INÍCIO ARTIGOS ESPÉCIES GALERIA SOBRE EQUIPE PARCEIROS CONTATO
 
 
    Espécies
 
"M. amazonicum" (cont.)  
Artigo publicado em 10/01/2012, última edição em 14/07/2024  

Macrobrachium amazonicum, forma continental


Macrobrachium pantanalense



 

Nome em português: Camarão-fantasma, Camarão-sossego, Camarão-da-amazônia / Camarão-do-pantanal
Nome em inglês: Amazon River Prawn
Nome científico: Macrobrachium amazonicum (Heller, 1862) - Clado I, Macrobrachium pantanalense dos Santos, Hayd & Anger 2013 (antigo Clado II)

Origem: América do Sul, continental
Tamanho: até 8 cm (Clado I), e até 5 cm (Clado II, M. pantanalense)
Temperatura da água: 20-28° C
pH: 6.5-7.8
Dureza: indiferente

Reprodução: primitiva, em água doce
Comportamento: pacífico
Dificuldade: fácil

 

 

Apresentação

Macrobrachium amazonicum é uma espécie sul-americana com ampla distribuição, é a espécie nacional de camarão dulcícola mais bem estudada, devido à sua importância econômica em carcinicultura e pesca artesanal.

É uma espécie bem interessante, com uma grande variabilidade de morfologia e comportamento, podendo ser dividida em duas populações principais: costeira e continental. Dependendo da população, pode ser incluído tanto no grupo dos “Fantasmas” (camarões pequenos e pacíficos) quanto dos “Pitus” (camarões grandes e agressivos). Aqui abordaremos as características dos espécimes de populações continentais, que é uma das duas espécies mais comuns de “fantasmas” disponíveis no hobby. Recentemente foi proposto que parte destas populações continentais trata-se de uma outra espécie, Macrobrachium pantanalense. A ficha com informações da forma costal pode ser vista  aqui .


Etimologia: Macrobrachium vem do grego makros (longo, grande) e brakhion (braço); amazonicum significa originário da Amazônia; pantanalense significa habitante do Pantanal.

 







Macrobrachium amazonicum Clado II / pantanalense em aquário, animais coletados em Rubinéia, SP. Fotos de Juan Felipe Zulian Santos.




Origem

            Esta espécie de camarão é encontrado em praticamente toda a região tropical e subtropical da América do Sul, em todos os países exceto Chile. Vive em variados ambientes, desde lagos e represas até várzeas e rios com correnteza. Podem ser coletados em águas extremamente ácidas da floresta amazônica (pH 5,0) até lagoas alcalinas no nordeste (pH 9,9). Podem ser vistos ainda em águas salobras, em desembocaduras de rios. Não são muito tolerantes à baixa temperatura, não sendo coletados em locais de clima frio (menor que 20°C).

            Análises genéticas (gene mitocondrial COI e o gene 16S) confirmam a origem monofilética da espécie, e dividem esta espécie em três clados: Clado I - da Região Amazônica Continental, Clado II - das Bacias Paraná/Paraguai (M. pantanalense), e Clado III - da Região Amazônica Costal. O Clado I é um clado irmão do grupo formado pelos II e III, que são irmãos entre si.

            A distribuição natural presumida da espécie são as Bacias do Orinoco, Amazonas e Paraguai/baixo Paraná. Todas as demais (nordeste, sudeste e alto Paraná) são não-naturais, prováveis introduções humanas, ou acidentais, ou para aquicultura. Em São Paulo, as populações foram introduzidas entre 1966 e 1973 pela CESP, juntamente com o M. jelskii, quando criações de Corvina foram trazidas para o estado do nordeste. Outras introduções posteriores ocorreram quando peixes do Pantanal foram trazidos para pesqueiros do estado. A introdução no alto Paraná pode ter sido em decorrência da inundação das Cachoeiras do Guaíra, após a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipú, em 1982.
             Na Bacia Amazônica, populações reprodutivas são encontradas principalmente em habitats de "várzea", ambientes periodicamente inundados em sistemas de águas brancas, sendo raras ou ausentes em locais com águas claras ou pretas. Como veremos adiante, isto se deve a dois fatores: a riqueza de nutrientes permitindo seu desenvolvimento larval planctônico inicial, e a maior dureza, uma herança ancestral de sua reprodução em águas ricas em íons minerais dissolvidos. 




Macrobrachium amazonicum Clado I, fotografado em Santarém, PA. Foto cortesia de Nelson Wisnik.





Macrobrachium amazonicum Clado II / pantanalense fotografado na natureza, na represa de Vinhedo, SP. Foto de Walther Ishikawa.





Macrobrachium amazonicum Clado II / pantanalense macho juvenil. Foto de Walther Ishikawa.

