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Camarão semi-terrestre  
Artigo publicado em 16/02/2013  


Merguia rhizophorae caminhando em um manguezal, fotografado no Ceará. Imagem gentilmente cedida por Arthur Anker.


Camarão semi-terrestre do mangue – Merguia rhizophorae

 

Nome em português: Camarão semi-terrestre do mangue
Nome em inglês: Semi-terrestrial mangrove shrimp
Nome científico: Merguia rhizophorae (Rathbun, 1900)

Origem: Costa atlântica tropical das Américas.

Tamanho: até 2,1 cm
Temperatura: 21-29° C
Salinidade: alta
Reprodução
: larvas marinhas
Comportamento: pacífico

Dificuldade: fácil

 

 

Apresentação

Camarões são animais aquáticos, toda sua anatomia é adaptada para seu modo de vida submerso. Suas pernas ambulatórias são frágeis, e o abdômen é bem desenvolvido e muscular. Termina em um leque caudal, que, juntamente com os cinco pares de pereiópodes têm papel de propulsores na coluna d’água.

Comparado a outros crustáceos decápodes (como caranguejos, paguros, lagostas e lagostins), camarões são organismos que menos frequentemente utilizam habitats bentônicos. Desta forma, foi uma grande surpresa quando o Dr. Abele descreveu em uma carta à revista Nature (Abele 1970) hábitos semi-terrestres de uma espécie brasileira de camarão, Merguia rhizophorae (Rathbun, 1900). Dentre as mais de 3000 espécies de camarões carídeos conhecidos atualmente no mundo, somente as duas espécies do gênero Merguia são semi-terrestres. A segunda espécie é o Merguia oligodon (de Man, 1888), encontrada nas regiões tropicais da Ásia, África e Oceania.

Camarões do gênero Merguia pertencem à família Hippolytidae, a mesma família que engloba o camarão-bailarino (“peppermint shrimp”, por exemplo, o Lysmata wurdemanni) e os camarões-limpadores (como o Lysmata amboinensis). Camarões deste grupo exibem uma ampla variedade de modos de vida e padrões sócio-ecológicos, alguns são bastante populares em aquários marinhos.

 

            Etimologia: O nome Merguia vem do nome da ilha Mergui, em Myanmar, onde foi coletado o primeiro exemplar do gênero. E rhizophorae vem de Rhizophora, o principal gênero de árvores que compõe manguezais, onde estes camarões são encontrados.



Distribuição geográfica de Merguia rhizophorae. Imagem original Google Maps; dados das fontes bibliográficas abaixo.



Origem e habitat


O Merguia rhizophorae é encontrada no litoral atlântico tropical, principalmente na face ocidental. Sua ocorrência é registrada na Flórida, Panamá, Suriname e Norte/Nordeste do Brasil (Piauí a Alagoas). Há registros da sua ocorrência também na costa atlântica africana, no Delta do Níger (Nigéria). Entretanto, este registro pode também representar uma terceira espécie do gênero, ainda desconhecida para a ciência.

Habitam principalmente estuários e manguezais na região entre-marés, em locais expostos diretamente à ação das marés, onde a salinidade é alta, praticamente água salgada (35%o). Permanecem abrigados durante o dia, sobre os troncos e raízes de árvores manglares, e no interior de troncos em decomposição, saem à noite para se alimentar.

Merguia rhizophorae entra na água raramente, passando boa parte da sua vida em locais emersos porém úmidos. Eles podem eventualmente mergulhar em águas rasas junto aos troncos onde habitam. À noite, durante a baixa-mar, estes camarões podem ser vistos fora da água, em locais descobertos, caminhando sobre troncos caídos e raízes de árvores do mangue, cerca de 30 a 50 cm acima do solo, sendo encontrados a até 1 metro acima da linha da maré.

 


Aparência

 

Seu aspecto é muito semelhante ao dos demais camarões, com o corpo cilíndrico, abdômen longo e muscular, longas antenas. Não há adaptações externas evidentes ao seu modo de vida semi-terrestre, exceto por sutis modificações no seu telson que são utilizadas para saltar quando estão fora da água.

