INÍCIO ARTIGOS ESPÉCIES GALERIA SOBRE EQUIPE PARCEIROS CONTATO
 
 
    Artigos
 
Erosão na Concha de Moluscos - Parte 2
 
Edson Paveloski Jr. e Walther Ishikawa - Erosão na Concha de Moluscos
Para retornar à primeira página do artigo, clique aqui





Erosão na Concha de Moluscos - Parte 2

Perda da integridade do Periostraco

 

Como já mencionado, o Periostraco é a fina membrana orgânica que recobre a superfície externa da concha, isolando a porção mineral da água. Por este motivo, geralmente os moluscos de água doce têm um Periostraco mais espesso e resistente do que os marinhos. Isto é bem evidente nos bivalves de água doce, que têm o agravante de se enterrarem no substrato, com maior chance de ruptura desta membrana. Se houver dano no Periostraco, a água entra em contato com o Carbonato de Cálcio da concha, podendo haver erosão. Em algumas espécies (como os Physa) o Periostraco é mais permeável, mesmo a sua integridade não protege a ação química de água ácida ou mole sobre a concha, o que explica a sua baixa tolerância a ambientes ácidos.

A causa mais comum de dano no Periostraco é a abrasão mecânica. Assim, a manutenção de caramujos em substratos pontiagudos, rochas ou enfeites com arestas não é recomendada, porque pode haver atrito da concha com estas superfícies contundentes. Da mesma forma, não se deve escovar ou limpar a concha destes animais para se remover algas e outras sujeiras. Mesmo na natureza, quando caramujos são encontrados em ambientes com pH baixo (como Biomphalaria e Pomacea na Bacia Amazônica), costumam ser locais com muita serrapilheira depositada no fundo, sem substrato arenoso, sem rochas ou outras superfícies duras e perigosas.




Influência de parâmetros da água e substratos abrasivos: Planorbídeos (Biomphalaria intermedia), criados em diferentes condições, mostrando aspectos distintos da sua concha. Todas as fotos mostram substrato de areia grossa, mas não foram estas as condições em que os moluscos foram criados:







Nas duas primeiras situações (três fotos acima, em comparação com as três abaixo), os animais foram criados em condições químicas idênticas (pH 7.4, GH 35), com alimentações idênticas. Os caramujos das três primeiras fotos foram criados em um aquário sem substrato, somente o vidro. Note a concha sem erosão, mas espesso e esbranquiçado. Fotos de Walther Ishikawa.








Nas três fotos acima, os caramujos também foram criados em condições químicas idênticas (pH 7.4, GH 35), com alimentações idênticas, mas em um substrato de dolomita, mais abrasivo. Apesar do pH e dureza elevadas, há erosão na concha. Fotos de Walther Ishikawa.







As duas últimas fotos mostram caramujos criados em águas ácidas, de dureza média (pH 6.6, GH 30), sem substrato. Note suas conchas mais finas e translúcidas, sem erosão. Fotos de Walther Ishikawa.



Por se tratar de um material orgânico, também pode haver dissolução do Periostraco em ambientes com pH muito baixo. Em especial, a acidez induzida por altas concentrações de CO2 (como plantados com intensa injeção) parece ter um papel importante na dissolução. E finalmente, pode haver crescimento de fungos, bactérias ou outros micro-organismos no Periostraco, levando a dano. Obviamente, isto será muito mais comum em tanques sujos, com filtragem e limpeza inadequadas. Há registros de Pila globosa coletadas na natureza na Índia com erosões que se iniciaram como bolhas no periostraco, provavelmente relacionada a alguma infecção bacteriana local. 


Dois casos de ampulárias (Pomacea diffusa) com bolhas abaixo do periostraco, devendo corresponder a uma infecção bacteriana ou parasita. Imagens gentilmente cedidas pelas aquaristas norte-americanas Emily Boswell (primeiro) e E.R. Daligga (segundo caso).



Ampulárias (Pomacea diffusa) mostrando erosão da concha em graus variáveis. veja como o processo é mais exuberante próximo à região apical, mais antiga da concha. Imagens gentilmente cedidas pelos aquaristas Elinor Jones (EUA) e Josivaldo dos Santos Jr.


