Artigo publicado em 09/07/2013, última edição em 18/04/2023
Égla
– Aegla jarai
Nome
em português: Égla, Caranguejo de Rio, Tatuí de água
doce, Scrabei Nome em inglês: - Nome científico: Aegla jarai Bond-Buckup & Buckup, 1994
Origem:
Brasil, centro-sul, sudeste e leste de SC e norte do RS
Tamanho:
carapaça com comprimento de até 3,5 cm Temperatura: 16-23° C pH: neutro/alcalino
Dureza: média Reprodução: especializada,
todo ciclo de vida em água doce Comportamento: pacífico
Apresentação
Apesar de serem muitas vezes
referidos como “caranguejos”, na realidade estes crustáceos pertencem a outra
infra-ordem, Anomura, a mesma dos caranguejos-ermitões. A família Aeglidae possui somente um gênero
atual, Aegla, exclusivo de ambientes dulcícolas da região sul da
América do Sul, com próximo de 60 espécies
brasileiras descritas (muitas foram descritas bastante recentemente, veja a lista completa e atualizada de espéciesneste link). São os únicos anomuros encontrados em água doce, exceto por uma
única espécie de ermitão dulcícola de uma ilha do pacífico.
Não são muito populares no
Brasil como animais de aquário, mas em outros países (como na Argentina) são
criados há algum tempo com sucesso.
Etimologia:Aegla vem da deusa mítica grega Aegle,
uma das três Hespérides, donas do jardim dos pomos de ouro, situado no extremo
ocidental do mundo. E jarai é uma
homenagem ao zoólogo chileno Carlos Guillermo Jara Senn, conceituado
pesquisador de Aeglas.
Origem
Églas são crustáceos com
distribuição restrita à porção sul da América do Sul, vivendo em ambientes
dulcícolas das regiões temperadas do continente, o que
explica sua baixa tolerância ao calor. Vivem em riachos límpidos de leito rochoso,
geralmente montanhosos, alguns também em lagoas e represas.
O Aegla jarai é uma espécie encontrada somente no Brasil, nas regiões centro-sul, sudeste e leste
de SC e norte do RS, nas bacias dos rios Uruguai (rios Canoas e Pelotas) e do sistema Atlântico-Sul (rio Itajaí-Açu). Possui
distribuição relativamente ampla, e alguns estudos moleculares recentes (2004)
mostraram que esta espécie (juntamente com outras cinco espécies simpátricas)
forma um grupo não-monofilético, sugerindo que se trate de um complexo de
espécies, ao invés de somente uma espécie.
Distribuição geográfica de Aegla jarai. Imagem
original Google Maps; dados de Bond-Buckup G.2003.
Aparência
Lembra
bastante um caranguejo, com cefalotórax achatado, pernas dispostas lateralmente
e primeiro par na forma de grandes garras (quelípodos). Entretanto, numa
análise mais cuidadosa, destacam-se antenas finas e bastante longas, e abdômen
relativamente desenvolvido, parecendo um lagostim com a cauda dobrada. O
próprio cefalotórax é oval, novamente lembrando um lagostim achatado. Numa
visão superior, só são visíveis três pares de pernas ambulatórias (ao invés dos
quatro pares dos caranguejos), já que o último par é atrofiado, fica oculto sob
o abdômen e não possui função locomotora. Coloração variada, geralmente de cor
marrom-escura avermelhada, mas alguns animais possuindo tons azulados.
Rostromuito longo, tendendo a estiliforme, escavado nos dois terços proximais, carenado em todo seu comprimento
Espinho ântero-lateral da carapaça ultrapassando a metade da córnea
Lobos protogástricos discretos
Proeminências epigástricas elevadas
Ângulo látero-dorsal da segunda pleura inerme
Crista palmar disciforme, fortemente escavada
Dedo móvel do quelípodo com lobo encimado por tubérculo
Margem interna da face ventral do ísquio possui um espinho cônico distal, e até três tubérculos
Margem dorsal do mero do segundo pereiópodo com espinho, seguido de tubérculos; margem ventral com tubérculos escamiformes
Embora em menor grau do que o A. spinosa
(espécie simpátrica em algumas localidades), esta espécie possui muitos
pequenos espinhos no corpo, o que pode auxiliar na sua identificação.
Com alguma frequência é confundido com o Aegla odebrechtii, cuja área de ocorrência se sobrepõe em boa parte. A. jarai possui um aspecto geral mais irregular, com mais espinhos, isto é bem evidente na ornamentação da crista carpal e do ísquio, nos tubérculos da face ventral do mero dos pereiópodos, e margem mais serrilhada da crista palmar. A maior diferença é no aspecto do rostro, longo e carenado em todo seu comprimento.
Aegla jarai, fotografado nos platôs da Serra Geral catarinense, entre Urubici e Alfredo Wagner. Foto cortesia de Pedro Hauck. A primeira imagem do artigo também é de sua autoria.
Rio dos Bugres (SC), onde foi fotografado o animal acima. Foto cortesia de Pedro Hauck.