Possuem olhos relativamente grandes, maiores do que em outras espécies de camarões. O diâmetro da córnea atinge quase ¼ do comprimento da carapaça. Estes olhos são aparentemente adaptados à visão noturna, com uma camada reflexiva bem evidente. Explorar manguezais habitados por estes animais à noite é uma experiência interessantíssima, seus grandes olhos refletem a luz das lanternas parecendo pequenas lâmpadas quando vistas à distância.

O rostro é curto e pouco armado, com dois dentes dorsais. O primeiro par de pernas é adaptado na forma de garras (quelas), mas são pequenas e delicadas. O segundo par é longo e fino, não tem função locomotora, possivelmente funciona como pequenos manipuladores, e pode funcionar também como um órgão explorador tátil. O terceiro, quarto e quinto par têm aspecto usual, e são usadas para caminhar. O terceiro par de maxilípodos é bastante desenvolvido, longo e com espinhos, é maior do que o primeiro par de pernas. Estes maxilípodos parecem ter uma função auxiliar na locomoção. Entretanto, talvez possam ser usadas para combates, como já descrito para outras espécies carídeas.

Sua coloração de base é marrom escuro, salpicado com finas manchas amarelas. Estes camarões possuem uma bela padronagem com manchas e barras transversais de variadas larguras de cor amarelo-vivo. Estas marcas podem ser margeadas por uma borda mais escura. Existe um morfotipo menos numeroso sem a padronagem, com o corpo todo escuro, quase negro.

 


Merguia rhizophorae, animal do arquipélago Bocas del Toro, Panamá, imagem gentilmente cedida por Antonio Baeza.


Dimorfismo Sexual

 

Anatomicamente, a diferenciação é bastante difícil, exceto pela presença de ovos nas fêmeas. As fêmeas possuem pleuras abdominais bem desenvolvidas, formando uma câmara de incubação. Também podem ser diferenciados pela presença ou ausência dos órgãos sexuais primários (como o apêndice masculino), mas isto é bem difícil de ser analisado em animais vivos.

Assim como muitos outros camarões Hipolitídeos, o Merguia rhizophorae é uma espécie hermafrodita, com um padrão protrândrico. Nos indivíduos juvenis inicialmente há maturação em machos, e mais tarde, após uma breve fase transicional que pode durar somente um período intermuda, todo indivíduo da população invariavelmente se diferencia em fêmeas. Desta forma, há uma tendência de se encontrarem camarões macho entre os indivíduos de menor tamanho, e camarões fêmea entre os maiores na população.

 

Reprodução

 

Sua reprodução ainda não foi totalmente documentada em cativeiro. Até o momento, só foi possível a criação de larvas até fase zoea V, eclosão e desenvolvimento das larvas em água do mar (salinidade de 35%o), alimentadas somente com náuplios de Artemia. Possuem ovos grandes e pouco numerosos, medindo cerca de 0,9 mm. Este achado sugere que o desenvolvimento embrionário seja ao menos parcialmente abreviada.

As larvas zoea I nascem com cerca de 0.5 mm. Desde esta fase já possuem olhos enormes, sésseis, ocupando toda a metade anterior do cefalotórax. Porém, a partir da fase zoea II, passam a apresentar pedúnculos oculares bastante longos e móveis. Larvas carídeas com estas (e algumas outras) características são chamadas genericamente de “gênero larval Eretmocaris”.

 

Comportamento

 

O Merguia rhizophorae é uma espécie gregária. Estes camarões vivem em aglomerações e/ou pequenos grupos. Na presença do perigo, inicialmente ficam imóveis, um comportamento que os faz se camuflarem com o substrato adjacente. Se um potencial predador se aproxima muito, saltam agilmente de um tronco a outro usando sua cauda muscular. Este comportamento pode se repetir incessantemente por até 4 minutos. É interessante que toda vez que eles saltam, eles sempre caem no solo em pé, apoiado nas suas pernas!

Em solo seco, caminham de forma semelhante a um inseto, usando os três últimos pares de pernas. O abdômen auxilia também, dando apoio ao corpo, eles mantém o abdômen em discreta flexão, de forma que a extremidade do telson fica em contato com o solo. Usam também o terceiro par de maxilípodos para caminhar. Estes maxilípodos, que são bastante longos e com espinhos na extremidade distal, são estendidas adiante, apoiadas no solo e contraídas, para puxar seu corpo quando caminham, especialmente quando escalam troncos e raízes. 