 

A dissolução de CO2 em água promove a formação de ácido carbônico:

H2O + CO2 H2CO3


Erosão da concha causada por reação entre o ácido carbônico e o carbonato de cálcio das conchas:

CaCO3(s) + H2CO3 Ca2+ + 2 HCO3-


A perda do Peristraco é mais comum nos locais mais antigos da concha, onde a membrana é mais fina e velha. Ou seja, próximo ao ápice da concha nos caramujos, e próximo ao umbo nos bivalves. Em caramujos com a concha mais alongada (Melanoides, Ampulárias, etc.), é muito comum a perda completa da ponta da concha em animais mais velhos, chamado por alguns de "decapitação" ou "degolação" (decollation). Geralmente isto é relativamente bem tolerado, lembrando que o corpo do molusco não preenche totalmente a cavidade da concha, a região mais apical costuma ficar vazia.




Exemplos de moluscos mantidos em águas ácidas. Ampulária à esquerda, com erosão extensa na região apical da concha, mas integridade no restante. À direita, um Melanoides com amputação total da região apical. Fotos de Rafael Senfft.



Trabalhos mostram que, se totalmente removido, a velocidade de dissolução da concha é o dobro de uma concha íntegra. Assim como os peixes tingidos, eventualmente surge no comércio moluscos (principalmente bivalves) com o Periostraco artificialmente removido. Até há pouco tempo eram relativamente comuns em alguns países europeus. O aspecto da concha fica belíssimo, porque expõe suas camadas minerais, com aspecto perolado ou nacarado. Ao contrário dos peixes com injeção de pigmentos, este é um processo indolor para o molusco, mas ele tem sua expectativa de vida bastante reduzida pela rápida erosão da concha.

 




Bivalves vendidos em lojas alemãs com o periostraco mecanicamente removido. A despeito da sua bela aparência, estes animais têm sua expectativa de vida bastante reduzida, pela rápída erosão das conchas. Na segunda foto são visíveis pequenas áreas com periostraco residual, principalmente à direita. Os animais  da terceira foto estavam sendo vendidos como uma espécie púrpura, Anodonta sp. "purple". Fotos de Chris Lukhaup (duas primeiras) e Marne Campos (terceira).

 

A composição química da água – papel do GH

 

Havendo perda da integridade do Periostraco, há contato direto da água com o Carbonato de Cálcio, levando à sua dissolução. O ritmo da dissolução irá depender de vários parâmetros químicos da água. Vamos analisá-los separadamente:

O GH (ou DH) é a dureza da água, a quantidade de sais dos metais alcalinos dissolvidos na água, principalmente de Cálcio e Magnésio. Quanto mais mole a água, maior será a taxa de dissolução da concha.

Isto porque um fato que freqüentemente esquecemos é o de que o Carbonato de Cálcio é um sal solúvel na água. Ou seja, embora pareça um material rígido e resistente, havendo qualquer contato com a água, irá ocorrer uma dissolução do sal, obedecendo a algumas simples leis químicas, ocorrendo um equilíbrio entre o material sólido e a porção dissolvida, veja:

CaCO3(s) Ca2+ +  CO32-

 

Vale lembrar que não basta um GH elevado, pois este pode ser conseqüência de altos níveis de magnésio, e o magnésio não causa influencia significativamente na prevenção da erosão de conchas. É necessário que o GH seja elevado em virtude da presença de cálcio em solução, que é o que promoverá o deslocamento do equilíbrio no sentido da precipitação do carbonato de cálcio, retardando assim a erosão.

Em relação à concentração de Cálcio na água, em qualquer solução que não estiver saturada de Cálcio, sempre vai haver dissolução. Quanto mais mole (quanto mais próximo de água destilada), a velocidade de erosão será maior. Porém, um detalhe importante é que alguns trabalhos têm mostrado que uma concentração excessiva de Cálcio pode ser prejudicial para os caramujos. Um estudo com Biomphalaria mostrou que caramujos mantidos em altas concentrações de Cálcio mostram menor erosão nas suas conchas, mas mostram também maior mortalidade e menor fecundidade.

Outro fato a ser lembrado, é que caramujos mantidos em concentrações muito baixas de Cálcio também reabsorvem a própria concha para manter a concentração adequada do elemento na hemolinfa. Isto já é bem demonstrada em Planorbídeos, onde se observa uma erosão da superfície interna da concha (por reabsorção), além da erosão externa (por dissolução).

Uma faixa ideal de GH sugerida para Ampulárias é entre 12 e 20 (200~350 ppm). A forma mais segura de adicionar Cálcio à água do aquário é através da introdução de conchas, rochas calcárias, esqueletos de corais, etc., com a vantagem adicional de elevar o pH e KH. Estas recomendações serão descritas mais adiante no artigo. 

