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Reprodução dos Camarões Nativos Brasileiros 2
 
Walther Ishikawa - Estratégias reprodutivas dos camarões

A Reprodução dos Camarões Nativos Brasileiros (2)



Reproduzindo camarões com padrão primitivo no aquário

 

Embora muito mais problemática do que a reprodução de espécies com padrão especializado, sim, é possível a reprodução destes camarões em cativeiro. Uma prova disto é que a quase totalidade dos grandes camarões criados comercialmente para consumo humano (como o Camarão da Malásia) pertencem a este grupo.

            A fêmea passa por uma muda pré-nupcial, e logo após há o acasalamento, onde o macho deposita seu espermatóforo ventralmente na fêmea. 4 a 12 horas após a cópula, a fêmea libera os ovos, que são fertilizados e se alojam nos pleópodes. Raramente, ovos não-fertilizados podem ser liberados, mas se desprendem espontaneamente da câmara incubadora em cerca de 5 dias. A fêmea mantém os ovos aerados, através da movimentação dos pleópodes. Também os mantém limpos, retirando ovos mortos e detritos com o primeiro par de pernas.

Em quase todas as espécies, a desova dos ovos irá ocorrer em água doce, assim como sua incubação. Não há necessidade de alterar os parâmetros do tanque (como salinidade) durante esta fase inicial. Neste momento, o único cuidado que se deve tomar é levantar as informações sobre a espécie do camarão, em relação à salinidade, tempo de incubação dos ovos, etc., que é variável. Muitas espécies mostram ainda uma variação na cor dos ovos ao longo do seu desenvolvimento.

Próximo ao momento da desova, a fêmea deverá ser separada, em um tanque dedicado. Este deve possuir filtro, termostato e iluminação, embora este último não seja essencial. Obviamente, o aquário deverá estar ciclado e estável, nos mesmos parâmetros do aquário original. Não deve ter substrato, plantas ou enfeites.

Mesmo para as espécies cujas larvas demandam água salobra, a eclosão dos ovos pode ser feita em água doce, com posterior adaptação das larvas recém-nascidas à água salobra. Uma exceção importante é o Potimirim, cuja taxa de eclosão dos ovos é maior em água salobra (8%o), assim como a sobrevida das larvas.








Larvas recém-eclodidas de 
Potimirim brasiliana, foto de Cinthia Emerich.


A eclosão se dá nas primeiras horas da noite. Um cuidado que se deve tomar é em relação ao filtro, cuja entrada deve ser coberta com algum material (como uma esponja ou uma meia feminina) para evitar que as larvas sejam sugadas. Mesmo com a entrada coberta, sugere-se também uma vazão não muito alta no filtro, para evitar um aprisionamento das larvas na superfície de entrada. A luz não é essencial, mas o tanque deve ser mantido em um ambiente claro, já que as larvas mais desenvolvidas procuram ativamente o alimento usando a visão.

Com o nascimento das larvas, deve-se lentamente adaptá-las à água salobra. A salinidade ideal também é bastante variável, desde água praticamente doce (1%o, Macrobrachium amazonicum costeiro) até água praticamente salgada (30%o, Atya spp.). A transição deve ser feita em algumas horas, acrescentando-se gradualmente água salgada à doce, até atingir os valores corretos. Todas as larvas mantidas em água doce morrem em cerca de uma semana, sem muda para o segundo estágio.

Nestas espécies, as larvas recém-nascidas (primeiro estágio) não se alimentam, consumindo nutrientes do seu saco vitelínico. Isto por um período de cerca de três dias. Por este motivo, não precisam ser alimentadas nesta fase.

A segunda fase larvar representa o maior desafio. Isto porque se tornam carnívoros e predadores, necessitando zooplâncton para se alimentarem. Esta fase também dura cerca de três dias. Em criações comerciais de camarões (Malásia, por exemplo), nesta etapa começam a receber náuplios de Artêmia, idealmente várias vezes ao dia. Os náuplios são mantidos ao longo de todo o desenvolvimento larvar. Infusórios ou fitoplâncton não são aceitos, assim como qualquer alimentação inerte.