A outra espécie de Merguia (M. oligodon) tem uma relação comensal com o caranguejo Neosarmatium smithi, um sesarmídeo bem próximo do Sesarma rectum brasileiro. O M. oligodon co-habita suas tocas, se alimentando de suas fezes.

 

Alimentação

 

Estes animais são onívoros oportunistas tendendo ao herbivorismo, sua dieta principal consiste de detritos e algas que crescem sobre troncos e raízes do mangue.

 

Manutenção em Aquaterrários

 

Há muita pouca experiência na manutenção destes animais em cativeiro. Não é uma espécie que é encontrada à venda em lojas de aquarismo. O pouco que se sabe das suas necessidades é baseado em trabalhos científicos onde camarões foram criados por períodos relativamente curtos fora do seu ambiente natural. Nestes casos, os camarões foram criados em aquários, submersos em água marinha (35%o de salinidade).

Entretanto, sabe-se que esta é uma espécie semi-terrestre de camarão. Assim, um aquaterrário com uma porção aquática e uma área seca deve ser o ideal para sua manutenção a longo prazo. Considerando o comportamento destes camarões na natureza, idealmente o tanque deve ter uma área “entre-marés”. Embora tenha sido possível a criação em laboratórios de forma submersa e em água marinha, até por períodos prolongados, provavelmente a condição ideal para seu desenvolvimento seja a criação em água salobra, mas o valor ideal de salinidade é desconhecido.

Finalmente, pelo seu hábito de escalar objetos, é aconselhável que haja pedras, troncos e outros objetos no terrário. São exímios saltadores, o tanque deve ser sempre mantido bem tampado, para evitar fugas.

 

 

Bibliografia:

  • Abele LG. Semi-terrestrial Shrimp (Merguia rhizophorae). Nature, Volume 226, Issue 5246, pp. 661-662 (1970).
  • Gillikin DP, De Grave S, Tack JF. The Occurrence of the Semi-Terrestrial Shrimp Merguia oligodon (De Man, 1888) in Neosarmatium smithi H. Milne Edwards, 1853 Burrows in Kenyan Mangroves. Crustaceana. Vol. 74, No. 5 (May, 2001), pp. 505-507.
  • Gilchrist SL, Scotto LE, Gore RH. Early Zoeal Stages of the Semiterrestrial Shrimp Merguia rhizophorae (Rathbun, 1900) Cultured under Laboratory Conditions (Decapoda Natantia, Hippolytidae) with a Discussion of Characters in the Larval Genus eretmocaris. Crustaceana, Vol. 45, No. 3 (Nov., 1983), pp. 238-259.
  • Baeza JA. Observations on the sexual system and the natural history of the semi-terrestrial shrimp Merguia rhizophorae (Rathbun, 1900). Invertebrate Biology, Volume 129, Issue 3, pp 266-276, Summer 2010.
  • Bruce AJ. The occurrence of the semi-terrestrial shrimps Merguia oligodon (De Man 1888) and M. rhizophorae (Rathbun 1900) (Crustacea Decapoda Hippolytidae) in África. Tropical Zoology, Volume 6, Issue 1, 1993, pp 179-187.
  • Almeida AO, Coelho PA, Santos JTA, Ferraz NR. Crustáceos decápodos estuarinos de Ilhéus, Bahia, Brasil. Biota Neotrop. May/Aug 2006 vol. 6, no. 2.

 

Artigo escrito por Antonio Baeza e Walther Ishikawa


Este artigo foi escrito em co-autoria com o zoólogo Dr. Antonio Baeza (Instituto Smithsoniano Flórida, EUA / Ancón, Panamá, e Universidad Católica del Norte, Coquimbo, Chile), pesquisador desta espécie, ao qual somos extremamente gratos. A seção de crustáceos do álbum Flickr do Dr. Baeza é realmente impressionante, visite  aqui . Agradecemos também ao zoólogo Dr. Arthur Anker (Universidade Federal do Ceará, Fortaleza) pela cessão da foto para o artigo.

 
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