 

Detalhes da carapaça, note o rostro típico. Foto de Walther Ishikawa.



Macrobrachium amazonicum Clado II / pantanalense, mostrando o aspecto do rostro, bem alongado e com extremidade curvada para cima. Foto de Felipe Aoki.


 

Aparência

            Exemplares do Clado II (Macrobrachium pantanalense) possuem um aspecto bem semelhante aos demais “fantasmas”, pequenos e transparentes, em especial, é praticamente idêntico ao M. jelskii, espécie que tem o agravante de apresentar uma distribuição geográfica muito semelhante, as duas espécies muitas vezes dividindo o mesmo habitat. A taxonomia do M. jelskii está sendo recentemente revisa, veja o artigo desta espécie  aqui . A distinção do jelskii é fácil pelo aspecto dos ovos, pequenos e numerosos, por ter reprodução primitiva. Também pode ser confundido com o Palaemon pandaliformis, que é outro “fantasma” de reprodução primitiva e rostro longo, e com formas juvenis do M. rosenbergii.

Exemplares M. amazonicum do Clado I são um pouco maiores, as fêmeas atingem até cerca de 8 cm. Assim como alguns outros Macrobrachium, o amazonicum apresenta diferentes morfotipos, ou seja, subtipos morfológicos dentro da mesma espécie, este assunto está mais bem discutido na ficha da forma costal da espécie. Via de regra, as populações continentais do Clado II são compostas somente de indivíduos TC, pequenos e translúcidos, com garras pequenas, muito parecido com o M. jelskii. Populações do Clado I podem apresentar também o CC, e raramente até os quatro morfotipos

Isto explica um aparente paradoxo, que é o uso desta espécie de camarões tanto como espécie ornamental quanto em criações para consumo humano. Populações continentais desta espécie são vendidas no comércio de peixes ornamentais como “camarão-fantasma”, pequenos e pacíficos camarões transparentes que podem ser criados em tanques comunitários, passíveis de serem mantidos com peixes pequenos, sem bagunçar o layout ou destruir plantas. Mas também animais costais são extensamente criadas em fazendas de carcinicultura (especialmente nas regiões Norte e Nordeste), com grandes camarões de até 16 cm usadas na alimentação humana.

Rostro: Longo e delgado, curvado para cima. Margem superior com 8~12 dentes, os 7 proximais aproximados formando uma crista basal, o primeiro dente atrás da órbita. Os últimos dentes são largamente espaçados, formando uma porção distal sem dentes superiores. Margem inferior com 5~7 dentes.

Quelípodos: Longos e finos, lisos e simétricos. Dedos 3/4 do comprimento da palma, mero 2/3 do comprimento do carpo. Carpo mais longo do que o própodo, e com alargamento distal gradual.

 


Parâmetros de Água

 

É uma espécie bastante tolerante quanto às condições da água, por ter uma distribuição geográfica bem ampla. Se desenvolve melhor entre 22 e 28°C, num pH de 6,5 a 7,8.

 


Dimorfismo Sexual

 

O dimorfismo é diferente das formas costeiras, com as fêmeas tendendo a atingir maiores dimensões. Estas possuem pleuras abdominais arqueadas e alongadas, formando uma câmara de incubação. Também podem ser diferenciados pela análise dos órgãos sexuais, mas isto é bem difícil em animais vivos.

Diferente da variedade costal, costuma haver um predomínio de indivíduos do sexo feminino nas populações, podendo chegar a 90%. 





Casal de Macrobrachium amazonicum Clado II / pantanalense, a fêmea à frente, maior e com as pleuras abdominais mais desenvolvidas. Foto de Felipe Aoki.




Macrobrachium amazonicum Clado II / pantanalense, fêmea ovada. Note o aspecto dos ovos, pequenos e numerosos, indicando reprodução primitiva. Foto de Felipe Aoki.




Reprodução


O camarão-da-amazônia é uma espécie com reprodução primitiva, gerando ovos pequenos em grande número, dos quais nascem formas planctônicas de nado livre. Apesar disto, sua forma continental tem todo seu ciclo de vida em água doce, não necessitando de água salobra. Juntamente com o controverso Macrobrachium denticulatum, é a única espécie continental de Macrobrachium com reprodução primitiva. Reproduz-se facilmente em aquários, mas a alimentação nas primeiras fases larvares pode ser bastante problemática.

Ao contrário de outros camarões, se reproduz continuamente ao longo do ano, apesar de apresentar um pico em épocas chuvosas. A fêmea passa por uma muda pré-acasalamento, e logo após o macho deposita seu espermatóforo. 20h após a ecdise, a fêmea libera os ovos, que são fertilizados e se alojam nos pleópodes. Acredita-se que populações continentais mostrem cópulas do tipo "promíscuo", com pouca interação pré-copulatória, e pouca interação agonista entre machos. Não há comportamento de guarda da fêmea durante a reprodução, ou hierarquia entre machos.

