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"Aegla franca"  
Artigo publicado em 18/11/2013, última edição em 16/04/2023  



Égla – Aegla franca

 

Nome em português: Égla, Caranguejo de Rio, Tatuí de água doce
Nome em inglês: -
Nome científico: Aegla franca Schmitt, 1942

Origem: Brasil, fronteira entre SP e MG

Tamanho: carapaça com comprimento de até 2,4 cm
Temperatura: 18-22° C
pH: sem dados

Dureza: sem dados
Reprodução
: especializada, todo ciclo de vida em água doce
Comportamento: pacífico



 

 

Importante!!

  

O Aegla franca é uma espécie ameaçada, apesar de não constar no Livro Vermelho do MMA/IBAMA. Pesquisadores propõem que esta espécie de Aegla deva ser classificada como “Vulnerável”, ou até "Em perigo crítico".

Este Aegla possui um histórico bem interessante: Aegla franca foi originalmente descrita em 1942 a partir de exemplares capturados em 1910 em Franca (SP) por E. Garbe. Porém, esta espécie nunca mais foi avistada nesta localidade, possivelmente extinta devido à degradação ambiental ocorrida na região decorrente do grande desenvolvimento industrial e agrícola. Quase um século depois (2007), populações sobreviventes desta espécie foram redescobertas em seis riachos um pouco ao norte deste local.

Estima-se a população total desta espécie de Égla em 30.000 indivíduos adultos (2007), um valor acima do limite preconizado pela IUCN para ser classificado como “Vulnerável” (colocando-a desta forma na categoria “Quase Ameaçada” por este critério). Entretanto, outros parâmetros colocam-na em uma categoria mais alta de nível de ameaça: a área de ocorrência do A. franca é restrita a somente seis pequenos riachos não-conectados, ou seja, possui uma área de ocupação com um padrão distribucional fragmentado. A área total do Córrego Barro Preto é de aproximadamente 12.500 m2 (0,0125 km2). Mesmo se multiplicarmos este valor por seis (dos seis córregos), o valor permanece bem abaixo do limite estabelecido pela IUCN para ser classificado como “Vulnerável”, que é de 2000 km2.

Uma proposta de revisão do Livro Vermelho publicada em 2012 a classifica dentre as sete espécies brasileiras de Aegla na categoria CR (“Em perigo crítico”) - CR B2ab(iii).

            Desta forma, esta espécie não pode e não deve ser coletada na natureza, ou mantida em cativeiro.

            A ficha desta espécie consta nesta seção não como um “caresheet” para a sua criação em aquários, mas sim como um repositório de informações sobre esta espécie, tão rara e preciosa.

 
 

Apresentação

 

            Églas são crustáceos dulcícolas únicos, exercendo um grande fascínio tanto para zoólogos quanto para aquaristas amadores. Algumas espécies são criadas já há algum tempo nos nossos países vizinhos, relativamente populares como animais de aquário na Argentina, Chile e Uruguai. Alguns aquaristas do sul do Brasil também têm criado estes crustáceos com sucesso.

            Entretanto, os Églas têm algumas peculiaridades ecológicas que os tornam bem vulneráveis a perturbações ambientais, especialmente à degradação por ação humana. Vivem principalmente em rios límpidos, em áreas bem oxigenadas mais próximas às suas nascentes. Habitam nichos relativamente estáveis, não possuindo mecanismos de adaptação para mudanças repentinas no seu habitat. Possui reprodução abreviada, os filhotes não passam por uma fase larvar natante, desta forma possuindo uma capacidade de dispersão ambiental bastante limitada.

            Por tudo isto, os Églas têm um endemismo muito grande, com muitas espécies habitando áreas geográficas bastante restritas, algumas delas só sendo encontradas nas suas localidades-tipo. É o caso do Aegla franca, uma espécie encontrada somente em seis córregos não-conectados na fronteira entre os estados de SP e MG (entre Claraval e Franca).

