Égla
– Aegla paulensis (complexo de espécies)
Nome
em português: Égla, Caranguejo de Rio, Tatuí de água
doce
Nome em inglês: -
Nome científico: Aegla paulensis Schmitt, 1942, Aegla rosanae Campos Jr., 1998, Aegla lancinhas Bond-Buckup & Santos, 2015, Aegla japi Moraes, 2016, Aegla jaragua Moraes, 2016, Aegla jundiai Moraes, 2016, Aegla vanini Moraes, 2016.
Origem:
Brasil, sul do RJ, sudeste de SP e nordeste do PR
Tamanho:
carapaça com comprimento de até 2,7 cm
Temperatura: 18-26° C
pH: neutro
Dureza: média
Reprodução: especializada,
todo ciclo de vida em água doce
Comportamento: pacífico
Apresentação
Apesar de serem muitas vezes
referidos como “caranguejos”, na realidade estes crustáceos pertencem a outra
infra-ordem, Anomura, a mesma dos caranguejos-ermitões. A família Aeglidae possui somente um gênero
atual, Aegla, exclusivo de ambientes dulcícolas da região sul da
América do Sul, com próximo de 60 espécies
brasileiras descritas (muitas foram descritas bastante recentemente, veja a lista completa e atualizada de espécies neste link ). São os únicos anomuros encontrados em água doce, exceto por uma
única espécie de ermitão dulcícola de uma ilha do pacífico.
Não são muito populares no
Brasil como animais de aquário, mas em outros países (como na Argentina) são
criados há algum tempo com sucesso.
Etimologia: Aegla vem da deusa mítica grega Aegle,
uma das três Hespérides, donas do jardim dos pomos de ouro, situado no extremo
ocidental do mundo. Em relação aos nomes das espécies, paulensis significa
nativo de São Paulo. Os nomes rosanae e vanini são homenagens a dois biólogos, Dra. Rosana Souza Lima, especialista nos peixes da Bacia do Rio Paraíba, e coordenadora da pesquisa de campo que coletou o primeiro exemplar, e Dr. Sérgio Antonio Vanin, professor do Departamento de Zoologia da
Universidade de São Paulo, que coletou o primeiro exemplar da espécie. Os nomes lancinhas, japi, jaragua e jundiai se referem ao local de coleta dos exemplares-tipo, respectivamente Gruta da Lancinha (Rio Branco do Sul, PR), Serra do Japi (Jundiaí, SP), Parque Estadual Jaraguá (São Paulo, SP) e a cidade de Jundiaí (SP).
Aegla cf. lancinhas, fotografado em Palmeira, PR. Fotos também do seu habitat. Imagens gentilmente cedidas por Alexandre Klas Bico e Arthur Jacobsen Klas.
Aegla lancinhas, fotografado em Campo, PR. Fotos gentilmente cedidas por Tiago Kotryk.
Origem
Églas são crustáceos com
distribuição restrita à porção sul da América do Sul, vivendo em ambientes
dulcícolas das regiões temperadas do continente. Vivem em
riachos límpidos de leito rochoso, geralmente montanhosos, alguns também em
lagoas e represas.
Uma tese de 2016 envolvendo análises moleculares caracterizou Aegla paulensis como sendo um complexo de sete espécies crípticas. Além do Aegla paulensis s. str., este trabalho revalidou Aegla rosanae (originalmente descrita em 1998), incluiu Aegla lancinhas (descrita em 2015 no Paraná), e as quatro espécies novas A. japi, A. jaragua, A. jundiai e A. vanini. Dentre os Aeglas, o complexo de espécies A. paulensis é
um dos grupos com distribuição relativamente ampla, exclusivo do Brasil, onde
ocorre em riachos de três bacias hidrográficas: Paraiba do Sul (sul do RJ - A. rosanae),
Tietê (sudeste de SP - A. paulensis, A. vanini, A. japi, A. jaragua e A. jundiai), e Ribeira do Iguape (nordeste do PR - A. lancinhas). Ou seja, sua
distribuição é mais ao norte do que outras espécies.
Distribuição geográfica das espécies do complexo Aegla paulensis. Imagem
original Google Maps; dados de Moraes JC e cols. 2016.
Aegla jaragua, fotografados no Parque Ecológico do Pico do Jaraguá, SP. Fotos de Walther Ishikawa.
