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Complexo "A. paulensis"  
Artigo publicado em 21/02/2012, última edição em 03/05/2023  



Égla – Aegla paulensis (complexo de espécies)

 

Nome em português: Égla, Caranguejo de Rio, Tatuí de água doce
Nome em inglês: -
Nome científico: Aegla paulensis Schmitt, 1942, Aegla rosanae Campos Jr., 1998, Aegla lancinhas Bond-Buckup & Santos, 2015, Aegla japi Moraes, 2016, Aegla jaragua Moraes, 2016, Aegla jundiai Moraes, 2016, Aegla vanini Moraes, 2016.

Origem: Brasil, sul do RJ, sudeste de SP e nordeste do PR

Tamanho: carapaça com comprimento de até 2,7 cm
Temperatura: 18-26° C
pH: neutro

Dureza: média
Reprodução
: especializada, todo ciclo de vida em água doce
Comportamento: pacífico

 

 

Apresentação

 

Apesar de serem muitas vezes referidos como “caranguejos”, na realidade estes crustáceos pertencem a outra infra-ordem, Anomura, a mesma dos caranguejos-ermitões. A família Aeglidae possui somente um gênero atual, Aegla, exclusivo de ambientes dulcícolas da região sul da América do Sul, com próximo de 60 espécies brasileiras descritas (muitas foram descritas bastante recentemente, veja a lista completa e atualizada de espécie neste link ). São os únicos anomuros encontrados em água doce, exceto por uma única espécie de ermitão dulcícola de uma ilha do pacífico.

Não são muito populares no Brasil como animais de aquário, mas em outros países (como na Argentina) são criados há algum tempo com sucesso.

            Etimologia: Aegla vem da deusa mítica grega Aegle, uma das três Hespérides, donas do jardim dos pomos de ouro, situado no extremo ocidental do mundo. Em relação aos nomes das espécies, paulensis significa nativo de São Paulo. Os nomes rosanae e vanini são homenagens a dois biólogos, Dra. Rosana Souza Lima, especialista nos peixes da Bacia do Rio Paraíba, e coordenadora da pesquisa de campo que coletou o primeiro exemplar, e Dr. Sérgio Antonio Vanin, professor do Departamento de Zoologia da Universidade de São Paulo, que coletou o primeiro exemplar da espécie. Os nomes lancinhas, japi, jaragua e jundiai se referem ao local de coleta dos exemplares-tipo, respectivamente Gruta da Lancinha (Rio Branco do Sul, PR), Serra do Japi (Jundiaí, SP), Parque Estadual Jaraguá (São Paulo, SP) e a cidade de Jundiaí (SP). 

 







Aegla cf. lancinhas, fotografado em Palmeira, PR. Fotos também do seu habitat. Imagens gentilmente cedidas por Alexandre Klas Bico e Arthur Jacobsen Klas.


   

Aegla lancinhasfotografado em Campo, PR. Fotos gentilmente cedidas por Tiago Kotryk.




Origem

            Églas são crustáceos com distribuição restrita à porção sul da América do Sul, vivendo em ambientes dulcícolas das regiões temperadas do continente. Vivem em riachos límpidos de leito rochoso, geralmente montanhosos, alguns também em lagoas e represas.

            Uma tese de 2016 envolvendo análises moleculares caracterizou Aegla paulensis como sendo um complexo de sete espécies crípticas. Além do Aegla paulensis s. str., este trabalho revalidou Aegla rosanae (originalmente descrita em 1998), incluiu Aegla lancinhas (descrita em 2015 no Paraná), e as quatro espécies novas A. japi, A. jaragua, A. jundiai e A. vanini.

            Dentre os Aeglas, o complexo de espécies A. paulensis é um dos grupos com distribuição relativamente ampla, exclusivo do Brasil, onde ocorre em riachos de três bacias hidrográficas: Paraiba do Sul (sul do RJ - A. rosanae), Tietê (sudeste de SP - A. paulensis, A. vanini, A. japi, A. jaragua e A. jundiai), e Ribeira do Iguape (nordeste do PR - A. lancinhas). Ou seja, sua distribuição é mais ao norte do que outras espécies.