            Apesar de serem muitas vezes referidos como “caranguejos”, na realidade estes crustáceos pertencem a outra infra-ordem, Anomura, a mesma dos caranguejos-ermitões. A família Aeglidae possui somente um gênero atual, Aegla, exclusivo de ambientes dulcícolas da região sul da América do Sul, com próximo de 60 espécies brasileiras descritas (muitas foram descritas bastante recentemente, veja a lista completa e atualizada de espécies  neste link ). São os únicos anomuros encontrados em água doce, exceto por uma única espécie de ermitão dulcícola de uma ilha do pacífico.

            Etimologia: Aegla vem da deusa mítica grega Aegle, uma das três Hespérides, donas do jardim dos pomos de ouro, situado no extremo ocidental do mundo. E franca tem origem na cidade de Franca (SP), onde o primeiro exemplar foi capturado em 1910.

 

Origem

 

            Églas são crustáceos com distribuição restrita à porção sul da América do Sul, vivendo em ambientes dulcícolas das regiões temperadas do continente. Vivem em riachos límpidos de leito rochoso, geralmente montanhosos, alguns também em lagoas e represas. Aegla franca é a espécie com uma distribuição mais ao norte de todas as espécies conhecidas do gênero.

            A área de ocorrência do A. franca é restrita a somente seis pequenos riachos não-conectados que drenam no sistema do Rio Canoas, localizado entre as cidades de Claraval (MG) e Franca (SP). O próprio Rio Canoas não contém Aeglas. E nos locais onde originalmente o espécime-tipo foi coletado (em Franca) também não são mais identificados Aeglas.

 


Distribuição geográfica de Aegla franca. Imagem original Google Maps; dados de Bueno SLS. 2007.


Aparência

 

Lembra bastante um caranguejo, com cefalotórax achatado, pernas dispostas lateralmente e primeiro par na forma de grandes garras (quelípodos). Entretanto, numa análise mais cuidadosa, destacam-se antenas finas e bastante longas, e abdômen relativamente desenvolvido, parecendo um lagostim com a cauda dobrada. O próprio cefalotórax é oval, novamente lembrando um lagostim achatado. Numa visão superior, só são visíveis três pares de pernas ambulatórias (ao invés dos quatro pares dos caranguejos), já que o último par é atrofiado, fica oculto sob o abdômen e não possui função locomotora.


  • Rostro é triangular, longo, fino e reto, carenado em todo seu comprimento, escavado lateralmente no terço intermediário
  • Espinho ântero-lateral da carapaça alcançando a metade da córnea
  • Lobos protogástricos muito elevados
  • Proeminências epigástricas não marcadas
  • Aréola retangular, longa e estreita
  • Ângulo látero-dorsal da segunda pleura com tubérculo
  • Crista palmar sub-retangular
  • Dedo móvel do quelípodo com lobo com tubérculo 
  • Margem interna da face ventral do ísquio possui dois espinhos, um distal, outro proximal, e entre eles tubérculos


 

Parâmetros de Água

 

No seu ambiente natural vivem em riachos com uma grande estabilidade de temperatura, que varia ao longo do ano de 18~22º C. Poucos dados existem sobre os demais parâmetros físico-químicos. Como outras Églas, demandam também alta taxa de oxigenação, e são bem sensíveis a compostos nitrogenados.

 

Aegla franca, fotografado em Claraval, MG. Imagens cortesia de Felipe C. Balbino Santos.



Dimorfismo Sexual

 

Bem demarcado, machos são maiores e possuem garras mais robustas e assimétricas (heteroquelia). Fêmeas possuem abdômen mais largo, e pleópodes mais desenvolvidos.



Reprodução

Tem ciclo anual, reproduzem-se somente uma vez ao ano. Sabe-se que o período reprodutivo dos Églas varia de acordo com a distribuição geográfica, sendo mais ampla quanto mais austral for a distribuição. O Aegla franca confirma esta regra, tendo uma distribuição mais setentrional, mostra um período reprodutivo curto, de somente 4 meses. Fêmeas ovígeras são encontradas de Maio a Agosto (outono-inverno), e após um período de incubação de cerca de 3 meses, de Agosto a Setembro são encontradas fêmeas pós-ovígeras carregando filhotes.

Outras variáveis ambientais parecem também influir no padrão reprodutivo, o Aegla franca vive em um habitat com uma variação maior de pluviosidade e menor de temperatura do que outras espécies, o que mostra correlação com ovos maiores e menos numerosos.

