A reprodução sexual das medusas de água doce (Craspedacusta sowerbyi)
Por Gen-yu Sasaki,
Japão
No artigo anterior, relatei sobre o ciclo de vida destas águas-vivas,
especialmente sobre seus pólipos e reprodução assexuada. Agora, eu pretendo
escrever uma "outra história", já mencionada brevemente. Isto é, a
reprodução sexual das águas-vivas.
Dois zigotos no estágio de duas células, e dois óvulos
não-fertilizados (fotografados com epi-iluminação).
Ciclo de vida das
medusas
Eu criei estas medusas por um
período de cerca de um mês, a partir de Outubro de 1999 (escrevo este texto em
24 de Novembro de 1999: ainda tenho um casal de medusas, mas estão bem
enfraquecidas, já moribundas). São todos animais que ganhei do Miyakawa, no
total eram dois casais, as duas fêmeas eram medusas que o Miyakawa conseguiu
desenvolver a partir dos pólipos no aquário dele, e os dois machos selvagens
foram animais coletados por ele na natureza, na cidade de Nagoya, Japão
central.
Mas um fato relevante é que
machos e fêmeas destas medusas não são encontrados no mesmo ambiente
simultaneamente. Talvez até possam ser encontrados, após uma busca mais
minuciosa, mas o fato é que a reprodução sexual destes animais na natureza é
algo bastante incomum.
No entanto, a reprodução sexual é muito importante. Ela é necessária para se aumentar
a diversidade genética das populações, e
compreender seu processo é uma informação valiosa para a
compreensão destas criaturas. Espero
que este artigo faça você se interessar ainda mais por estes animais.
Ovos
A foto abaixo mostra ovos da medusa de água doce C. sowerbyi. A desova ocorreu em 20 de outubro, e os ovos têm um
diâmetro em torno de 0,1 milímetros. Eu os encontrei no fundo do recipiente
onde os criava, recolhi-os e coloquei numa placa de Petri.
Como podem ver nesta foto, existem ovos com aspectos diferentes. Tentei juntar
os machos com as fêmeas para que houvesse inseminação, mas não pude ver
clivagem em nenhum deles, por isso suspeito que sejam todos ovos não
fertilizados.
Os três ovos marcados com um asterisco vermelho têm um aspecto mais normal.
Os demais parecem ser malformados. Esta é uma impressão que tive depois de
observar a clivagem, mais adiante. O motivo de haver ovos com tantos aspectos
distintos é um mistério para mim.
Clivagem!
Por outro lado, não consegui
encontrar nenhum espermatozóide. Desta forma, uma inseminação artificial não foi
possível.
Miyakawa havia sido bem sucedido na
fertilização/inseminação artificial, conseguido inclusive acompanhar o seu
desenvolvimento, mas eu desisti e resolvi simplesmente deixar os machos e
fêmeas juntos e torcer para que acasalassem. Claro que este não é um bom método
de se acompanhar o desenvolvimento do embrião, especialmente seu início. No
final, não pude observar a fertilização.
Mas para minha grande felicidade,
perto da meia-noite do dia 27 de outubro de 1999, encontrei dois zigotos no
estágio de duas células! Como a divisão celular prosseguia, as fotos foram
tiradas de forma contínua até de manhã, num intervalo de cerca de 5 minutos.
Mostrarei algumas das fotos aqui.
Nas fotos podem ser vistos dois
zigotos em desenvolvimento (um único na última foto). O horário da foto está
abaixo.
Fiz também duas animações, dos
embriões da esquerda e direita. Olhando a animação, ficam ainda mais claras as
modificações no arranjo celular durante o processo de divisão celular.
(23:54) Zigoto de 2 células,
com sua forma típica. É uma forma característica,
também vistas em Hidras e medusas
Spirocodon. Uma membrana pode ser
vista recobrindo o embrião (veja o emvrião direito na foto acima). Eu realmente fico confuso, porque é sabido que os
hidrozoários (grupo ao qual pertence a medusa) não têm membranas de
fertilização. Mas a minha impressão é que é uma membrana
um pouco diferente da dos ouriços-do-mar.
(00:46) Este é o estágio de 4 células. Parece existir dois arranjos possíveis das
quatro células. Uma forma tetraédrica semelhante ao tetrápode (esquerda)
e plana (direita). Não parece
haver uma sequência correta entre as duas.