 


Distribuição geográfica das espécies do complexo Aegla paulensis. Imagem original Google Maps; dados de Moraes JC e cols. 2016.







Aegla jaragua, fotografados no Parque Ecológico do Pico do Jaraguá, SP. Fotos de Walther Ishikawa.



Aparência

 

Lembra bastante um caranguejo, com cefalotórax achatado, pernas dispostas lateralmente e primeiro par na forma de grandes garras (quelípodos). Entretanto, numa análise mais cuidadosa, destacam-se antenas finas e bastante longas, e abdômen relativamente desenvolvido, parecendo um lagostim com a cauda dobrada. O próprio cefalotórax é oval, novamente lembrando um lagostim achatado. Numa visão superior, só são visíveis três pares de pernas ambulatórias (ao invés dos quatro pares dos caranguejos), já que o último par é atrofiado, fica oculto sob o abdômen e não possui função locomotora. Coloração variada, geralmente de cor marrom-escura avermelhada, mas alguns animais possuindo tons azulados.


  • Rostro de comprimento médio, linguiforme, baixo, deflexo, com carena pouco nítida no terço distal. O processo subrostral é bem desenvolvido
  • Espinho ântero-lateral da carapaça não alcançando a base da córnea
  • Cefalotórax convexo
  • Lobos protogástricos moderadamente destacados, proeminências epigástricas destacadas, forma ovalada
  • Quarto esternito torácico elevado com um espinho.
  • Ângulo látero-dorsal da segunda pleura inerme
  • Crista palmar crista palmar sub-retangular, escavada (exceto A. jaraguadiscoidal)
  • Dedo móvel do quelípodo com lobo encimado por escamas
  • Margem interna da face ventral do ísquio possui um espinho cônico distal e tubérculos



 


Dois machos de Aegla jaragua, mostrando polimorfismo desta espécie. Imagem gentilmente cedida pelo Prof. Sergio Luiz de Siqueira Bueno (LEEUSP). Foto de Felipe P. A. Cohen.



Macho e Fêmea de Aegla jaragua, note a diferença na dimensão das quelas. Imagens cedidas pelo Prof. Sergio Luiz de Siqueira Bueno (LEEUSP).



Quelas em regeneração. Imagem cedida pelo Prof. Sergio Luiz de Siqueira Bueno (LEEUSP).




Aegla jaragua, fotografados no Parque Ecológico do Pico do Jaraguá, SP. Fotos de Walther Ishikawa.



Parâmetros de Água

 

Habitam ambientes bastante estáveis, são sensíveis a variações e condições inadequadas de água. Por este motivo, muitas vezes são usadas por pesquisadores como bioindicadores.

Como todos os Églas, são sensíveis a altas temperaturas, uma causa comum de insucesso na sua manutenção em cativeiro. Porém, sua distribuição é menos austral, sendo desta forma mais tolerantes a temperaturas elevadas. Mesmo assim, sugere-se uma temperatura de 18~26º C.

Por viverem em água corrente e fria, demandam também alta taxa de oxigenação, sugerindo-se superdimensionar a filtragem e circulação de água no tanque. São mais comuns em águas neutras, de dureza média. Como os demais crustáceos, são bem sensíveis a compostos nitrogenados, assim como a metais.

 





Aegla vanini, fotografado em um riacho na Serra do Mar, próximo a Bertioga, SP. Fotos gentilmente cedidas por Mauricio Siqueira.




Dimorfismo Sexual

 

Bem demarcado, machos são maiores e possuem garras mais robustas e assimétricas (heteroquelia). Fêmeas possuem abdômen mais largo, e pleópodes mais desenvolvidos.




Fêmea de Aegla jaragua. Imagem cedida pelo Prof. Sergio Luiz de Siqueira Bueno (LEEUSP).



Imagem ventral da mesma fêmea da foto anterior, note os pleópodes bem desenvolvidos. Imagem cedida pelo Prof. Sergio Luiz de Siqueira Bueno (LEEUSP).