Aparência
Lembra
bastante um caranguejo, com cefalotórax achatado, pernas dispostas lateralmente
e primeiro par na forma de grandes garras (quelípodos). Entretanto, numa
análise mais cuidadosa, destacam-se antenas finas e bastante longas, e abdômen
relativamente desenvolvido, parecendo um lagostim com a cauda dobrada. O
próprio cefalotórax é oval, novamente lembrando um lagostim achatado. Numa
visão superior, só são visíveis três pares de pernas ambulatórias (ao invés dos
quatro pares dos caranguejos), já que o último par é atrofiado, fica oculto sob
o abdômen e não possui função locomotora. Coloração variada, geralmente de cor
marrom-escura avermelhada, mas alguns animais possuindo tons azulados.
- Rostro de comprimento médio, linguiforme, baixo, deflexo, com carena pouco nítida no terço distal. O processo subrostral é bem desenvolvido
- Espinho ântero-lateral da carapaça não alcançando a base da córnea
- Cefalotórax convexo
- Lobos protogástricos moderadamente destacados, proeminências epigástricas destacadas, forma ovalada
- Quarto esternito torácico elevado com um espinho.
- Ângulo látero-dorsal da segunda pleura inerme
- Crista palmar crista palmar sub-retangular, escavada (exceto A. jaragua, discoidal)
- Dedo móvel do quelípodo com lobo encimado por escamas
- Margem interna da face ventral do ísquio possui um espinho cônico distal e tubérculos
Dois machos
de Aegla jaragua, mostrando polimorfismo desta espécie. Imagem
gentilmente cedida pelo Prof. Sergio Luiz de Siqueira Bueno (LEEUSP). Foto de
Felipe P. A. Cohen.
Macho e Fêmea de Aegla
jaragua, note a diferença na dimensão das quelas. Imagens cedidas pelo Prof. Sergio Luiz de
Siqueira Bueno (LEEUSP).
Quelas em
regeneração. Imagem cedida pelo Prof. Sergio Luiz de Siqueira Bueno (LEEUSP).
Aegla jaragua, fotografados no Parque Ecológico do Pico do Jaraguá, SP. Fotos de Walther Ishikawa.
Parâmetros
de Água
Habitam
ambientes bastante estáveis, são sensíveis a variações e condições inadequadas
de água. Por este motivo, muitas vezes são usadas por pesquisadores como
bioindicadores.
Como todos
os Églas, são sensíveis a altas temperaturas, uma causa comum de insucesso na
sua manutenção em cativeiro. Porém, sua distribuição é menos austral, sendo
desta forma mais tolerantes a temperaturas elevadas. Mesmo assim, sugere-se uma
temperatura de 18~26º C.
Por viverem
em água corrente e fria, demandam também alta taxa de oxigenação, sugerindo-se
superdimensionar a filtragem e circulação de água no tanque. São mais comuns em
águas neutras, de dureza média. Como os demais crustáceos, são bem sensíveis a
compostos nitrogenados, assim como a metais.
Aegla vanini, fotografado em um riacho na Serra do Mar, próximo a Bertioga, SP. Fotos gentilmente cedidas por Mauricio Siqueira.
Dimorfismo Sexual
Bem demarcado, machos são maiores
e possuem garras mais robustas e assimétricas (heteroquelia). Fêmeas possuem abdômen mais largo, e pleópodes mais
desenvolvidos.
Fêmea de Aegla
jaragua. Imagem cedida pelo Prof. Sergio Luiz de Siqueira Bueno (LEEUSP).
Imagem
ventral da mesma fêmea da foto anterior, note os pleópodes bem desenvolvidos.
Imagem cedida pelo Prof. Sergio Luiz de Siqueira Bueno (LEEUSP).
Casal jovem
de Aegla jaragua, em imagem ventral. Macho à esquerda, fêmea à
direita. Veja como o abdomen da fêmea é mais largo, com pleópodes bem
desenvolvidos. Imagem cedida pelo Prof. Sergio Luiz de Siqueira Bueno (LEEUSP).
Reprodução
Tem ciclo
anual, reproduzem-se somente uma vez ao ano. Sabe-se que o período reprodutivo
dos Églas varia de acordo com a distribuição geográfica, sendo mais ampla
quanto mais austral for a distribuição. O Aegla
paulensis confirma esta regra, tendo uma distribuição mais setentrional,
mostra um período reprodutivo curto, de somente 5~6 meses. O período de acasalamento
se dá em Fevereiro e Março. São mais prolíficos que outras espécies, produzem até
250 ovos por postura.
Machos usam suas grandes quelas para
combates e disputas de fêmeas, assim como para a manipulação das fêmeas durante
o acasalamento. Acasalam se posicionando ventre-a-ventre.
Produzem
ovos de grandes dimensões (1,1 a 1,5 mm), apresentam desenvolvimento
pós-embrionário direto, onde as fases larvais completam-se ainda dentro do ovo.