 


Uma grande Ampulária com vários anos de idade (ao fundo), mostrando múltiplas pequenas erosões na concha. A Ampulária à frente também exibe mínima erosão na região apical. Imagem cedida por Stephanie Maks.


A composição química da água – papel do pH

 

O pH representa a quantidade de íons livres de Hidrogênio presentes na água. Quanto mais baixo o pH, mais ácido será o meio, com maior quantidade de Hidrogênio livre. Este Hidrogênio livre levará à dissolução do Carbonato de Cálcio, formando íons de Cálcio livre (Ca+2) e de bicarbonato (HCO3-). Este processo leva a um consumo de íons de Hidrogênio, elevando o pH. Basta lembrar que um recurso muito usado para se elevar o pH de um aquário é a adição de conchas ou rochas calcárias. Veja a reação envolvida na erosão das conchas em meio ácido:  

CaCO3(s) + 2 H+ Ca2+ + 2 HCO3-


Qualquer pH abaixo de 7,0 (excesso de Hidrogênio livre) irá reagir com o material da concha, levando à dissolução. Quanto mais baixo o pH, mais rápido será o processo, obedecendo uma curva logarítmica (pelo fato do pH ser uma função logarítmica). Porém, para qualquer valor acima de 7,0, o pH é indiferente. A erosão à custa de pH será o mesmo para um valor de 7,1 ou 8,2. Isto porque não há íons livres de Hidrogênio em excesso. Assim como o GH, alguns trabalhos sugerem que um pH muito elevado pode ser tóxico a alguns animais, como Ampulárias. Sugere-se uma faixa ideal de pH entre os valores de 7,2 e 8,0.


Nas coleções de conchas em museus, existe um fenômeno bem interessante, chamado de Doença de Byne, ou Degradação Bynesiana, onde há erosão das conchas secas expostas pela ação de vapores ácidos do ambiente, provenientes de papel, madeira, e outros materiais comuns. No local da erosão se forma um material esbranquiçado parecido com bolor, que é o sal produzido pela reação química. Foi primeiramente descrito no século 19, inicialmente atribuído a uma colonização bacteriana, daí o nome “Doença”.

Como mencionado previamente, é bom lembrar também que a acidez excessiva pode contribuir também na dissolução do Periostraco, além da dissolução da concha em si.

Notem também que os dois processos são grosseiramente independentes. Animais mantidos em águas alcalinas porém moles irão mostrar sinais de erosão.

 




Concha de Pomacea diffusa, encontrada em Duval County, Florida (a espécie é encontrada como invasora nos EUA), medindo 49 mm, com extensa erosão. Fotos de Bill Frank.



Erosões na concha de ampularídeos, fotos cedidas por Stijn Ghesquiere. Na primeira imagem, uma erosão profunda em uma Marisa cornuarietis. Na segunda foto, área de erosão apical em uma Pomacea diffusa, mostrando calcificação do tecido mole exposto. Na última foto, uma Ampulária bastante idosa, com erosões superficiais na sua concha.


A composição química da água – KH e outros

 

E finalmente temos também o KH. O KH representa a dureza carbonatada da água, seu potencial de tamponamento ácido (alcalinidade). Mede sua capacidade de absorver e neutralizar ácidos, mantendo o pH estável. Geralmente isto se dá à custa da quantidade de carbonatos e bicarbonatos na água, uma forma popular de se aumentar o KH é adicionando Bicarbonato de Sódio (NaHCO3). Ambas as reações de dissolução das conchas produzem Bicarbonato, desta forma, um KH elevado (além do GH) é desejável para minimizar a erosão, veja os equilíbrios envolvidos:

 

1o- Dissolução do carbonato de cálcio em meio ácido:

  CaCO3(s) + 2 H+ Ca2+ + 2 HCO3-   

 

2o- Íon bicarbonato reagindo neutralizando a acidez:

HCO3- + H+ <H2CO3> H2O + CO2

 

Observe que, devido à instabilidade do ácido carbônico, ele se decompõe, formando água e gás carbônico. Daí a importância do KH elevado, pois um KH elevado indica uma alta concentração do íon bicarbonato, auxiliando tanto na manutenção do pH - ao reagir com o íon H+, ele evita uma queda de pH, além de evitar que o mesmo reaja com o carbonato de cálcio presente nas conchas e também por deslocar o equilíbrio da 1a reação no sentido da formação do carbonato de cálcio (para a esquerda), não de sua dissolução.