Casal jovem de Aegla jaragua, em imagem ventral. Macho à esquerda, fêmea à direita. Veja como o abdomen da fêmea é mais largo, com pleópodes bem desenvolvidos. Imagem cedida pelo Prof. Sergio Luiz de Siqueira Bueno (LEEUSP).




Reprodução

Tem ciclo anual, reproduzem-se somente uma vez ao ano. Sabe-se que o período reprodutivo dos Églas varia de acordo com a distribuição geográfica, sendo mais ampla quanto mais austral for a distribuição. O Aegla paulensis confirma esta regra, tendo uma distribuição mais setentrional, mostra um período reprodutivo curto, de somente 5~6 meses. O período de acasalamento se dá em Fevereiro e Março. São mais prolíficos que outras espécies, produzem até 250 ovos por postura.

Machos usam suas grandes quelas para combates e disputas de fêmeas, assim como para a manipulação das fêmeas durante o acasalamento. Acasalam se posicionando ventre-a-ventre.

Produzem ovos de grandes dimensões (1,1 a 1,5 mm), apresentam desenvolvimento pós-embrionário direto, onde as fases larvais completam-se ainda dentro do ovo. Na eclosão são liberados indivíduos já com características semelhantes ao adulto. Églas apresentam o que se chama de Eclosão Assincrônica, ou seja, ovos de uma mesma ninhada eclodem de forma não-sincronizada. Por este motivo, as fêmeas carregam ovos em diferentes estágios de desenvolvimento, juntamente com juvenis.

Os dados são escassos, mas provavelmente esta espécie de Aegla também mostra cuidado parental, os jovens são protegidos e carregados pelas fêmeas sob o abdome nos primeiros dias após a eclosão. Diferente dos lagostins com cuidado parental, estes filhotes não têm nenhuma estrutura anatômica especializada para se fixarem no corpo da mãe.

Em relação às outras espécies, o A. paulensis cresce mais lentamente, atinge maturidade mais tardiamente e vive mais. A longevidade é estimada em mais de três anos.


 


Fêmea de Aegla jaragua, com os ovários desenvolvidos. Imagem cedida pelo Prof. Sergio Luiz de Siqueira Bueno (LEEUSP).



Fêmea ovada de Aegla jaragua. Imagem cedida pelo Prof. Sergio Luiz de Siqueira Bueno (LEEUSP).



Ovos em estágio inicial. Imagem cedida pelo Prof. Sergio Luiz de Siqueira Bueno (LEEUSP). Foto de Bruno F. Takano.



Ovos em estágio intermediário. Imagem cedida pelo Prof. Sergio Luiz de Siqueira Bueno (LEEUSP). Foto de Bruno F. Takano.



Ovos em estágio final de desenvolvimento. Imagem cedida pelo Prof. Sergio Luiz de Siqueira Bueno (LEEUSP). Foto de Bruno F. Takano.



Jovens recém-eclodidos. Imagem cedida pelo Prof. Sergio Luiz de Siqueira Bueno (LEEUSP). Foto de Bruno F. Takano.



Comportamento

 

São animais totalmente aquáticos, devem ser criados em aquários, não necessitando de uma porção emersa.

Apesar das grandes garras, não são animais agressivos, podendo ser mantidos com peixes ou com outros Aeglas, independente do sexo. Também não predam seus filhotes. Têm comportamento gregário, especialmente os juvenis.

Por serem pequenos e pacíficos, podem ser mantidos em tanques pequenos, lembrando somente da requisição de alta taxa de oxigenação. A partir de 25 litros podem ser mantidos de 3 a 4 exemplares.

Hábitos noturnos, passando o dia entocado, saindo à noite para se alimentar.

Como os demais crustáceos, tornam-se vulneráveis após a ecdise, e podem ser predados por outros animais. Por este motivo, nesta época permanecem entocados, até a solidificação completa da carapaça.


 






Aegla japi, fotografados no Parque Ecológico da Serra do Japi, Jundiaí, SP. Fotos de Walther Ishikawa.