Na eclosão são liberados indivíduos já com características semelhantes ao
adulto. Églas apresentam o que se chama de Eclosão Assincrônica, ou
seja, ovos de uma mesma ninhada eclodem de forma não-sincronizada. Por este motivo, as fêmeas carregam
ovos em diferentes estágios de desenvolvimento,
juntamente com juvenis.
Os dados são escassos, mas
provavelmente esta espécie de Aegla
também mostra cuidado parental, os jovens são protegidos e carregados pelas
fêmeas sob o abdome nos primeiros dias após a eclosão. Diferente dos lagostins
com cuidado parental, estes filhotes não têm nenhuma estrutura anatômica
especializada para se fixarem no corpo da mãe.
Em relação às outras espécies, o A. paulensis cresce mais lentamente,
atinge maturidade mais tardiamente e vive mais. A longevidade é estimada em
mais de três anos.
Fêmea de Aegla
jaragua, com os ovários desenvolvidos. Imagem cedida pelo Prof. Sergio
Luiz de Siqueira Bueno (LEEUSP).
Fêmea ovada
de Aegla jaragua. Imagem cedida pelo Prof. Sergio Luiz de Siqueira
Bueno (LEEUSP).
Ovos em
estágio inicial. Imagem cedida pelo Prof. Sergio Luiz de Siqueira Bueno
(LEEUSP). Foto de Bruno F. Takano.
Ovos em
estágio intermediário. Imagem cedida pelo Prof. Sergio Luiz de Siqueira Bueno
(LEEUSP). Foto de Bruno F. Takano.
Ovos em
estágio final de desenvolvimento. Imagem cedida pelo Prof. Sergio Luiz de
Siqueira Bueno (LEEUSP). Foto de Bruno F. Takano.
Jovens
recém-eclodidos. Imagem cedida pelo Prof. Sergio Luiz de Siqueira Bueno
(LEEUSP). Foto de Bruno F. Takano.
Comportamento
São animais totalmente aquáticos, devem
ser criados em aquários, não necessitando de uma porção emersa.
Apesar das grandes garras, não são
animais agressivos, podendo ser mantidos com peixes ou com outros Aeglas,
independente do sexo. Também não predam seus filhotes. Têm comportamento
gregário, especialmente os juvenis.
Por serem pequenos e pacíficos, podem
ser mantidos em tanques pequenos, lembrando somente da requisição de alta taxa
de oxigenação. A partir de 25 litros podem ser mantidos de 3 a 4 exemplares.
Hábitos noturnos, passando o dia entocado, saindo à noite
para se alimentar.
Como os demais crustáceos, tornam-se vulneráveis após a ecdise, e podem ser predados por outros
animais. Por este motivo, nesta época permanecem entocados, até a solidificação
completa da carapaça.
Aegla japi, fotografados no Parque Ecológico da Serra do Japi, Jundiaí, SP. Fotos de Walther Ishikawa.
Alimentação
Não é exigente quanto à alimentação,
na natureza são onívoros, se alimentando de detritos e material orgânico em
decomposição, vegetal e animal. Aceitam bem ração em flocos, assim como
proteína animal. Na natureza, são importantes como predadores de larvas de
mosquito-borrachudo.
Bibliografia:
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Decapoda de água doce do Brasil. São Paulo: Editora Loyola, 2003.
- Martin, J.W. & Abele, L.G.
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- Moraes JC, Terossi
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and molecular data reveal the cryptic diversity among populations of Aegla paulensis
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comments on dispersal routes and conservation status. Zootaxa. 2016 Nov
15;4193(1):1.
- Santos S,
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Brazil. Journal of Crustacean Biology, 35: 839–849.
- Bond-Buckup G,
Buckup L. Aegla rosanae Campos Jr., um novo sinônimo de Aegla paulensis Schmitt
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- Campos Jr. O.
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- Santos S, Bond-Buckup G, Gonçalves AS,
Bartholomei-Santos ML, Buckup L, Jara CG. Diversity and conservation status of
Aegla spp. (Anomura, Aeglidae): an update. Nauplius. 2017; 25: e2017011.
Agradecimentos especiais ao Prof. Dr. Sergio Luiz de Siqueira Bueno (LEEUSP – Laboratório de Estudo dos Eglídeos da USP), pela cessão das fotos para o artigo. Agradecimentos também a Bruno Fernandes Takano, e Felipe P. A. Cohen, zoólogos, e autores de algumas destas fotos. Finalmente, agradecemos aos colegas Alexandre Klas Bico, Arthur Jacobsen Klas, Mauricio Siqueira e Tiago Kotryk por permitir o uso das suas fotos do A. vanini e A. lancinhas.
As fotografias de Walther Ishikawa e Tiago Kotryk (iNaturalist) estão licenciadas sob uma Licença Creative Commons . As demais fotos
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