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"Microthelphusa"  
Artigo publicado em 09/05/2021, última edição em 06/09/2023  


Caranguejo de Água Doce – Microthelphusa spp.

 

 

 

Nome em português: Caranguejo de água doce, Caranguejo de rio.
Nome em inglês: -
Nome científicoMicrothelphusa spp. Pretzmann, 1968

Origem: Norte da América do Sul
Tamanho: carapaça com largura de até 3,2 cm
Temperatura: ~18° C

pH: neutro

Dureza: mole
Reprodução
: especializada, todo ciclo de vida em água doce
Comportamento: agressivo
Dificuldade: fácil

 

 

Importante!!

 

            Os caranguejos Microthelphusa são encontrados em áreas bastante isoladas nos altiplanos do limite norte do país. Como veremos adiante, trata-se de espécies com elevado grau de endemismo, todas as espécies brasileiras são conhecidas somente da sua localidade-tipo. As duas espécies não são mencionadas na relação das espécies em risco de extinção publicado pelo Ministério do Meio Ambiente e IBAMA (2014). Embora a avaliação formal da Sociedade Brasileira de Carcinologia (2016) liste a única espécie avaliada (M. somanni) como “dados deficientes” (DD), muito provavelmente ambas devem receber no futuro uma classificação com um grau de ameaça mais elevado. Desta forma, embora permitidas por lei, sugerimos fortemente que não seja realizada a sua coleta ou manutenção em cativeiro.


 
 

Apresentação

 

Existem duas famílias de caranguejos de água doce no Brasil: Trichodactylidae e Pseudothelphusidae. O número total de pseudotelfusídeos existentes é maior (em torno de 300, contra cerca de 50 tricodactilídeos), mas no Brasil são bem mais raros, representados por atualmente 27 espécies. São caranguejos tipicamente encontrados em regiões montanhosas, sendo descritos do norte do México ao Brasil, bastante numerosos ao longo da cadeia montanhosa dos Andes. No Brasil, a família é representada exclusivamente pela tribo Kingsleyini.

Pseudotelfusídeos têm um alto grau de endemismo, ocorrendo em áreas geográficas pequenas com pouca sobreposição entre as espécies. Os Microthelphusa são pequenos caranguejos pertencentes a esta família, é o maior gênero dentro da tribo Kingsleyini atualmente com 20 espécies conhecidas, todas sul-americanas (Venezuela, Trinidad e Tobago, Guianas, Suriname e Brasil). É provável que o gênero seja revisto em um futuro próximo, dado que trabalhos recentes têm demonstrado parafiletismo. Somente duas ocorrem em território brasileiro, mas na listagem seguinte incluímos mais duas espécies encontradas na Venezuela, bem próximo à divisa com o Brasil, já que provavelmente sua área de ocorrência se estende ao nosso país. São eles:

 

Microthelphusa lipkei Magalhães, 2010 – Brasil (AM)

Microthelphusa somanni (Bott, 1967) – Brasil (AM)

 

Microthelphusa aracamuniensis Suárez, 2015 – Venezuela (estado Amazonas, junto à fronteira com o estado brasileiro AM)

Microthelphusa roraimaensis Suárez, 2015 – Venezuela (estado Bolívar, junto à fronteira com o estado brasileiro RR) 



            Etimologia: Microthelphusa faz menção às pequenas dimensões destes caranguejos, e ao antigo gênero de caranguejo de água doce do velho mundo Thelphusa, atualmente dividido em diversos outros gêneros. Em relação às duas espécies brasileiras, lipkei é uma homenagem ao eminente carcinólogo moderno holandês Prof. Lipke Bijdeley Holthuis, e somanni é provavelmente uma homenagem, ou uma referência ao gênero asiático Sommaniathelphusa, mas não há menção no artigo original de Bott.

 



 

 

Origem

            As espécies de Microthelphusa têm tipicamente um habitat em altiplanos (entre 500 e 2000m de altitude), encontrado no nordeste dos Andes, ao longo da cadeia montanhosa costal venezuelana, e frequente nos tepuis do Escudo das Guianas, localizados entre o Rio Orinoco ao Norte e Rio Negro ao Sul. Tepuis são montanhas sedimentares com o topo plano, lembrando gigantescas mesas, bastante características desta região. Estas formações geológicas criam ilhas de florestas isoladas, o que tende a aumentar ainda mais o endemismo destas espécies. Estes pequenos caranguejos habitam riachos límpidos e de águas frias nestes altiplanos. Mesmo a espécie insular encontrada em Trinidade habita altitudes elevadas (600-800m).

M. lipkei foi coletada no Igarapé do Anta, em elevação superior a 1000m na Serra do Aracá, Barcelos, AM. M. somanni é encontrado no Rio Marauiá, alto Rio Negro, Parque Nacional do Pico da Neblina, norte de AM próximo à fronteira venezuelana (há algumas menções de encontro no território venezuelano também). M. aracamuniensis foi coletado no tepui Cerro Aracamuni, estado venezuelano Amazonas, junto à fronteira com o estado brasileiro AM, a 1000~1500m de altitude. M. roraimaensis foi coletado no massivo Roraima-Kukenan, estado Bolívar, junto à fronteira com a Guiana e o estado brasileiro RR, numa altitude de 950m. Estas quatro espécies só são conhecidas nestas localidades-tipo, novamente demonstrando o elevadíssimo grau de endemismo dos Microthelphusa.

Há alguns curiosos relatos de prováveis caranguejos Microthelphusa habitando fitotelmata de grandes bromélias, em Trinidade e na Guiana (fotos). 

