagem em macro frontal. A chave do Dr. Bezerra menciona que esta é a única espécie de chama-maré brasileiro sem setae (cerdas) nas pernas ambulatórias, mas outros artigos não confirmam este fato.

Uma característica que ajuda bastante na identificação desta espécie (especialmente em fotos tiradas à distância) é o aspecto da borda dorsal anterior da carapaça: é a única espécie com margem ântero-lateral curta. É a melhor forma de "triagem" quando se procura esta espécie com fotos à distância.





Minuca victoriana, face externa da quela maior do macho, mostrando a faixa de pubescência na face externa inferior do manus da garra, junto ao pólex. Foto de Walther Ishikawa.


Close na face de um Minuca victoriana, acima, Minuca panema, no centro, e Minuca rapax, abaixo, mostrando as suas crenulações suborbitais. Tipicamente as crenulações formadas por tubérculos bem definidos e separados na primeira espécie, mas raramente este padrão pode ser visto em outras espécies. Nas demais espécies de chama-marés, os tubérculos são bem pequenos na margem interna, grandes e separados somente na margem externa. Primeiras fotos de Walther Ishikawa, última foto de Ricardo Samelo.






Comparação na margem dorsal das carapaça de Minuca, a margem antero-lateral está identificada com um asterisco (*), e a margem dorso-lateral com dois asteriscos (**). Na primeira foto, M. victoriana, com margem antero-lateral curta, reta, com transição aguda com a margem dorso-lateral. Nas demais espécies, a margem antero-lateral é longa. Na segunda foto, M. panema, margem antero-lateral longa e discretamente convexa, com transição arredondada para a dorso-lateral. M. mordax tem um aspecto similar. Na terceira foto, M. rapax, margem antero-lateral longa, reta e divergente, com transição arredondada para a dorso-lateral. Fotos de Walther Ishikawa.





Comparação na margem dorsal das carapaça de Minuca, na primeira foto, M. victoriana, com margem antero-lateral curta, reta, com transição aguda com a margem dorso-lateral. Nas demais espécies, a margem antero-lateral é longa. Fotos de Walther Ishikawa.

 

Excluído o M. victoriana e/ou o M. mordax, podemos seguir a chave proposta pelo Dr. Melo, com a análise do mero do último par de pernas ambulatórias: se o mero for alargado, com margem dorsal convexa, é característico do Minuca rapax. Se o mero for fino e longo, com margem dorsal retilínea, é típico do Minuca panema (a maioria dos Minuca mordax também têm este aspecto).

Outra opção é utilizar o aspecto da crista proximal de tubérculos junto à base do dedo móvel da quela do macho, como sugerem a Dra. Crane e Dr. Bezerra. No M. panema, ela é divergente do sulco adjacente. No M. rapax, ela é paralela ao sulco adjacente (veja a imagem). Parece haver alguma variação desta característica nas demais espécies.




Visão posterior do último par de patas ambulatórias, mostrando a margem dorsal do mero. Minuca panema acima, exibindo o mero longo, fino, e com margem reta. Minuca rapax abaixo, exibindo a margem convexa. Fotos de Walther Ishikawa.




Visão posterior do último par de patas ambulatórias das espécies brasileiras de Minuca, e L. thayeri, mostrando a margem dorsal do mero. Note o típico aspecto do Minuca burgersi e Minuca mordax, com o mero longo, fino, e com margem reta. Minuca rapax e Leptuca thayeri com o mero alargado e a margem convexa. Fotos de Walther Ishikawa.


Face interna da quela maior do macho, mostrando a crista proximal de tubérculos junto à base do dedo móvel. Minuca rapax à esquerda, mostrando a crista paralela ao sulco articular adjacente. Minuca panema à direita, mostrando a crista divergente do sulco. Fotos de Walther Ishikawa.

      



Face interna da garra maior do macho dentre os Minuca:

  • Na primeira ilustração, Minuca vocator, com a crista tubercular oblíqua vestigial ou ausente.
  • Na segunda ilustração, a crista proximal de tubérculos junto à base do dedo móvel é divergente ao sulco articular adjacente, tipicamente encontrado no Minuca panema.
  • Na terceira ilustração, a crista proximal de tubérculos junto à base do dedo móvel é paralela ao sulco articular adjacente, correspondendo ao Minuca rapax.

           


Face interna da garra maior do macho dentre os Minuca, de cima para baixo, Minuca vocator, Minuca panema e Minuca rapax. Fotos de Walther Ishikawa.

         

         

Distribuição geográfica

 

                A maioria das espécies de chama-marés têm ampla distribuição pelo litoral brasileiro, desta forma, ao contrário de muitas outras espécies de invertebrados, a informação sobre o local de coleta costuma ajudar muito pouco na identificação do animal. Vale a pena destacar algumas exceções importantes:
  • O Leptuca uruguayensis tem uma distribuição mais ao sul, não sendo encontrado nos estados ao norte do Rio de Janeiro.
  • Ao contrário, o Leptuca cumulanta é uma espécie tropical, não sendo encontrada ao sul do estado do Rio de Janeiro.
  • Nas duas espécies acima, há sobreposição somente ao longo de algumas centenas de quilômetros em RJ, entre Cabo Frio e Baía de Sepitiba.
  • As demais espécies têm ampla distribuição, mas não são encontradas no extremo sul. A distribuição do M. mordax, M. burgersi e U. maracoani se estende até o Paraná. A do M. vocator, L. leptodactyla, M. rapax e L. thayeri vai até Santa Catarina.


        Espero que este artigo seja útil na identificação do seu caranguejo chama-maré! Maiores informações, mapas de distribuição e mais imagens das várias espécies de caranguejos chama-marés podem ser vistas nas fichas individuais da seção “espécies”.

 

 

Bibliografia:

  • Melo GAS. Manual de Identificação dos Brachyura (caranguejos e siris) do litoral brasileiro. São Paulo: Plêiade/FAPESP Ed., 1996, 604p.
  • Crane J. 1975. Fiddler crabs of the world. Ocypodidae: Genus Uca. New Jersey: Princepton University Press, 736p.
  • Rosenberg MS. 2001. The systematics and taxonomy of fiddler crabs: A phylogeny of the genus Uca. Journal of Crustacean Biology 21(3):839-869.
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  • Bezerra LEA. The fiddler crabs (Crustacea: Brachyura: Ocypodidae: genus Uca) of the South Atlantic Ocean. Nauplius 2012; 20(2): 203-246.
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  • Benetti AS. 2007. Biologia reprodutiva em espécies do gênero Uca (Crustacea, Brachyura,Ocypodidae) em manguezais tropicais. Tese de Doutorado, Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP.
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Agradecimentos especiais aos colegas Fábio L. Ferreira, Rodrigo Valença CruzHernán Chinellato, Carlos Moura, Jorge Delamare, Michel Lobo, Sônia Furtado, Hector Barrabin, Ricardo SameloRogério MonteiroDiogo Silva e Flávio Mendes pela cessão das fotos e vídeos para o artigo. Somos muito gratos também à ecóloga Ravena Sthefany Alves Nogueira por valiosas informações sobre a taxonomia destes animais.



As fotografias de Walther Ishikawa e Flávio Mendes estão licenciadas sob uma Licença Creative Commons. As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.

Artigo publicado inicialmente em 11/06/2012, última atualização em 12/12/2023.

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