A partir da terceira fase passam a aceitar alimentos inertes ricos em proteína animal, desde alimentos caseiros (fórmulas contendo carne de peixe macerada, ovos, leite em pó, coração de boi, frutos do mar, etc), ou alimentos industriais em flocos. Mas em criações comerciais, só é introduzido a partir da V fase de larva. Deve-se atentar ao tamanho dos fragmentos, já que nas primeiras fases, o alimento é filtrado pelas larvas. Vários trabalhos mostram que durante o seu desenvolvimento, as larvas devem receber outros alimentos além de Artêmia, em especial nas fases mais avançadas. Em tese, a partir da quinta, podem receber alimentos inertes exclusivamente, mas não é o recomendado. Resumindo, a estratégia mais empregada em criações comerciais é o uso de náuplios de Artêmia ao longo de todo o desenvolvimento larvar (introduzido a partir da segunda fase), e a adição de alimentos inertes a partir da quinta fase. Alguma variação entre as espécies existe, e será descrito nas fichas específicas.

O tanque deve ser sempre mantido limpo, sifonando-se restos de alimentos e larvas mortas. Sendo planctônicas, uma causa freqüente de morte das larvas é o seu encarceramento em meio a detritos no fundo do aquário. As larvas iniciais são atraídas pela luz, uma forma interessante de facilitar a limpeza do tanque. Mas em estágios mais avançados, seu comportamento é de fugirem da luz.

As regras alimentares descritas acima valem para praticamente todas as espécies de camarões de reprodução primitiva. Uma exceção bem interessante é o gênero Atya (camarões filtradores). Não existem dados a respeito da reprodução do Atya gabonensis em literatura científica, mas a espécie já foi reproduzida com sucesso entre aquaristas da Alemanha (veja o artigo aqui). Todo o desenvolvimento larvar já foi bem estudado na outra espécie brasileira, o Atya scabra. Nesta espécie, as larvas do segundo estágio não são carnívoras, recusando inclusive os náuplios de artêmia. A dieta que levou a um melhor desenvolvimento (nas duas espécies) foi composta por micro-algas. O mesmo ocorre com outras espécies exóticas, como o jamaicano Atya innocous. Curiosamente, os Potimirim (uma espécie próxima dos Atya) têm larvas carnívoras.





Filhote de Atya gabonensis, reproduzido em cativeiro. Foto de Sandy Brolowski e Martin Kruck.


 

Camarões com reprodução especializada

 

            Na reprodução especializada, ovos grandes e em pequeno número são produzidos. O tempo de incubação destes ovos é maior, boa parte do desenvolvimento larvar se dá dentro do próprio ovo. Porém, ao contrário do que poderia se imaginar, as larvas recém-nascidas lembram bastante as larvas inicias dos camarões com reprodução primitiva, com olhos sésseis e ausência de urópodos. Porém, em poucos estágios se transformam em pós-larvas, com um tempo de desenvolvimento larvar bastante reduzido (chegando a dois dias, no caso do M. borellii).


Macrobrachium jelskii, filhote nascido no aquário, zoea I mostrando o telso em leque, mas já com comportamento bentônico. Foto de Cleidson Silva.


            O comportamento das larvas destas espécies também é diferente, já deixando de ter um padrão planctônico nos estágios finais de zoea, ou seja, já se comportando como pós-larvas. 

Via de regra, utilizam nutrientes do saco vitelínico nestas etapas larvares, se alimentando somente na fase de pós-larva. Podem receber ração e outros alimentos inertes desde este início, não necessitando de alimento vivo.



Macrobrachium borellii, pós-larva nascida no aquário, idade entre 1 e 2 dias. Foto de Valéria Castagnino.


            Todos os camarões com reprodução especializada são espécies continentais, que tem todo seu desenvolvimento em água doce. Temos como exemplos o “fantasma” Macrobrachium jelskii, o M. borellii, os demais Palaemon e parte dos Pseudopalaemon. Alguns “pitus” continentais também pertencem a esta categoria, como o M. brasiliense e as várias espécies amazônicas.

            Sua reprodução em cativeiro é muito fácil, por não ter as limitações da água salobra e da alimentação planctônica. Apesar de a fecundidade ser menor, a taxa de sobrevivência dos filhotes é muito alta, mesmo em tanques comunitários. Uma boa dica é o uso de densas vegetações (frequentemente se usa musgo de java), o que oferece refúgio e alimentos para os filhotes.

 

 

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Agradecimentos aos colegas colaboradores Fernando Barletta,  Leandro Sousa (IctioXingu, veja seus canais  aqui - YouTube  e  aqui - Instagram ), Sandy Brolowski e Martin Kruck (Alemanha), Werner Klotz (Alemanha), Valeria Castagnino e Romina Arakaki (Argentina) pela cessão das fotos para o artigo.





 As fotografias de Walther Ishikawa, Cinthia Emerich  e Felipe Aoki estão licenciadas sob uma Licença Creative Commons. As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.



Artigo publicado em 11/11/2011,  última edição em 10/02/2020.

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