Produzem até 193 ovos por postura, são ovos elípticos de grandes dimensões (1,3 mm), apresentam desenvolvimento pós-embrionário direto, onde as fases larvais completam-se ainda dentro do ovo. Na eclosão são liberados indivíduos já com características semelhantes ao adulto. Os animais recém-nascidos são grandes, maiores do que outras espécies, medindo 1,8 mm.

Esta espécie de Aegla também mostra cuidado parental, os jovens são protegidos e carregados pelas fêmeas sob o abdome nos primeiros dias após a eclosão.

A longevidade é estimada em cerca de 28,4 meses.

 

 

Comportamento

 

Hábitos noturnos, passando o dia entocado, saindo somente à noite para se alimentar. Como os demais crustáceos, tornam-se vulneráveis após a ecdise, e podem ser predados por outros animais. Por este motivo, nesta época permanecem entocados, até a solidificação completa da carapaça.

 


Alimentação

 

Não é exigente quanto à alimentação, na natureza são onívoros, se alimentando de detritos e material orgânico em decomposição, vegetal e animal.


 

Bibliografia:

  • Bond-Buckup G. Família Aeglidae. In: Melo GAS. Manual de Identificação dos Crustacea Decapoda de água doce do Brasil. São Paulo: Editora Loyola, 2003.
  • Martin, J.W. & Abele, L.G. 1988. External morphology of the genus Aegla (Crustacea: Anomura: Aeglidae). Smithsonian Contributions to Zoology 453: 1-46.
  • Bond-Buckup G, Buckup L.1994. A família Aeglidae (Crustacea, Decapoda, Anomura). Arch. Zool., São Paulo, 2 (4): 159-346.
  • Tudge CC. Endemic and enigmatic: the reproductive biology of Aegla (Crustacea: Anomura: Aeglidae) with observations on sperm structure. Memoirs of Museum Victoria 60(1): 63–70 (2003).
  • Greco LSL, Viau V, Lavolpe M, Bond-Buckup G, Rodriguez EM. Juvenile Hatching and Maternal Care in Aegla uruguayana (Anomura, Aeglidae). Journal of Crustacean Biology Vol. 24, No. 2 (May, 2004), pp. 309-313.
  • Schmitt WL. 1942 The species of Aegla, endemic south american fresh-water crustaceans. Proc. U.S. natn. Mus., Washington, 91 (3132): 431-524.
  • Bueno SLS, Shimizu RM, Rocha SS. Estimating the Population Size of Aegla franca (Decapoda: Anomura: Aeglidae) by Mark-Recapture Technique from an Isolated Section of Barro Preto Stream, County of Claraval, State of Minas Gerais, Southeastern Brazil. Journal of Crustacean Biology Vol. 27, No. 4 (Nov., 2007), pp. 553-559.
  • Bueno SLS, Shimizu RM. Reproductive biology and functional maturity in females of Aegla franca (Decapoda: Anomura: Aeglidae). Journal of Crustacean Biology Vol. 28, No. 4 (2008), pp. 652-662.
  • Francisco DA, Bueno SLS, Kihara TC. Description of the first juvenile of Aegla franca Schmitt, 1942 (Crustacea, Decapoda, Aeglidae). Zootaxa 1509: 17–30 (2007).
  • Subirá RJ, Souza ECF, Guidorizzi CE, Almeida MP, Almeida JB, Martins DS. Avaliação Científica do Risco de Extinção da Fauna Brasileira – Resultados Alcançados em 2012. Biodiversidade Brasileira, 2(2), 17-24, 2012.
  • Santos S, Bond-Buckup G, Gonçalves AS, Bartholomei-Santos ML, Buckup L, Jara CG. Diversity and conservation status of Aegla spp. (Anomura, Aeglidae): an update. Nauplius. 2017; 25: e2017011.


Agradecimentos especiais ao Prof. Dr. Sergio Luiz de Siqueira Bueno (LEEUSP – Laboratório de Estudo dos Eglídeos da USP) e ao biólogo colaborador do iNaturalist Felipe C. Balbino Santos, pela cessão da foto para o artigo.


 As fotografias de Felipe C. Balbino Santos estão licenciadas sob uma Licença Creative Commons. As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.
 
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