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"Sylviocarcinus/Zilchiopsis"  
Artigo publicado em 06/05/2012, última edição em 04/02/2024  


Sylviocarcinus/Zilchiopsis

 

Nome em português: Caranguejo de água doce, Caranguejo de rio, Araruta.
Nome em inglês: -
Origem: América do Sul
Tamanho: carapaça com largura de até 6,0 cm
Temperatura: vide texto
pH: vide texto

Dureza: vide texto
Reprodução
: especializada, todo ciclo de vida em água doce
Comportamento: agressividade média
Dificuldade: fácil

 

 

Apresentação

 

Existem quatro espécies de caranguejos sul-americanos de água doce que são quase idênticos, de identificação praticamente impossível para um não-especialista. São eles:

  • Sylviocarcinus pictus (H. Milne-Edwards 1853)
  • Sylviocarcinus australis Magalhães & Türkay 1996
  • Zilchiopsis oronensis (Pretzmann 1968)
  • Zilchiopsis colastinensis (Pretzmann 1968)

 

São animais bastante comuns nas bacias continentais da América do Sul, cada um deles tendo uma distribuição geográfica específica, mas cujas áreas se sobrepõem. São pequenos caranguejos aquáticos, de hábitos noturnos, com uma bela padronagem de pequenas manchas avermelhadas.

Etimologia:

  • Sylvio tem etimologia incerta, ou é derivado de um nome próprio, de origem desconhecida, ou do latim silva (floresta); carcinus vem do grego karkinos (caranguejo).
  • Zilchiopsis é uma referência a outro gênero de caranguejo de água doce, Zilchia (Pseudothelphusidae), -opsis designa semelhança.
  • Pictus tem origem no latim, e significa “pintado”.
  • Australis vem do latim auster, significa com distribuição ao Sul.
  • Oronensis é uma menção ao Riacho del Oro, Chaco, Argentina, onde foi coletado o espécime-tipo.
  • Colastinensis é uma menção ao Río Colastiné, Santa Fe, Argentina.

 






Sylviocarcinus pictus, fotografado em Mine d´or Dorlin, Inini, em Maripassoula, Guiana Francesa. Fotos de Julien Bonnaud.



Origem

            Somadas, as quatro espécies têm uma ampla distribuição na América do Sul, desde a Bacia Amazônica até a do Paraguai/Baixo Paraná, como demonstrado no mapa.

            O Sylviocarcinus pictus é a espécie encontrada mais ao norte, até a pouco era considerada uma espécie confinada à Bacia Amazônica, e focos nas bacias costeiras do norte-nordeste. Ocorrem na Guiana, Guiana Francesa, Suriname, Colômbia, Peru, Bolívia e Brasil. Recentemente (2009) foi descrito na Argentina, Bacia do médio Paraná, ampliando sua distribuição, e sobrepondo-a com a das demais espécies. No Brasil, é encontrado nos estados do AP, RR, AM, PA, MA, PI e RO. No PA, são chamados localmente de "Araruta".

Como o nome já diz, o Sylviocarcinus australis tem uma ocorrência mais ao sul, sendo encontrado na Bacia do Rio Paraguai (Brasil e Paraguai), e áreas vizinhas da Bacia do Paraná na Argentina. No Brasil ocorre no Pantanal, nos estados do MT e MS.

O Zilchiopsis oronensis é tipicamente uma espécie tropical, ocorre na porção central e sul da Bacia Amazônica, e na bacia do Rio Paraguai, norte do Paraguai, Bolívia e Brasil, e também Argentina. Na Argentina, acreditava-se que era restrito somente à sua região norte, mas desde 2002 há registros desta espécie mais ao sul, sobrepondo-se com a distribuição do Z. colastinensis. No Brasil, é encontrado nos estados do AM, PA, MT e RO.

Até onde se sabe, o Zilchiopsis colastinensis é uma espécie de climas temperados, com área de ocorrência restrita à Argentina, onde é encontrado na região nordeste. Não é encontrado no Brasil.

Estes caranguejos habitam variados corpos d´água, mas são mais comuns em rios e riachos. Ocorrem também em terrenos que sofrem inundação periódica, como na região do Pantanal. Têm hábitos semi-aquáticos, adultos constroem tocas emersas junto às margens.

 


Distribuição geográfica das quatro espécies de Tricodactilídeos na América do Sul. Imagem original Google Maps; dados de Magalhães C 2003, Magalhães C et al. 1996, Collins PA et al. 2002 e 2009.





