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"M. amazonicum" (costal)  
Artigo publicado em 10/01/2012, última edição em 13/03/2023  

Macrobrachium amazonicum, forma costal



 

Nome em português: Camarão-cascudo, Camarão-da-amazônia
Nome em inglês: Amazon River Prawn
Nome científico: Macrobrachium amazonicum (Heller, 1862) - Clado III

Origem: América do Sul, costal (vide texto)
Tamanho: machos adultos chegam a 16 cm
Temperatura da água: 20-28° C
pH: 6.5-7.8
Dureza: indiferente

Reprodução: primitiva, necessita de água salobra para as larvas
Comportamento: agressivo
Dificuldade: fácil

 

 

Apresentação

            O Camarão-da-amazônia é uma espécie sul-americana com ampla distribuição, é a espécie nacional de camarão dulcícola mais bem estudada, devido à sua importância econômica em carcinicultura e pesca artesanal. Existe um grande projeto de cultivo sustentável desta espécie, coordenado pelo Centro de Aqüicultura da UNESP, envolvendo diversas instituições nacionais e estrangeiras.

            É uma espécie bem interessante, com uma grande variabilidade de morfologia e comportamento, podendo ser dividida em duas populações principais: costeira (Clado III) e continental (Clado I e II), foi proposto que o Clado II na realidade corresponde a uma outra espécie, Macrobrachium pantanalense. Dependendo da população, pode ser incluído tanto no grupo dos “Fantasmas” (camarões pequenos e pacíficos) quanto dos “Pitus” (camarões grandes e agressivos). Aqui abordaremos as características dos espécimes de populações costais, que são aquelas utilizadas em carcinicultura. O artigo sobre as formas continentais pode ser visto  aqui .      

     

            Etimologia: Macrobrachium vem do grego makros (longo, grande) e brakhion (braço); amazonicum significa originário da Amazônia.

 


Origem

            Este camarão é encontrado em praticamente toda a região tropical e subtropical da América do Sul, em todos os países exceto Chile. Vive em variados ambientes, desde lagos e represas até várzeas e rios com correnteza. Podem ser coletados em águas extremamente ácidas da floresta amazônica (pH 5,0) até lagoas alcalinas no nordeste (pH 9,9). Podem ser vistos ainda em águas salobras, em desembocaduras de rios. Não são muito tolerantes à baixa temperatura, não sendo coletados em locais de clima frio (menor que 20°C).

            Análises genéticas recentes (gene mitocondrial COI e o gene 16S) confirmam a origem monofilética da espécie, e dividem esta espécie em três clados: Clado I - da Região Amazônica Continental, Clado II - das Bacias Paraná/Paraguai (Macrobrachium pantanalense), e Clado III - da Região Amazônica Costal. O Clado I é um clado irmão do grupo formado pelos II e III, que são irmãos entre si.

            A distribuição natural presumida da espécie são as Bacias do Orinoco, Amazonas e Paraguai/baixo Paraná. Todas as demais (nordeste, sudeste e alto Paraná) são não-naturais, prováveis introduções humanas, ou acidentais, ou para aquicultura. No Nordeste, foram introduzidas  na década de 40, pelo DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) como alimento para peixes carnívoros.


 










Macrobrachium amazonicum, forma costal fotografada no Rio Coaçu, Fortaleza, CE. Closes do rostro nas últimas imagens. Fotos de Walther Ishikawa.



Aparência

            Possui um aspecto bem semelhante aos demais camarões de água doce, a distinção de outros palaemonídeos não é fácil. Um sinal que ajuda bastante é o aspecto do seu rostro, longo e com extremidade curvada para cima. Outro é o aspecto dos ovos, pequenos e numerosos, por ter reprodução primitiva. Outros detalhes importantes para a correta identificação são o padrão de espinhos na carapaça, o telso com extremidade pontiaguda nos adultos, a pleura do quinto segmento abdominal, e a proporção dos segmentos do quelípodo.

Camarões menores são transparentes, e os maiores são mais escuros, em tons de cinza, canela ou esverdeado. Machos atingem 16 cm e as fêmeas 14 cm. Fêmeas atingem a maturidade precocemente, a partir de cerca de 3 cm.

            Assim como alguns outros Macrobrachium, o amazonicum apresenta diferentes morfotipos, ou seja, subtipos morfológicos dentro da mesma espécie. Existem quatro grupos morfológicos possíveis de machos adultos, denominados TC (“Translucent Claw”), CC (“Cinnamon Claw”), GC1 (“Green Claw 1”) e GC2 (“Green Claw 2”). Num extremo, existe o TC, um tipo pequeno e translúcido, com garras pequenas, muito parecido com o “fantasma” M. jelskii. No outro extremo, o GC2, um camarão maior e mais robusto, de cor mais escura e grandes garras, parecido com outros Macrobrachium “pitus”. Ou seja, de forma surpreendente, este camarão pode ser tanto um “fantasma” quanto um “pitu”, dependendo do morfotipo.