Alimentação

 

        Não é exigente quanto à alimentação, na natureza são onívoros, se alimentando de detritos e material orgânico em decomposição, vegetal e animal. Aceitam bem ração em flocos, assim como proteína animal. Na natureza, são importantes como predadores de larvas de mosquito-borrachudo.





Bibliografia:

  • Bond-Buckup G. Família Aeglidae. In: Melo GAS. Manual de Identificação dos Crustacea Decapoda de água doce do Brasil. São Paulo: Editora Loyola, 2003.
  • Martin, J.W. & Abele, L.G. 1988. External morphology of the genus Aegla (Crustacea: Anomura: Aeglidae). Smithsonian Contributions to Zoology 453: 1-46.
  • Bond-Buckup G, Buckup L.1994. A família Aeglidae (Crustacea, Decapoda, Anomura). Arch. Zool., São Paulo, 2 (4): 159-346.
  • Tudge CC. Endemic and enigmatic: the reproductive biology of Aegla (Crustacea: Anomura: Aeglidae) with observations on sperm structure. Memoirs of Museum Victoria 60(1): 63–70 (2003).
  • Cohen FPA, Takano BF, Shimizu RM, Bueno SLS. Life Cycle and Population Structure of Aegla paulensis (Decapoda: Anomura: Aeglidae). Journal of Crustacean Biology Vol. 31, No. 3 (2011), pp. 389-395.
  • Greco LSL, Viau V, Lavolpe M, Bond-Buckup G, Rodriguez EM. Juvenile Hatching and Maternal Care in Aegla uruguayana (Anomura, Aeglidae). Journal of Crustacean Biology Vol. 24, No. 2 (May, 2004), pp. 309-313.
  • Moraes JCB. Revisão taxonômica e análise cladística de Aegla Leach, 1820 (Crustacea, Anomura, Aeglidae) com ocorrência nas bacias hidrográficas do Alto Paraná e do Alto Uruguai. 2016. Tese de Doutorado - Universidade de São Paulo (USP). Instituto de Biociências São Paulo.
  • Moraes JC, Terossi M, Buranelli RC, Tavares M, Mantelatto FL, Bueno SL. Morphological and molecular data reveal the cryptic diversity among populations of Aegla paulensis (Decapoda, Anomura, Aeglidae), with descriptions of four new species and comments on dispersal routes and conservation status. Zootaxa. 2016 Nov 15;4193(1):1.
  • Santos S, Bond-Buckup G, Buckup L, Bartholomei-Santos ML, Pérez-Losada M, Jara CG, Crandall KA. 2015. Three new species of Aeglidae (Aegla Leach, 1820) from Paraná State, Brazil. Journal of Crustacean Biology, 35: 839–849.
  • Bond-Buckup G, Buckup L. Aegla rosanae Campos Jr., um novo sinônimo de Aegla paulensis Schmitt (Crustacea, Aeglidae). Rev. Bras. Zool. 2000 June; 17(2): 385-386.
  • Campos Jr. O. 1998. Nova espécie do gênero Aegla da Bacia do Rio Paraíba, Brasil (Anomura, Aeglidae). Iheringia, Sér. Zool., Porto Alegre, 85: 137-140.
  • Santos S, Bond-Buckup G, Gonçalves AS, Bartholomei-Santos ML, Buckup L, Jara CG. Diversity and conservation status of Aegla spp. (Anomura, Aeglidae): an update. Nauplius. 2017; 25: e2017011.





Agradecimentos especiais ao Prof. Dr. Sergio Luiz de Siqueira Bueno (LEEUSP – Laboratório de Estudo dos Eglídeos da USP), pela cessão das fotos para o artigo. Agradecimentos também a Bruno Fernandes Takano, e Felipe P. A. Cohen, zoólogos, e autores de algumas destas fotos. Finalmente, agradecemos aos colegas Alexandre Klas BicoArthur Jacobsen Klas, Mauricio Siqueira e Tiago Kotryk por permitir o uso das suas fotos do A. vanini e A. lancinhas.




As fotografias de Walther Ishikawa e Tiago Kotryk (iNaturalist) estão licenciadas sob uma  Licença Creative Commons . As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.
 
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