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"Atya scabra"  
Artigo publicado em 10/01/2012, última edição em 02/12/2023  

 


Nome em português: Camarão-filtrador, Camarão de Pedra, além de diversos nomes regionais (Guaricuru, Conca, Coruca, Cruca)
Nome em inglês: Camacuto Shrimp (Ekusa Shrimp para os espécimes africanos segundo a FAO)
Nome científico: Atya scabra (Leach, 1815)

Origem: Face atlântica da África, América Central e do Sul.
Tamanho: machos adultos chegam a 10 cm
Temperatura da água: 23-28° C
pH: 7,2-7.8

Dureza: média a dura
Reprodução
: primitiva, necessita de água salobra para as larvas

Comportamento: pacífico
Dificuldade: médio


 

 

Importante!!

 

            As duas espécies de camarões-filtradores nativos (Atya) eram espécies listadas como “vulneráveis” pela versão antiga do Livro Vermelho do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e IBAMA (2004). Em Dezembro de 2014 o MMA publicou uma nova Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção, nesta nova lista, o Atya scabra não consta como uma espécie ameaçada, mas é mencionada na categoria "quase-ameaçada" (categoria NT pelo IUCN).

           

            Desta forma, a rigor, sua coleta e manutenção em cativeiro passam a ser legalmente permitidas, mas sugerimos fortemente que não sejam feitas, dada que a espécie mostra sinais de risco, apesar de ainda não preencher critérios para ser considerada como ameaçada.



 


Apresentação

            Das onze espécies de Atya, duas ocorrem no Brasil, A. scabra e A. gabonensis. Estas duas também são as únicas ocorrendo no continente americano e africano, estudos moleculares recentes (2017 e 2021, usando marcadores nucleares e mitocondriais) confirmam tratar-se cada uma de espécies válidas, anfi-Atlânticas. Tradicionalmente este fato era considerada uma prova da separação dos continentes na era Mesozóica, mas cada vez mais aceita-se como mais provável que haja dispersão do estágio larval marinho entre os dois continentes. Porém, o trabalho de 2021 mostrou que a população do Golfo do México (onde foi inicialmente descrita a espécie) corresponde a uma linhagem separada. Muito provavelmente a espécie será renomeada em breve para Atya sulcatipes.

            Como curiosidade, essa camarão é a segunda espécie dulcícola cuja ocorrência no Brasil está formalmente registrada, a primeira é o Pitu (Macrobrachium carcinus, descrita na famosa carta de descobrimento de Pero Vaz de Caminha). Durante a ocupação holandesa do nordeste brasileiro, no governo de Maurício de Nassau, há duas descrições ilustradas desta espécie, no Theatrum Rerum Naturalium Brasiliae (Eckhout, entre 1637 e 1644) e no Historia Naturalis Brasiliae (Marcgrave, 1648).

Este animal tem importância econômica em algumas regiões do Brasil, em especial no Nordeste, fazendo parte da alimentação de populações ribeirinhas.

            Etimologia: Atya vem do nome do rei mitológico grego Atys; scabra vem do latim scaber (áspero).




 

Atya scabra, adulto, fotografado num riacho mexicano. Imagem gentilmente cedida por Melo Salazar.



Origem

            O Atya scabra ocorre na África e Américas (Central e Sul), predominando na face atlântica de ambos continentes, além de pequenos focos na face pacífica do Panamá e Costa Rica (provável introdução antrópica após a abertura do Canal). Na África pode ser encontrada desde a Libéria ao norte da Angola. Nas Américas, ocorre da Costa Rica e Jamaica ao sul do Brasil (Santa Catarina).

Vive em rios com rápida correnteza e alta concentração de oxigênio, substrato rochoso. Costumam ser encontrados em águas rasas, de não mais de um metro de profundidade.

Suas larvas têm parte do seu ciclo de vida em água salobra, desta forma ocorrem somente em rios conectados ao mar. Pelo mesmo motivo, não são comuns em locais muito afastados da costa. Mas já foram coletados em localidades até 100 km distantes do litoral, em altitudes de até 800 m.




 

Atya scabra, adulto. Foto de Rafael Senfft.

 

Atya scabra, juvenil. Foto de Cleidson Silva.



Pernas dianteiras de um Atya scabra, adaptadas como estruturas filradoras. Foto de André Albuquerque.




Aparência

 

São camarões grandes e robustos (machos atingem 10 cm, fêmeas 7 cm), corpo relativamente curto e volumoso se comparado com outros camarões, com cabeça desproporcionalmente pequena. Os dois primeiros pares de pernas são adaptados para filtrar a água e capturar alimentos em suspensão, com tufos de pêlos em forma de leque nas extremidades. As primeiras pernas ambulatórias são grossas e com espinhos curtos, para se ancorar firmemente ao substrato, por viverem em locais de forte correnteza.

Rostro bem curto. A carapaça possui os espinhos antenal e pterigostomal, este último bem desenvolvido, ao contrário do gabonensis.

            Pode ter uma cor de base tendendo para o verde ou o castanho-alaranjado. O dorso é mais escuro, e a cor vai clareando em direção à região ao ventre. Muitos espécimes têm uma listra alongada mediana na região dorsal, se estendendo por quase todo seu corpo, de cor creme-esverdeada. Mostra também três bandas escuras transversas, a primeira logo atrás da base do rostro, a segunda na transição entre a carapaça e o primeiro segmento abdominal, e a última na metade anterior do sexto segmento abdominal. Pode possuir bandas e marcações também nas pernas, tendendo a uma cor mais escura distalmente.