(01:53) O estágio de 8
células, provavelmente. O arranjo das células é meio
desordenado.
(02:38) Estágio de 16 células, eu acho. Não é mais possível contar o
número de células.
(03:28) O estádio 32 células? O embrião da
esquerda está com um formato estranho. Mais adiante voltou a
ter um aspecto esférico normal.
(16:18) A clivagem já está no final. A esfera da esquerda é um óvulo
não fertilizado, e o embrião está do lado direito (blástula?
gástrula?). São muito semelhantes, indistinguíveis. Mais
adiante o embrião começa a nadar, mas no momento está imóvel.
Em outras ocasiões consegui ver novas desovas e plânulas
algumas vezes, mas esta foi a única vez que consegui observar todo o processo de
clivagem.
Plânulas
Comparação
entre uma plânula (esquerda) e frústula (direita), imagens na mesma
magnificação.
Depois do final da clivagem os embriões começam a nadar. Pude observá-los nadando em círculos durante algum
tempo. Este período natante termina logo (a literatura diz cerca de 24 horas,
mas não pude estimar claramente).
Em seguida, eles se tornam alongados, e começam a rastejar no fundo do recipiente. É chamado de plânula esta fase entre
o término da fase natante e antes de formar o pólipo.
O quadro animado à esquerda mostra uma plânula rastejando no fundo da placa
de Petri. As imagens foram tomadas a cada 10 minutos, 80 minutos no total. A velocidade
com que rastejam parece variar de caso a caso.
Lembra-se de ter visto esta animação em algum outro lugar? Isso mesmo, no
artigo anterior eu mostrei o movimento das frústulas, é muito parecido, não? As
frústulas produzidas pelos pólipos lembram bastante as plânulas, tanto no seu
aspecto quanto na forma como se movem. Só lembrando, a imagem à direita é de
uma frústula, não de uma plânula.
Entretanto, as plânulas e frústulas têm algumas diferenças fundamentais.
Antes de mais nada, fica claro que a frústula é bem maior. O indivíduo na foto
acima mede cerca de 0,95 mm de comprimento.
Pequenos pólipos nascendo das plânulas
Um minúsculo
pólipo nascendo de uma plânula (esquerda), e um pólipo maduro surgindo de uma
frústula (direita).
No período de alguns dias, pude observar o surgimento de
alguns pólipos da plânula. Todos são minúsculos. Veja abaixo uma imagem em
close de alguns destes pólipos (em brightfield).
Todas as últimas imagens (exceto o close), ou
seja, a plânula rastejando, a frústula, e os dois pólipos, todas estas quatro
fotos estão com a mesma ampliação.
O diâmetro da boca de um destes pequenos pólipos
é de apenas 0,1 milímetros! O que
será que eles estão comendo? Protozoários? Recentemente, tive sucesso na alimentação destes minúsculos
pólipos. O alimento foi um tipo de rotífero, Rotaria. Também fiz uma animação, abaixo (25 minutos, 18 frames).
Essa espécie é conhecida por sua aparente “geração espontânea” nos corpos
d´água, estou torcendo para que eu possa cultivá-las até a fase de pólipos
maduros.
Veja a terceira e última arte do artigo neste link
Agradecimentos:
Novamente agradeço a assistência e encorajamento de Miyakawa e outros
membros da "jfish-ML", Wim van Egmond e Dave Walker. Gostaria de
deixar registrado os meus agradecimentos.
Referências:
Aqui estão dois artigos que
descrevem a reprodução sexuada da medusa de água doce. Por favor, me
avise se você souber de alguma outra referência boa. Outros links de interesse
estão no meu artigo anterior. Consulte se houver interesse.
● 橋本碩. 1987. 淡水産ヒドロゾア・ミクロヒドラ科-その生活史、分類、分布、生態、進化-. 動物分類学会誌,
35: 61-72.
● Payne, F. 1926. Further studies on the
life history of Craspedacusta ryderi, a freshwater hydromedusan.
Biological Bulletin of the Marine Biological Laboratory (Woods Hole,
Mass.) 50: 433-443.
Fotografias
tiradas em 21, 27 e 28 de outubro, 8 e 22 de novembro, 1999.
Copyright © 1999 por Gen-yu Sasaki. Todos os direitos reservados.
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