Vários outros fatores podem interferir na dissolução das conchas, como a concentração de Fósforo e Ferro, mas sua influência é muito pequena nas variações habitualmente encontradas em aquários.


Um último detalhe importante precisa ser lembrado. Como já foi mencionada diversas vezes, toda a região externa da concha foi produzida pelo animal durante seu crescimento, e não pode ser modificado ativamente pelo molusco. Porém, no momento em que é produzido, o animal mostra algum grau de adaptabilidade às condições ambientais. Caramujos vivendo em ambientes de águas ácidas e moles irão produzir conchas mais espessas, como um mecanismo de defesa. Ou seja, animais criados desde jovens em ambientes mais inóspitos tendem a ter a concha (incluindo seu periostraco) mais espessada e resistente. Significa também que estes moluscos têm uma resistência maior à erosão se comparados a animais que se desenvolveram em ambientes com pH mais elevado e água mais dura.

A temperatura também influi na resistência à erosão, de forma indireta. Uma temperatura mais elevada irá estimular o crescimento somático dos animais, com um crescimento mais acelerado da concha. Estas conchas terão um periostraco mais fino, e desta forma mais propensos à erosão. Este periostraco mais delgado é facilmente perceptível, porque esta camada é bastante pigmentada. Caramujos criados em temperaturas mais elevadas têm conchas de cor mais clara por este motivo.




Sequência de imagens mostrando o rápido crescimento da concha de uma Pomacea lineata. O animal foi coletado, e passou a ser mantido em uma temperatura mais elevada. Note o aspecto mais claro do periostraco. O intervalo entre a primeira e terceira imagem é de quinze dias. Fotos de Walther Ishikawa.



Nos moluscos que vivem em ambientes mais frios, podem ser visíveis "linhas de crescimento" anuais. Durante o inverno,  o crescimento é retardado, formando uma faixa irregular onde o periostraco é mais espesso e com menos depósito mineral. A imagem é de uma concha vazia de Pomacea lineata. Foto de Walther Ishikawa.



Ampulária Pomacea diffusa criada em emperatura elevada (24 a 26C), mostrando a nova concha de aspecto fino e transparente. Foto cedida por Triona Verch Annwn.



OK, então como faço para manter os parâmetros da água adequados?

 

Resumindo, o objetivo é oferecer um aporte adequado de Cálcio dissolvido, sem superdosar outros íons, e sem uma elevação excessiva de pH. A forma mais simples de se realizar isso é ofertando Carbonato de Cálcio na forma de Aragonita, que é a substância da qual é feita a concha dos moluscos. 

A Aragonita é vendida como substrato para aquários marinhos, uma mistura de conchas de moluscos e outros esqueletos de animais marinhos. Pode ser colocado diretamente no aquário, por exemplo, misturado ao substrato, ou dentro de saquinhos vazados (redinhas ou meias de nylon) dentro do filtro. O efeito não é imediato, a Aragonita precisa se "dissolver" na água para liberar os íons. Casca de ovos triturados podem ser usados como substituto, mas o efeito é mais demorado, pela menor solubilidade da Calcita. Substrato de Dolomita também pode ser encontrada em lojas de aquários também, não é recomendada para ser colocada como substrato, por ser dura e pontiaguda, com risco de abrasão do periostraco. Pode ser colocada em filtros, mas é menos eficaz como suplementação de Cálcio por conter Magnésio.

Além de substratos de Aragonita, o Carbonato de Cálcio pode ser comprado na forma de pó, e introduzido diretamente na água do aquário. Um alerta importante, sugere-se somente o uso de Carbonato de Cálcio fabricado como suplemento alimentar, pode ser encontrado em lojas de produtos naturais. O Carbonato de Cálcio também é vendido em lojas de produtos agrônomos, para a fabricação de ração animal, ou alcalinizar o solo, mas geralmente vem misturado com outros produtos, não recomendamos seu uso. O Carbonato também pode ser comprado em farmácias, na forma de pílulas mastigáveis de pó de ostra. Tem a vantagem de ser uma pílula ao invés de pó, mais fácil de ser manipulado quando oferecido como alimento para os caramujos, mas o preço é bem maior.