            A distinção de exemplares maiores com o Atya gabonensis geralmente é fácil, e baseada nos seguintes aspectos: Um padrão liso da carapaça, exceto em alguns exemplares maiores, onde pode ter um aspecto nodoso junto à cabeça. Numa visão ventral do abdômen, o tubérculo mediano do quinto somito é muito pequeno. Não tem bico ocelar. Seu telso é mais fino e alongado. Finalmente, pode ter pêlos curtos na carapaça, especialmente nas regiões laterais, achado mais evidente após a ecdise (esta é uma das poucas diferenças entre as populações africana e americana deste camarão).

            Em exemplares juvenis pode ser difícil esta distinção, inclusive pode haver confusão também com Potimirim se forem animais muito pequenos.

 




Juvenil com os braços filtradores abertos. Foto de Cleidson Silva.

 


Atya scabra, juvenil. Foto de Cleidson Silva.

 


Atya scabra, variantes de coloração. Fotos de Jovi Marcos.

 

Visão dorsal de um Atya scabra, exibindo a típica faixa longitudinal clara. Foto de Cleidson Silva.



Parâmetros de Água

 

Originam-se de rios e córregos com rápida correnteza, e alta concentração de oxigênio, demandando estas condições mesmo em aquários. Em tanques sem correnteza, irão procurar locais com maior movimentação de água, geralmente se alojando junto à saída de filtros.

É uma espécie relativamente sensível, demandando uma temperatura entre 23 e 28° C, num pH alcalino de 7,2 a 7,8. A dureza da água não é crítica, ao contrário do A. gabonensis. Como outros camarões, são bastante sensíveis a compostos nitrogenados, e metais pesados são mortais para estes animais.

 



Dimorfismo Sexual

 

Não é muito evidente, as fêmeas tendem a ser menores, e possuem pleuras abdominais arqueadas e alongadas, formando uma câmara de incubação. Também podem ser diferenciados pela análise dos órgãos sexuais, mas isto é bem difícil em animais vivos.




Reprodução


Assim como todos os outros Atya, o A. scabra é uma espécie com reprodução primitiva, gerando ovos pequenos e em grande número, dos quais nascem formas planctônicas de nado livre. As formas larvares dependem de água salobra para seu adequado desenvolvimento, o que limita bastante sua reprodução em cativeiro. O ajuste da salinidade é difícil, assim como a alimentação nas primeiras fases larvares.

Ao contrário de outros camarões, algumas evidências sugerem que a corte nos Atya envolve ferormônios, machos sendo atraídos à distância por sinais químicos, possivelmente uma adaptação ao seu ambiente de rápida correnteza. Parece haver também um importante componente visual, com um elaborado comportamento de cortejo do macho. A fêmea passa por uma muda pré-acasalamento, e logo após o macho deposita seu espermatóforo. Após a ecdise, a fêmea libera os ovos, que são fertilizados e se alojam nos pleópodes. Uma fêmea em boas condições produz cerca de 9 mil pequenos ovos, medindo cerca de 0,6 x 0,4 mm. Reproduz-se ao longo do ano, com picos em épocas mais quentes e chuvosas.

As larvas são liberadas, medindo cerca de 1,5~1,7 mm ao nascerem. Ainda durante a primeira fase de zoea são levadas pela correnteza até os estuários, e após cerca de uma semana chegam o seu destino, encontrando um ambiente favorável para seu desenvolvimento. Somente nos estuários realizam a muda para a segunda fase de zoea, não se alimentando por todo este período. Em laboratório, as larvas se desenvolveram em ambientes com salinidade constante de 18%o (somente como referência, a salinidade da água do mar é de 35%o), alimentadas somente com algas diatomáceas Tetraselmis a partir do segundo estágio. As larvas passam por 10 estágios até se tornarem pós-larvas (medem 4,8 mm), num período de cerca de 53 dias, quando iniciam a sua migração rio acima, chegam ao seu destino já adultas, e sexualmente maduras.

Sua longevidade é desconhecida, mas existem registros de animais mantidos em aquários por cerca de 2,5 anos. Uma espécie próxima, Atya lanipes tem uma longevidade estimada em 8 anos.

 


 




Ecdise de Atya scabra. Vídeo gentilmente cedido por Pedro Miguel Barreto Lira de Azevedo
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Comportamento

 

Pacíficos, não brigam com outros animais nem com camarões da mesma espécie. Tornam-se vulneráveis após a ecdise, quando podem ser atacados por animais mais agressivos. Alguns autores descrevem um comportamento gregário, especialmente em indivíduos jovens.

Hábitos noturnos, principalmente adultos. O aquário deve proporcionar esconderijos para que possam se esconder durante o dia. Podem cavar tocas rasas no substrato, geralmente sobre rochas. São “desengonçados”, podem arrancar plantas e desorganizar o layout do tanque.


 

Alimentação

 

Alimentação onívora e detritívora, filtrando material orgânico com suas patas adaptadas. Com movimentos contínuos de preensão, partículas em suspensão são coletadas, e levadas à boca.

Por este motivo, vive melhor em tanques antigos e bem maturados, com maior riqueza de microalgas e zooplâncton. Porém, sua dieta deve ser complementada com pequenos animais como Artêmias e Dáfnias, além de ração industrializada pulverizada.

 

 

 

 

 

Bibliografia:

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Agradecimentos especiais aos amigos Jovi Marcos, Pedro Miguel Barreto Lima de Azevedo e Melo Salazar (México) pela cessão das fotos para o artigo.

 
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