Animais de populações continentais têm ovos um pouco maiores e menos numerosos do que aqueles de populações costais, demonstrando uma maior adaptação à água doce. Há uma mudança na coloração dos ovos ao longo do seu desenvolvimento: Ovos recém liberados são verde-escuros, se tornam verde-claros, então amarelo-escuros, amarelo-claros, e finalmente translúcidos antes da eclosão. O tempo de desenvolvimento embrionário é de 12 a 18 dias.

As larvas nascem como zoea de vida livre, com cerca de 3 mm, passando por um número variável de estágios larvares, nove a doze estágios zoea (mais comumente nove) e um transicional pós-larval (pós-zoea). O desenvolvimento larval dura cerca de três semanas. Na primeira fase larvar (Z I) não se alimentam, consumindo nutrientes de seu saco vitelínico. Os Z II também são lecitotróficos, porém facultativos. Passam por uma fase carnívora (Z III), caçando zooplâncton, que é onde reside a dificuldade na criação em aquários. Estas larvas sobrevivem pouco tempo (1 semana) sem alimentação. Em culturas comerciais, nesta fase são alimentadas com náuplios de Artemia. Mais adiante podem receber alimentos inertes ricos em proteína.

Embora seja uma espécie continental, que não depende de água salobra para a reprodução, curiosamente, alguns trabalhos tem mostrado que o desenvolvimento das larvas é melhor em água salobra de baixa salinidade (Lopes 2013, usando M. pantanalense coletados no Pantanal), novamente reforçando a grande proximidade das espécies. A salinidade ideal foi de 6%o, onde a sobrevivência foi maior, e a metamorfose mais rápida.






Macrobrachium amazonicum Clado II / pantanalense, close dos ovos. Note que são pequenos e numerosos, indicando reprodução primitiva. Foto de Max Wagner.

 


Macrobrachium amazonicum Clado II / pantanalense, larva nascida em aquário (zoea I). Foto de Felipe Aoki.



Comportamento

 

É uma espécie ativa, se movimentando por todo o aquário, desde que não haja potenciais predadores. Bastante dóceis, podem ser mantidos com outros peixes de porte compatível, desde que estes sejam pacíficos. Há controvérsias em relação à manutenção no mesmo aquário com camarões-anões, especialmente exemplares maiores do Clado I. Não se aconselha a manutenção com pequenos caramujos ornamentais.

Não são animais muito longevos, em comparação com outros Macrobrachium nativos. A longevidade é estimada em pouco mais de um ano.



Alimentação

 

Não são nada exigentes quanto à alimentação, comendo desde algas a restos de ração dos peixes. Alimentam-se de animais mortos, inclusive outros camarões. São bastante úteis como faxineiros, coletando restos de alimentos em locais inacessíveis a outros animais.

 

 

 

Macrobrachium amazonicum Clado II / pantanalense juvenil. Foto de Walther Ishikawa.

 

 


Macrobrachium amazonicum Clado II / pantanalense, fêmea ovada. Foto de Felipe Aoki.

 



Macrobrachium pantanalense



            Em 2013 foi descrita uma nova espécie, Macrobrachium pantanalense dos Santos, Hayd & Anger 2013, a partir de populações do Clado II do Pantanal (na bacia do alto Paraguai) do M. amazonicum. A proposta foi baseada em análises somente morfológicas e de padrões reprodutivos, sem análises moleculares. Há diversos estudos moleculares mostrando que não há diferença genética significativa entre esta população e populações costais (Vergamini 2011, Weiss 2015), de somente 3% para 16S. Visto inicialmente com bastante relutância, cada vez mais surgem evidências suportando a validade desta como espécie distinta.     


            Numa análise genética feita por Vergamini 2011, descobriu-se que as populações introduzidas em São Paulo, nos municípios de Sertãozinho e Miguelópolis (todos com morfologia e padrão reprodutivo "continental") são descendentes de populações geneticamente idênticas àquelas de Santa Bárbara (PA) e Aquiraz (CE), ou seja, da forma "costal", mostrando a grande plasticidade ecológica deste camarão, e confirmando novamente a grande proximidade das espécies. Um outro trabalho (Pantaleão 2014) mostrou diferenças em duas populações vizinhas de Ibitinga (SP), uma fluvial e outra lacustre, pela primeira vez foram coletados camarões fluviais machos com todos os quatro morfotipos descritos para a forma "costal" do M. amazonicum, novamente sugerindo que se trata da mesma espécie sujeitas a influências ambientais.