Todas estas opções têm um inconveniente, que é a elevação do pH. E como comentado, um pH excessivamente alto pode ser prejudicial aos animais. Nesse sentido, outras opções interessantes são outros sais contendo Cálcio. O mais usado é o Cloreto de Cálcio, também pode ser comprado em pó, usado como anti-mofo. Uma dose inicial recomendada é de cerca de 20g/100L, mas o ideal é que seja ajustado medindo-se os parâmetros de água. Existem vários outros produtos utilizados em aquários marinhos e aquários de ciclídeos africanos, suplementos de Cálcio, mas geralmente não são necessários, além de serem mais caros. Além do próprio Cloreto de Cálcio - CaCl2, são compostos de Poligluconato de Cálcio - C12H22CaO14, Hidróxido de Cálcio - Ca(OH)2, etc.

Uma rápida menção ao Magnésio: além da questão já discutida sobre um Magnésio elevado poder dar um resultado falso de água adequada (GH alto, apesar de Cálcio baixo), vale lembrar que altas concentrações de Magnésio podem ser prejudiciais à saúde dos caramujos. A relação entre as concentrações de Magnésio e Cálcio interfere na absorção de Cálcio do ambiente, podendo levar a deficiência, mesmo havendo disponibilidade de Cálcio.  




Um caso muito grave de corrosão da concha em uma Pomacea diffusa. O animal foi criado em condições inadequadas, e adquirido para tentativa de tratamento. Infelizmente, o caramujo morreu não muito tempo depois. Imagens de Nathalia Caser.


Uma Pomacea diffusa idosa, com grave erosão da concha e opérculo. Note um buraco maior e mais profundo na região anterior da concha. O animal foi criado em condições e dieta otimizadas após, e viveu aparentemente bem por alguns meses. As últimas fotos mostram a concha após a morte do caramujo, note o grande depósito cálcico na região do buraco, formando uma projeção interna na concha. Fotos de Walther Ishikawa.



Manter o caramujo saudável é fundamental!

 

O último elemento desta cadeia é o próprio caramujo. Caramujos mantidos em condições adequadas, com alimentação rica e balanceada serão mais resistentes à erosão.

Parte do Cálcio usado na síntese da concha é absorvida diretamente da água, mas grande parte vem da alimentação. E a habilidade de reparar danos na concha através de deposição mineral na face interna da concha é bastante dependente de alimentação. Manter uma dieta rica em Cálcio é fundamental, como folhas escuras (exceto espinafre), ervilha, feijão, etc. Queijos magros podem ser fornecidos, em pequenas quantidades. Para maiores informações, veja o artigo específico sobre alimentação aqui.

Muitos criadores fornecem suplementos de Cálcio para uso humano, geralmente em forma de pastilhas (CalSan®, Os-Cal®, Caltrate®, etc). Dê preferência para aqueles sem aditivos, em especial a Vitamina D, que em grandes quantidades pode ser tóxico aos animais. Evite também pastilhas efervescentes. Outra opção é osso de siba, mas sempre cheque se a composição é essa mesmo (ossos de siba falsos feitas de gesso são frequentemente vendidos em lojas). Pastilhas de cálcio para répteis podem ser usadas, compostas de cloreto de cálcio (CaCl2). Cascas de ovos é uma opção, mas são menos aproveitados, por serem duras e pouco solúveis (calcita). O gesso (Sulfato de Cálcio hidratado) também deve ser evitado, assim como o giz comum. Cal virgem (CaO) ou hidratada não devem ser usados, por elevarem excessivamente o pH. 



Ampulária se alimentando de um comprimido mastigável de Carbonato de Cálcio, para uso humano. Imagem cedida pela aquarista Stephanie Maks.


Relembrando que o Cálcio é depositado sobre uma matriz protéica, e através de um processo ativo, metabólico e celular. Ou seja, a dieta do animal deve ser planejada não somente em termos de riqueza de Cálcio, mas de uma forma equilibrada e balanceada, fornecendo todos os elementos necessários para a saúde e bem-estar do animal. Em especial, há necessidade de boa suplementação de proteínas também. Um sinal de deficiência de proteínas é a malformação do opérculo, um estrutura essencialmente proteica.