Uma mesma ninhada pode ter exemplares dos quatro morfotipos, mas algumas populações continentais de camarões só são compostas de TC e CC. Ou seja, os quatro possíveis morfotipos é uma característica da espécie, mas o desenvolvimento destas formas (ou a falta de desenvolvimento) é dependente da população.

Isto explica um aparente paradoxo, que é o uso desta espécie de camarões tanto como espécie ornamental quanto em criações para consumo humano. Populações continentais desta espécie são vendidas no comércio de peixes ornamentais como “camarão-fantasma”, pequenos e pacíficos camarões transparentes que podem ser criados em tanques comunitários, passíveis de serem mantidos com peixes pequenos, sem bagunçar o layout ou destruir plantas. Mas também animais costais são extensamente criadas em fazendas de carcinicultura (especialmente nas regiões Norte e Nordeste), com grandes camarões de até 16 cm usadas na alimentação humana. 

Em relação à sua identificação, morfotipos menores são frequentemente confundidos com o M. jelskii, espécie que tem o agravante de ter uma distribuição geográfica bastante semelhante. Seu aspecto é quase idêntico ao amazonicum, mas a distinção é fácil pelo aspecto dos ovos. Morfotipos maiores podem ser confundidos com o “Camarão da Malásia” (Macrobrachium rosenbergii), que, apesar de exótica, é o único dos “Pitús” que tem o rostro tão longo, apesar de a sua coloração ser distinta.

Rostro: Longo e delgado, curvado para cima. Margem superior com 8~12 dentes, os 7 proximais aproximados formando uma crista basal, os últimos dentes largamente espaçados, o primeiro dente atrás da órbita. Margem inferior com 8~10 dentes.

Quelípodos dos machos: Longos e finos, simétricos, com finos espinhos. Dedos 3/4 do comprimento da palma, mero 2/3 do comprimento do carpo. Carpo mais longo do que o própodo.


 

Na tabela abaixo, estão algumas diferenças entre com o M. pantanalense, mencionadas no artigo original de dos Santos e colaboradores.
 

 

M. amazonicum

M. pantanalense

Margem ventral do rostro

Pelo menos 8 dentes

5 a 9 dentes igualmente distribuídos

Escafocerito da antena

2,5x mais longo do que largo

3,5x mais longo do que largo

Quela do macho

Longo, carpo se estende além do escafocerito, dátilo e própodo coberto de espessa camada de pelos marrons, mero 2/3 do comprimento do carpo

Médio, carpo não alcança o final do escafocerito, dátilo e própodo glabros, mero 0,6x do comprimento do carpo

3º ao 5º pereiópodes do macho

Mero, carpo e própodo cobertos de espínulos curtos

Mero, carpo e própodo lisos

Telso

1,5x o comprimento do 6º segmento abdominal

1,2x o comprimento do 6º segmento abdominal

Dimorfismo sexual no tamanho

Fêmeas menores

Machos menores

Coloração

Manchas arredondadas azuladas nos urópodes

Sem as manchas


Um trabalho recente de 2020 (Marco-Herrero e colaboradores) encontrou diferenças conspícuas no desenvolvimento larval das duas espécies, especialmente na morfologia do quinto pereiópode, mas também no momento do surgimento do espinho antenal, número de estetascos antenulares, etc.




Macrobrachium amazonicum, fotografado na Reserva Natural Regional de Trésor, Roura, Guiana Francesa. Nesta foto são bem visíveis as manchas azuladas nos urópodes laterais. Foto cortesia de Johan Chevalier.





Parâmetros de Água

 

É uma espécie bastante tolerante quanto às condições da água, por ter uma distribuição geográfica bem ampla. Se desenvolve melhor entre 22 e 28°C, num pH de 6,5 a 7,8.

 


Dimorfismo Sexual

 

As fêmeas tendem a ser menores, com garras também menores. Possuem pleuras abdominais arqueadas e alongadas, formando uma câmara de incubação. Também podem ser diferenciados pela análise dos órgãos sexuais, mas isto é bem difícil em animais vivos.





Macrobrachium amazonicum, exemplo da forma costal da espécie. No detalhe, os quatro morfotipos. Imagem cedida pelo Prof. Dr. Wagner Cotroni Valenti (CAUNESP).




Reprodução

O camarão-da-amazônia é uma espécie com reprodução primitiva, gerando ovos pequenos em grande número, dos quais nascem formas planctônicas de nado livre. Animais de populações costeiras mostram alguma dependência de água salobra, o que não ocorre com aqueles continentais. Reproduz-se facilmente em cativeiro, mas a alimentação nas primeiras fases larvares pode ser bastante problemática.

Ao contrário de outros camarões, se reproduz continuamente ao longo do ano, apesar de apresentar um pico em épocas chuvosas. Em relação a outros camarões de reprodução primitiva mostra uma baixa fecundidade: uma fêmea em boas condições produz no máximo 6 a 7 mil ovos (somente como comparação, o “Pitu verdadeiro” M. carcinus produz 200 mil ovos). Isto é compensado pela sua reprodução contínua.