Uma interessante evidência da plasticidade biológica do M. amazonicum foi observada no rio Tocantins, após a construção da barragem da hidrelétrica de Tucuruí (PA, 1984), que gerou uma fase inicial de mortalidade e escassez do camarão-da-amazônia na área. Esse isolamento restringiu a população a água doce, no entanto, em pouco tempo foi observada a recuperação da população do M. amazonicum evidenciando predominância de fêmeas na população, com reprodução contínua, menor porte e baixa fecundidade, ou seja, indivíduos com um padrão continental.

Por outro lado, em 2020 foi publicado um trabalho interessante de Nogueira e colaboradores, com uma forte evidência a favor de que trata-se realmente de duas espécies distintas. Foram realizadas tentativas de hibridização entre as duas espécies, com quase 130 exemplares, sem nenhum caso bem sucedido de hibridização. A grande crítica a este trabalho é que a população utilizada de M. amazonicum nestes experimentos era de uma população morfologicamente distinta do M. pantanalense, os machos dos primeiros tinham entre o dobro e o triplo das dimensões do segundo, o que poderia explicar a ausência de reprodução.

Trabalhos mais recente de 2020 (Marco-Herrero e colaboradores) e 2023 (Nogueira e colaboradores) encontraram diferenças conspícuas no desenvolvimento larval das duas espécies, no tempo, morfologia e dimensões das larvas. M. pantanalense mostra um desenvolvimento mias lento, especialmente nas primeiras fases, e larvas maiores. Há diferenças na morfologia e momento do surgimento do quinto perieiópode, no momento do surgimento do espinho antenal, número de estetascos antenulares, etc. Há ainda descrições de diferenças em características cinéticas de brânquias das duas espécies, em especial a enzima Na-K ATPase. 

Ainda, em 2023, em sua tese de doutorado e publicações subsequentes, Nogueira descreve pela primeira vez diferenças morfológicas conspícuas em adultos suportando a validade do M. pantanalense, listados adiante. O artigo original de 2013 já descrevia algumas diferenças, mas que posteriormente mostraram-se menos confiáveis. 


Alguns autores propõem uma mudança radical, ou seja, reclassificar toda população continental do Clado II como sendo M. pantanalense. Calixto-Cunha e colaboradores suportam esta decisão, após examinar geneticamente e morfologicamente diversas populações no Brasil, chegando à conclusão de que, por exemplo, os M. amazonicum do Rio Araguari (MG) e de Avaré (SP) deveriam ser classificados como M. pantanalense.





Na tabela abaixo, estão algumas diferenças entre com o M. pantanalense, mencionadas no artigo original de dos Santos e colaboradores (2013) e na revisão de Nogueira (2023).
 

 

M. amazonicum

M. pantanalense

Margem ventral do rostro

Pelo menos 8 dentes

5 a 9 dentes igualmente distribuídos

Escafocerito da antena

2,5x mais longo do que largo

3,5x mais longo do que largo

Quela do macho

Longo, carpo se estende além do escafocerito, dátilo e própodo coberto de espessa camada de pelos marrons, mero 2/3 do comprimento do carpo

Médio, carpo não alcança o final do escafocerito, dátilo e própodo glabros, mero 0,6x do comprimento do carpo

3º ao 5º pereiópodes do macho

Mero, carpo e própodo cobertos de espínulos curtos

Mero, carpo e própodo lisos

Telso

1,5x o comprimento do 6º segmento abdominal

1,2x o comprimento do 6º segmento abdominal

Dimorfismo sexual no tamanho

Fêmeas menores

Machos menores

Coloração

Manchas arredondadas azuladas nos urópodes

Sem as manchas

Índice rostral (distância da margem orbitária até o primeiro dente rostral ventral, em relação ao comprimento da carapaça)

0,36 + 0,04

(cerca de 1/3)


primeiro dente mais próximo

0,45 + 0,04 

(quase a metade)


primeiro dente mais afastado

Extremidade do telso

Mais fino, afilamento mais gradual

Mais largo e robusto, afilamento abrupto






 


Veja aqui a  Bibliografia . 


 

Agradecimentos aos amigos aquaristas Max Wagner e Juan Felipe Zulian Santose ao fotógrafo Nelson Wisnik (iNaturalist) pela cessão das fotos, e também ao Prof. Dr. Wagner Cotroni Valenti (CAUNESP), pelas valiosas informações.



 As fotografias de Felipe AokiWalther Ishikawa e Nelson Wisnik (iNaturalist) estão licenciadas sob uma Licença Creative Commons. As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.

 
« Voltar  
 

Planeta Invertebrados Brasil - © 2024 Todos os direitos reservados

Desenvolvimento de sites: GV8 SITES & SISTEMAS