Sylviocarcinus pictus, fotografados no Rio Montsinnery, na Guiana Francesa. Fotos gentilmente cedidas por Gregory Quartarollo (Guyane Wild Fish Association).



Aparência

 

Cefalotórax de altura média, arredondado e convexo. Olhos pequenos, antenas curtas, margem frontal lisa e bilobada. Grandes quelípodos, assimétricos nos machos, pernas dispostas lateralmente. Carapaça lisa, com uma padronagem de pequenas pintas avermelhadas, ou manchas maiores de aspecto circular, como os de uma onça.

Dentro da família Trichodactylidae, os Sylviocarcinus e Zilchiopsis podem ser identificados baseados na forma do abdômen (fusão parcial dos somitos, III-VI), e a presença de 3 a 4 dentes na margem da carapaça, além do dente exorbital.

A identificação da espécie é muito difícil para o não-especialista, e somente possível em machos mortos, pela análise dos gonopódios. O gênero das fêmeas pode ser identificado baseado no espermatóforo. Citando dois trechos de um artigo de revisão do Dr. Célio Magalhães (1996):

 

“Ambas espécies são próximas, e indistinguíveis se não houver machos adultos disponíveis para análise.” (sobre as duas espécies de Sylviocarcinus)

 

“De fato, a morfologia externa não pode ser usada para se distinguir o Z. collastinensis, Z. oronensis, S. pictus e S. australis. Isto significa que, no presente momento, espécimes do sexo feminino não podem ser identificados além do seu gênero.”


Uma identificação presuntiva da espécie pode ser feita em algumas situações, baseada no local de coleta, em especial o Sylviocarcinus pictus, que ocorre numa extensa área ao norte do continente, onde não se sobrepõe com a ocorrência das outras três espécies. O mesmo vale para Zilchiopsis colastinensis, com uma pequena área na Argentina e Uruguai, sem sobreposição.  





Sylviocarcinus pictus, fotografado em um riacho nas Montanhas Kanuku, Guiana. Imagens gentilmente cedidas pelo Dr. Arthur Anker (UFC).




Provável Zilchiopsis colastinensis, coletado em Buenos Aires, Argentina. Fotos cedidas pela aquarista argentina Maria Romina Chirico.



Caranguejo de espécie desconhecida, fotografado no Rio da Prata, Bonito, MS. Foto cedida pela aquarista Raquel Toledo.



Parâmetros de Água

 

Por habitar uma extensa área geográfica, e bacias hidrográficas distintas, as condições físico-químicas dos seus locais de origem variam bastante. Além do clima e temperaturas distintas, a Bacia Amazônica tem águas ácidas e moles, rica em compostos orgânicos. As Bacias do Paraná e Paraguai têm água dura, com um pH próximo de neutro.

Entretanto, são espécies robustas, bastante tolerantes quanto às condições da água.

 



Caranguejo de espécie desconhecida, coletado em um afluente do Rio Paraná, na Argentina. Fotos cedidas por Pablo Daniel Lopez.


Dimorfismo Sexual

 

Como todo caranguejo, pode ser feita facilmente através da análise do abdômen, o macho possui abdômen estreito, e a fêmea, abdômen largo, onde fixa seus ovos. Os machos também têm maiores dimensões, garras mais desenvolvidas e assimétricas.







Provável Sylviocarcinus pictus, macho coletado no parque nacional Alto Purús, em Ucayali, Peru. Fotos de James Albert.


Reprodução

Vive em águas continentais, todo seu ciclo de vida se dá em água doce. Reprodução sazonal, pico reprodutivo nos meses mais quentes e chuvosos, geralmente de novembro a março.

A corte e cópula são curtas e agressivas, e submersas. O macho toma a iniciativa, e segura a fêmea com suas garras, a qual rebaixa seu pleon abdominal, os dois animais ficando ventre a ventre, com o macho em cima. Este abraço nupcial pode durar bastante tempo, de 5 a 16 horas. Terminada a transferência de sêmen, o macho rapidamente libera a fêmea. 