Caramujos doentes ou mantidos em condições precárias podem manifestar uma acidose metabólica, com uma redução no pH da hemolinfa. Um dos recursos usados pelo caramujo para o tamponamento desta acidose é a reabsorção do Cálcio da concha, causando erosões na superfície interna. Isto ocorre de forma fisiológica em muitos bivalves de entre-marés, com queda transitória do pH após o fechamento hermético das valvas. Alguns caramujos ativamente reabsorvem parte da concha interna para ganhar espaço, como algumas Neritinas






Pomacea diffusa com erosões profundas na região apical, embora com o restante da concha bastante saudável. Estes caramujos eram criados em grandes populações, com inevitável variação de pH e dureza da água, levando a erosão, a despeito da alimentação saudável e fortemente suplementada com Cálcio. Fotos gentilmente cedidas por Chris Stuart.



Um ambiente sujo também vai facilitar a colonização da concha por fungos, bactérias e outros organismos. Alguns destes germes degradam o Periostraco, criando fissuras por onde pode penetrar a água. Outros germes (como algumas cianobactérias) colonizam as camadas minerais da concha, e, semelhante à cárie humana, podem produzir substâncias ácidas que corroem a sua estrutura. Chamada de infestação endolítica, é uma causa bem conhecida de erosão de conchas em mexilhões marinhos. Uma condição imune deprimida também irá facilitar este tipo de infestação.


Uma última dica importante: durante a recuperação do caramujo, é melhor mantê-lo num aquário separado dos outros animais. E, assim como nas fissuras, é interessante baixar a temperatura do tanque, para reduzir o crescimento somático do animal. Com uma menor demanda de energia para o crescimento, por exemplo, com uma menor produção de concha nova na borda, o animal pode mais efetivamente restaurar o local danificado da concha.

 

 


Uma grande Ampulária, bastante idosa, mostrando deformidades na sua concha devido a erosões e reparo. A área colorida na região posterior é devido à aplicação de esmalte de unha. Imagem cedida pela aquarista norte-americana Stephanie Maks.



Síndrome das Conchas Finas

 

Com a popularização da criação de Pomacea diffusa como espécie ornamental, começaram a surgir relatos de linhagens de caramujos que nasciam com a concha muito fina e quebradiça, independente de condições ambientais, e morriam precocemente. Foi batizada de Síndrome das Conchas Finas (TSS - Thin Shell Syndrome). Não há causa bem definida, mas parece ser uma condição genética, e hereditária. Infelizmente não há tratamento. Muitos atribuem a uma degeneração genética decorrente de um excesso de cruzamentos consanguíneos, são mais comuns em caramujos de cores mais raras (púrpura e vermelho), e há associação com outras doenças genéticas, como tumores internos calcificados. 



Pomacea diffusa com a concha bastante fina, provável Síndrome da Concha Fina. O caramujo morreu poucos dias após as fotos. Imagens gentilmente cedidas por Arthur Belver.





Para a terceira página do artigo, com Bibliografia, créditos fotográficos e agradecimentos, clique aqui

VEJA TAMBÉM
   
Diferenciando Pitus e Camarões-Fantasma
Diferenciando Pitus e Camarões-Fantasma: M...
Saiba mais
   
Eclodindo ovos de camarão artificialmente
Ryan Wood - Eclosão de ovos retirados de c...
Saiba mais
   
Doenças de Ampulárias - Tecidos Moles
Artigo abordando as principais doenças que...
Saiba mais
   
Identificando o “Mosquito da Dengue”
Culex x Aedes aegypti x Aedes albopictus
Saiba mais
   
Experimentos de Dissolução de Conchas
Algumas experiências para avaliar a compos...
Saiba mais
   
Bivalves em aquários – experiências e artigos
Comentários sobre alguns interessantes art...
Saiba mais
   
- Lista de Églas brasileiros
Lista de "Aegla" brasileiros
Saiba mais
   
- Lista de "Pomacea" que ocorrem no Brasil
Lista de "Pomacea" brasileiros
Saiba mais
   
Meus camarões vão se hibridizar?
Ryan Wood - Tabela de compatibilidade de c...
Saiba mais
   
Dicas na Alimentação das Ampulárias
S. Ghesquiere, W. Ishikawa e C. Moreira
Saiba mais
   
Algas Coralinas de Água Doce
Uma interessante descoberta de 2016, em um...
Saiba mais
   
Coloridos natural ou artificialmente?
Bill Southern - Um experimento se os camar...
Saiba mais
 
« Voltar  
 

Planeta Invertebrados Brasil - © 2024 Todos os direitos reservados

Desenvolvimento de sites: GV8 SITES & SISTEMAS