A fêmea passa por uma muda pré-acasalamento, e logo após o macho deposita seu espermatóforo. 20h após a ecdise, a fêmea libera os ovos, que são fertilizados e se alojam nos pleópodes.

São ovos pequenos (0,6 a 0,8 mm), e há uma mudança na coloração dos ovos ao longo do seu desenvolvimento: Ovos recém liberados são verde-escuros, se tornam verde-claros, então amarelo-escuros, amarelo-claros, e finalmente translúcidos antes da eclosão. O tempo de desenvolvimento embrionário é de 12 a 18 dias.

As larvas nascem como zoea de vida livre, com cerca de 3 mm, passando por cerca de nove estágios larvares. O desenvolvimento larval dura cerca de três semanas, e ocorre em água salobra, mas de baixa salinidade. A salinidade ideal é de cerca de 14%o, faixa onde o gasto energético para osmorregulação das larvas é menor. Porém, um desenvolvimento adequado é possível também em baixa salinidade, de até 1%o.

Na primeira fase larvar (Z I) não se alimentam, consumindo nutrientes de seu saco vitelínico. Os Z II também são lecitotróficos, porém facultativos. Passam por uma fase carnívora (Z III), se alimentando de zooplancton, que é onde reside a dificuldade na criação em aquários. Z III de populações costais sobrevivem muito tempo (até 2 semanas) sem alimentação, podendo raramente metamorfosear para Z IV. Em culturas comerciais, nesta fase são alimentadas com náuplios de Artemia. Vale o lembrete de que uma salinidade mais elevada é vantajosa em criações em cativeiro, porque aumenta o tempo de sobrevida dos náuplios. Mais adiante podem receber alimentos inertes ricos em proteína.

 


Macrobrachium amazonicum, exemplar de carcinicultura, mostrando uma fêmea com ovos. Imagem cedida pelo Prof. Dr. Wagner Cotroni Valenti (CAUNESP).

 


Zoea de Macrobrachium amazonicum, exemplar de carcinicultura. Imagem cedida pelo Prof. Dr. Wagner Cotroni Valenti (CAUNESP).

 

Tanques de criação do CAUNESP. Imagem cedida pelo Prof. Dr. Wagner Cotroni Valenti (CAUNESP).





Policultivo com lambaris, em Pirassununga, SP. Foto de Fábio Rosa Sussel (Instituto de Pesca).



Comportamento

 

A forma costal é agressiva, em especial os camarões maiores, porém em menor grau do que outros grandes Macrobrachium, este sendo um dos motivos do seu sucesso na criação em cativeiro.

Predam os peixes, principalmente durante a noite, quando estes dormem. Por outro lado, tornam-se vulneráveis após a ecdise, enquanto seu exoesqueleto ainda não está totalmente solidificado.

Os morfotipos maiores são mais agressivos, colônias costumam ter somente um indivíduo do morfotipo dominante GC2, que inibe o desenvolvimento de camarões machos menores para os morfotipos maiores.

Desta forma, no caso de GC2, idealmente recomenda-se a manutenção de um único animal adulto em um tanque dedicado. Fêmeas podem ser criadas em maior número.



Alimentação

 

Não são nada exigentes quanto à alimentação, comendo desde algas a restos de ração dos peixes. Alimentam-se de animais mortos, inclusive outros camarões.

 


 

Macrobrachium amazonicum, exemplar de carcinicultura sendo pesado. Imagem cedida pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS).

 

 

 

 

Bibliografia:

  • Melo GAS. Manual de Identificação dos Crustacea Decapoda de água doce do Brasil. São Paulo: Editora Loyola, 2003.
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  • McNamara JC, Moreira GS, Moreira PS. The effect of salinity on respiratory metabolism, survival and moulting in the first zoea of Macrobrachium amazonicum (Heller) (Crustacea, Palaemonidae). Hydrobiologia. Volume 101, Number 3, 239-242.
  • Vergamini FG. Análise comparativa entre populações costeiras e continentais do camarão Macrobrachium amazonicum (Heller, 1862) (Crustacea, Palaemonidae) por meio de dados morfológicos e moleculares. Dissertação (Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Ciências. Área de concentração: Biologia Comparada) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, 2009.
  • http://www.caunesp.unesp.br
  • http://www.dnocs.gov.br
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Agradecimentos ao Prof. Dr. Wagner Cotroni Valenti (CAUNESP), pela cessão das fotos e valiosas informações, ao DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), e também aos zoólogos Dr. Fábio Rosa Sussel ( Instituto de Pesca  ) e Dr. Johan Chevalier (Guiana Francesa) pela cessão das fotos para o artigo. 




 As fotografias de Walther Ishikawa estão licenciadas sob uma Licença Creative Commons. As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.

 
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