Parâmetros
de Água
Todos os Aeglas habitam ambientes bastante
estáveis, são bem sensíveis a variações e condições inadequadas de água. Um
aspecto bastante importante é sua sensibilidade a altas temperaturas, uma causa
comum de insucesso na sua manutenção em cativeiro. Somente como exemplo, o Aegla laevis sobrevive por 30 minutos a
28º C, e por 20 minutos a 31º C.
Por viverem
em água corrente e fria, demandam também alta taxa de oxigenação, sugerindo-se
superdimensionar a filtragem e circulação de água no tanque. São mais comuns em
águas neutras para alcalinas, dureza média. Como os demais crustáceos, são bem
sensíveis a compostos nitrogenados, assim como a metais.
Dimorfismo Sexual
Bem demarcado, machos são maiores
e possuem garras mais robustas e assimétricas (heteroquelia). Fêmeas possuem abdômen mais largo, e pleópodes mais
desenvolvidos.
Aegla jarai no aquário, enterrado no substrato. Foto de Rodrigo Schlingmann.
Reprodução
Possuem ciclos anuais de reprodução, acasalando
no verão e produzindo ovos no outono/inverno.
Produzem
poucos ovos de grandes dimensões, apresentam desenvolvimento pós-embrionário
direto, onde as fases larvais completam-se ainda dentro do ovo. Na eclosão são
liberados indivíduos já com características semelhantes ao adulto.
É provável que esta espécie tenha
também cuidado parental, mas não existem ainda informações.
Aegla jarai, fotografado em um riacho em Lages, SC. Fotos cortesia de André Schlemper.
Comportamento
São animais totalmente aquáticos, devem
ser criados em aquários, não necessitando de uma porção emersa.
Apesar das grandes garras, não são
animais agressivos, podendo ser mantidos com peixes ou com outros Aeglas,
independente do sexo. Comportamento gregário, em especial animais juvenis. Hábitos
noturnos, passando o dia entocado, saindo à noite para se alimentar.
Como os demais crustáceos, tornam-se vulneráveis após a ecdise, e podem ser predados por outros
animais. Por este motivo, nesta época permanecem entocados, até a solidificação
completa da carapaça.
Sua longevidade é
estimada em cerca de dois anos.
Aegla jarai no aquário, vídeo cortesia de André Schlemper.
Alimentação
Não é exigente quanto à alimentação,
na natureza são onívoros, se alimentando de detritos e material orgânico em
decomposição, vegetal e animal.
Bibliografia:
Bond-Buckup G. Família Aeglidae. In: Melo GAS. Manual de Identificação dos Crustacea
Decapoda de água doce do Brasil. São Paulo: Editora Loyola, 2003.
Bond-Buckup G, Buckup L.1994. A
família Aeglidae (Crustacea, Decapoda, Anomura). Arch. Zool., São Paulo, 2 (4): 159-346.
Tudge CC. Endemic and enigmatic: the reproductive biology of Aegla (Crustacea: Anomura: Aeglidae)
with observations on sperm structure. Memoirs of Museum Victoria 60(1): 63–70 (2003).
Pérez-Losada M, Bond-Buckup G, Jara CG, Crandall KA. Molecular
systematics and biogeography of the southern South american freshwater
"crabs" Aegla (decapoda:
Anomura: Aeglidae) using multiple heuristic tree search approaches. Syst Biol. 2004 Oct;53(5):767-80.
Santos S, Bond-Buckup G, Buckup L, Pérez-Losada M, Finley M, Crandall KA. Three new species of Aegla (Anomura) freshwater crabs from the upper Uruguay River
hydrographic basin in Brazil. Journal of
Crustacean Biology 2012 32 (4): 529–540.
Boos Jr H, Silva-Castiglioni D, Schacht K, Buckup L, Bond-Buckup G.
Crescimento de Aegla jarai
Bond-Buckup & Buckup (Crustacea, Anomura, Aeglidae). Rev. Bras. Zool.
2006 June; 23(2): 490-496.
Boos Junior H. Crustáceos
Límnicos e Aspectos da Biologia de Aegla jarai
Bond-Buckup & Buckup e Aegla sp. (Decapoda,
Aeglidae) no Parque Nacional Municipal das Nascentes do Ribeirão Garcia,
Blumenau, SC. Dissertação (Mestre em Biologia Animal, área de concentração:
Crustáceos. Curso de Pós-Graduação em Biologia Animal) – Instituto de
Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2003.
Santos S, Bond-Buckup G, Gonçalves AS,
Bartholomei-Santos ML, Buckup L, Jara CG. Diversity and conservation status of
Aegla spp. (Anomura, Aeglidae): an update. Nauplius. 2017; 25: e2017011.
Agradecimentos especiais aos aquaristas André Schlemper e Rodrigo Schlingmann, ao geógrafo e montanhista Pedro Hauck pela cessão das fotos para o artigo. Pedro mantém um blog sobre suas atividades de escalada e montanhismo, que pode ser acessadaaqui.