 

 

 

 

Distribuição geográfica dos caranguejos do gênero Microthelphusa que ocorrem no Brasil. Imagem original Google Maps; dados extraídos de Pedraza-Mendoza 2015, e demais referências abaixo.

 


 

Aparência

 

Semelhante aos demais caranguejos continentais, com cefalotórax de altura média, elipsóide, com a margem anterior mais larga. Olhos pequenos, antenas curtas. Grandes quelípodos, discretamente assimétricos. Pernas dispostas lateralmente.

Pseudotelfusídeos podem ser diferenciados dos tricodactilídeos por dois detalhes: dáctilos com espinhos (ao invés de pelos), e segundo maxilópode. Dentro da família, a identificação dos diferentes gêneros e espécies é bastante difícil, baseada essencialmente na morfologia do gonópodo (apêndice sexual masculino). Exemplares fêmeas e juvenis não podem ser identificados com segurança além do gênero. Isto explica a grande confusão existente entre as diversas espécies, espécies descritas sendo consideradas sinonímias, e espécies previamente consideradas não-válidas sendo re-validadas. Obviamente isto também torna a identificação destas espécies extremamente difícil para o leigo.

Não há nenhuma característica morfológica marcante nos Microthelphusa que permita diferenciá-los dos demais Pseudothelphusidae, exceto o pequeno tamanho. A larguras máxima da carapaça nas quatro espécies são:    

  • Microthelphusa lipkei – 2,6 cm
  • Microthelphusa somanni – 3,2 cm
  • Microthelphusa aracamuniensis – 3,7 cm
  • Microthelphusa roraimaensis – 2,1 cm

Os artigos científicos não descrevem detalhadamente a coloração destes caranguejos. Baseado nas fotos e em algumas descrições, parecem ser todos pequenos caranguejos de cor avermelhada ou castanho-alaranjada. Região dorsal da carapaça mais escura na porção central, com uma margem mais clara.

 

 


Microthelphusa roraimaensis, encontrado na divisa entre o Brasil e Venezuela. Imagem extraída de Suárez H. Anartia 2013 (Licença Creative Commons).





Parâmetros de Água

 

São espécies adaptadas a ambientes límpidos de elevada oxigenação. Apesar da localidade tropical, trata-se de riachos montanhosos com temperatura mais baixa. Só há informações objetivas dos parâmetros para Microthelphusa viloriai (Trujillo, Venezuela), com uma temperatura de 18º C e pH 7,1.

 

 

 

 

Dimorfismo Sexual

 

Como todo caranguejo, pode ser feita facilmente através da análise do abdômen, o macho possui abdômen estreito, e a fêmea, abdômen largo, onde fixa seus ovos.



Microthelphusa aracamuniensis, encontrado na divisa entre o Brasil e Venezuela. Imagem extraída de Suárez H. Anartia 2013 (Licença Creative Commons).

 




Reprodução

Todo seu ciclo de vida se dá em água doce. As informações sobre a reprodução dos pseudotelfusídeos é bastante escassa, existe uma única descrição em espécies do gênero Kingsleya.

O que se sabe é que o padrão é semelhante aos tricodactilídeos, com poucos ovos de grandes dimensões, apresentam desenvolvimento pós-embrionário direto, onde as fases larvais completam-se ainda dentro do ovo. Na eclosão são liberados indivíduos já com características semelhantes ao adulto. Muito provavelmente (assim como ocorre com os Kingsleya) há cuidado parental, os jovens são protegidos e carregados pelas fêmeas sob o abdome após o nascimento.

 

 

 

Comportamento

 


Os pseudotelfusídeos são caranguejos semi-terrestres, há relatos de grandes aglomerações noturnas de Microthelphusa junto à margem destes riachos. Não necessitam vir à superfície para respirar, mas preferem habitats onde possam encontrar terra firme para procurar alimentos e construir suas tocas. Relatos de criação em cativeiro destes caranguejos são quase inexistentes, toleram a manutenção submersa em aquários, mas possivelmente seriam mais bem acomodados em aquaterrários. Fugas são bastante frequentes, o tanque deverá ser sempre mantido bem tampado.

Agressivos e territoriais, frequentemente mostram quelas amputadas na natureza. Porém, há relatos de criação bem sucedida com peixes pequenos, inclusive de fundo. Pequenos invertebrados bentônicos fazem parte da sua dieta, como caramujos, e serão rapidamente predados. Plantas tenras também são devoradas avidamente. Por serem escavadores, não são indicados para tanques com substrato fértil, ou com layout ornamental. Hábitos noturnos, costumam ficar entocados até anoitecer.

Como os demais crustáceos, tornam-se vulneráveis após a ecdise, e podem ser predados por outros animais. Por este motivo, nesta época permanecem entocados, até a solidificação completa da carapaça.

 

 



Microthelphusa furcifer, fotografado no interior de uma bromélia gigante, no Parque Nacional Kaieteur, Guiana. Foto cortesia de Tom Murray.


 

 

Alimentação

 

Poucos dados existem quanto aos hábitos alimentares dos pseudotelfusídeos. Sabe-se que são onívoros, pouco seletivos, se alimentando de plantas mortas, carcaças de animais e caçando pequenos invertebrados.

 

 

 

Bibliografia:

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  • Suárez A, H. (2022). Freshwater crabs from the highlands of the Venezuelan Guayana. Anartia, 33, 42–54.
  • Wehrtmann IS, Magalhães C, Bello-González OC. (2016) First confirmed report of a primary freshwater crab (Brachyura: Pseudothelphusidae) associated with bromeliads in the Neotropics. J. Crust. Biol. 36, 303–309.

Agradecimentos ao fotógrafo Tom Murray (iNaturalist)  
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