Logo antes da fêmea depositar os ovos no abdômen, esta abandona a água, a desova sendo via de regra emersa. Permanecem fora d´água por pelo menos algumas horas após a desova. Enquanto carregam os ovos, as fêmeas preferem ficar emersas (quase o dobro do tempo em relação à submersão), em algum local onde a água não cubra o abdômen, em geral entocadas em uma cova fechada de vegetação e barro. Produzem poucos ovos esféricos de grandes dimensões, medindo cerca de 2 mm. O número médio é de 200 ovos para S. australis e 1143 para Z. collastinensis. De forma semelhante a outros Tricodactilídeos, estes ovos não ficam fixos aos pleópodes abdominais, mas somente alojados em uma cavidade incubatória formada por uma depressão na face ventral da carapaça, e pelo abdômen alargado da fêmea. Desta forma, estes animais são bastante sensíveis a estresse nesta fase, abandonando os ovos em contato com alguma ameaça. Trabalhos mostram que somente o estresse da coleta e manipulação é o suficiente para fazê-las abandonar a prole. A simples imersão do animal pode levar a perda de alguns ovos. 

Apresentam desenvolvimento pós-embrionário direto, também chamado epimórfico, onde as fases larvais completam-se ainda dentro do ovo. Na eclosão são liberados indivíduos juvenis, já com características semelhantes ao adulto, medindo cerca de 3,5 mm (S. pictus). Por vários dias (cerca de 17 no S. pictus, 30 no Z. collastinensis), os jovens são protegidos e carregados pelas fêmeas sob o abdome, caracterizando cuidado parental estendido. Nesta fase, os filhotes se alojam na mesma cavidade onde se localizavam os ovos. Durante este período os pequenos caranguejos não realizam ecdises, abandonando a mãe somente após a primeira muda. A reserva de vitelo dura uma semana, e neste período eles não se alimentam. Diferente dos lagostins com cuidado parental, estes filhotes não têm nenhuma estrutura anatômica especializada para se fixarem no corpo da mãe. Mesmo após este período, os filhotes mostram comportamento gregário, escalando a carapaça da mãe por algumas semanas. Desde o momento que as crias nascem, as fêmeas permanecem sempre submersas. 

O tempo de incubação dos ovos é de 37 a 41 dias (Z. collastinensis). Os ovos mudam de cor, inicialmente são laranja-escuro, tornando-se depois laranja-claro, e depois amarelado-claro. Nesta fase final os caranguejos juvenis já são visíveis dentro do ovo, com seus grandes olhos escuros.

Estes caranguejos apresentam o que se chama de Desova Parcelada. Ou seja, os ovos são liberados de forma não-sincronizada, mais de uma vez durante o período reprodutivo, em parcelas (eclosão durando de 3 a 5 dias). Por este motivo, as fêmeas carregam ovos em diferentes estágios de desenvolvimento, juntamente com juvenis.



Provável Sylviocarcinus pictus, fêmea carregando filhotes, fotografado no Amapá. Foto de Flávio Mendes.

 






Caranguejos argentinos em um aquário. Nas últimas imagens, é visível o abdômen com os segmentos fundidos. Fotos cedidas por Nicolas N. Acosta.





Caranguejos amazônicos em um aquário, provável Sylviocarcinus pictus, coletado em um igarapé no Pará. A última imagem mostra as pintas na carapaça em close. Fotos cedidas por Higo Abe.


Comportamento

 

Embora sejam animais aquáticos, tem hábitos anfíbios, suportando algum tempo fora d´água, principalmente se houver umidade. Fugas são bastante frequentes, o aquário deverá ser sempre mantido bem tampado.

São relativamente agressivos, não sendo recomendada a sua manutenção com outros animais. Mesmo entre indivíduos da mesma espécie, pode haver predação de animais menores. Plantas tenras costumam ser devoradas também.

Adultos são escavadores, não são indicados para tanques com substrato fértil, ou com layout ornamental. Adultos têm hábitos noturnos, e costumam ficar entocados até anoitecer, jovens são mais ativos durante o dia.

Como os demais crustáceos, tornam-se vulneráveis após a ecdise, e podem ser predados por outros animais. Por este motivo, nesta época permanecem entocados, até a solidificação completa da carapaça.

 



Pequeno caranguejo juvenil de espécie desconhecida, coletado em Buenos Aires, Argentina. Fotos cedidas pela aquarista argentina Maria Romina Chirico.




Sylviocarcinus pictus, fotografados em Abaetetuba, Pará. Fotos gentilmente cedidas por Ademir Heleno A. Rocha.


Alimentação

 

São onívoros, com importante componente vegetal na dieta. Não são nada exigentes quanto à alimentação, comendo desde algas, animais mortos a ração dos peixes. Caçam pequenos invertebrados, e podem se alimentar também de plantas com folhas tenras.

 








Sylviocarcinus pictus, fotografados em Abaetetuba, Pará. Nas duas últimas imagens, sobre um Valdivia serrata. Fotos gentilmente cedidas por Ademir Heleno A. Rocha.

 

 

Bibliografia:

  • Magalhães C. Famílias Pseudothelphusidae e Trichodactylidae. In: Melo GAS. Manual de Identificação dos Crustacea Decapoda de água doce do Brasil. São Paulo: Editora Loyola, 2003.
  • Magalhães C, Türkay M. Taxonomy of the Neotropical freshwater crab family Trichodactylidae II. The genera Forsteria, Melocarcinus, Sylviocarcinus and Zilchiopsis (Crustacea: Decapoda: Trichodactylidae). Senckenbergiana Biologica, v.75, p. 97-130, 1996.
  • Rosa FR, Lopes IR, Sanches VQA, Rezende EK. Distribuição de caranguejos Trichodactylidae (Crustacea, Brachyura) em alagados do Pantanal Mato-Grossense (Brasil) e sua correlação com a proximidade do rio Cuiabá e cobertura vegetal. Pap. Avulsos Zool. (São Paulo). 2009; 49(24): 311-317.
  • Collins PA, Giri F, Williner V. Range extension for three species of South American freshwater crabs (Crustacea: Decapoda: Trichodactylidae). Zootaxa 1977, 2009: 49–54.
  • Collins PA, Williner V, Giri F. A new distribution record for Zilchiopsis oronensis (Pretzmann, 1968) (Decapoda, Trichodactylidae) in Argentina. Crustaceana, 2002. 75: 931–934.
  • Mansur CB, Hebling NJ. Análise comparativa entre a fecundidade de Dilocarcinus pagei Stimpson e Sylviocarcinus australis Magalhães & Turkay (Crustacea, Decapoda, Trichodactylidae) no Pantanal do Rio Paraguai, Porto Murtinho, Mato Grosso do Sul. Rev. Bras. Zool. 2002  Sep; 19(3): 797-805.
  • Greco LSL, Viau V, Lavolpe M, Bond-Buckup G, Rodriguez EM. Juvenile Hatching and Maternal Care in Aegla uruguayana (Anomura, Aeglidae). Journal of Crustacean Biology Vol. 24, No. 2 (May, 2004), pp. 309-313.
  • Sant’Anna B, Takahashi E, Hattori G. (2013) Parental care in the freshwater crab Sylviocarcinus pictus (Milne-Edwards, 1853). Open Journal of Ecology, 3, 161-163.
  • Andrade KSP, Araújo MSLC, Nunes JLS. Extension range of four species of freshwater crabs (Decapoda: Trichodactylidae) in the state of Maranhão, Northeastern Brazil. Nauplius. 2018; 26: e2018034.
  • Senkman LE. Biología reproductiva de cangrejos tricodactílidos del río Paraná Medio. Tesis de doctorado. Universidad Nacional de La Plata, Facultad de Ciencias Naturales y Museo, 2014.
  • Viana CRS, Oliveira Junior ES, Santos MF dos, Lázaro WL, Lizieri C, Muniz CC. Among macrophytes and microplastics: diet of Crustacea Decapoda Dilocarcinus pagei (Stimpson, 1861) and Trichodactylus petropolitanus (Göldi, 1886) in the Pantanal region of Cáceres - MT. RSD. 2023Feb.13;12(2):e29012240148.



Agradecimentos ao professor Ademir Heleno A. Rocha (veja seu blog  aqui ), aos zoólogos Flávio Mendes, Dr. Arthur Anker (Universidade Federal do Ceará, Fortaleza), Dr. James Albert (Departamento de Biologia, Universidade de Louisiana, Lafayette), Gregory Quartarollo ( Guyane Wild Fish Association ) e Julien Bonnaud (Guiana, visite sua galeria  aqui  ) pela cessão das fotos para o artigo. Agradecemos também aos colega aquaristas brasileiros Higo Abe e Raquel Toledo, e aos colegas aquaristas argentinos Maria Romina Chirico, Nicolas N. Acosta e Pablo Daniel Lopez pela cessão das fotos.
 
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