Égla
– Aegla franca
Nome
em português: Égla, Caranguejo de Rio, Tatuí de água
doce
Nome em inglês: -
Nome científico: Aegla franca Schmitt, 1942
Origem:
Brasil, fronteira entre SP e MG
Tamanho:
carapaça com comprimento de até 2,4 cm
Temperatura: 18-22° C
pH: sem dados
Dureza: sem dados
Reprodução: especializada,
todo ciclo de vida em água doce
Comportamento: pacífico
Importante!!
O Aegla franca é uma espécie ameaçada, apesar de não
constar no Livro Vermelho do MMA/IBAMA. Pesquisadores propõem que esta espécie
de Aegla deva ser classificada como
“Vulnerável”, ou até "Em perigo crítico".
Este Aegla possui
um histórico bem interessante: Aegla
franca foi originalmente descrita em 1942 a partir de exemplares capturados
em 1910 em Franca (SP) por E. Garbe. Porém, esta espécie nunca mais foi
avistada nesta localidade, possivelmente extinta devido à degradação ambiental
ocorrida na região decorrente do grande desenvolvimento industrial e agrícola.
Quase um século depois (2007), populações sobreviventes desta espécie foram
redescobertas em seis riachos um pouco ao norte deste local.
Estima-se a população total desta espécie de Égla em 30.000
indivíduos adultos (2007), um valor acima do limite preconizado pela IUCN para
ser classificado como “Vulnerável” (colocando-a desta forma na categoria “Quase
Ameaçada” por este critério). Entretanto, outros parâmetros colocam-na em uma
categoria mais alta de nível de ameaça: a área de ocorrência do A. franca é restrita a somente seis
pequenos riachos não-conectados, ou seja, possui uma área de ocupação com um
padrão distribucional fragmentado. A área total do Córrego Barro Preto é de
aproximadamente 12.500 m2 (0,0125 km2). Mesmo se
multiplicarmos este valor por seis (dos seis córregos), o valor permanece bem
abaixo do limite estabelecido pela IUCN para ser classificado como
“Vulnerável”, que é de 2000 km2. Uma proposta de
revisão do Livro Vermelho publicada em 2012 a classifica dentre as sete espécies brasileiras de Aegla na categoria CR (“Em perigo crítico”) - CR B2ab(iii).
Desta forma, esta espécie não pode e não deve ser coletada na natureza, ou
mantida em cativeiro.
A ficha desta espécie consta nesta seção não como um “caresheet” para a sua criação
em aquários, mas sim como um repositório de informações sobre esta espécie, tão
rara e preciosa.
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Apresentação
Églas são crustáceos dulcícolas únicos, exercendo um
grande fascínio tanto para zoólogos quanto para aquaristas amadores. Algumas
espécies são criadas já há algum tempo nos nossos países vizinhos,
relativamente populares como animais de aquário na Argentina, Chile e Uruguai.
Alguns aquaristas do sul do Brasil também têm criado estes crustáceos com
sucesso.
Entretanto,
os Églas têm algumas peculiaridades ecológicas que os tornam bem vulneráveis a
perturbações ambientais, especialmente à degradação por ação humana. Vivem
principalmente em rios límpidos, em áreas bem oxigenadas mais próximas às suas
nascentes. Habitam nichos relativamente estáveis, não possuindo mecanismos de
adaptação para mudanças repentinas no seu habitat. Possui reprodução abreviada,
os filhotes não passam por uma fase larvar natante, desta forma possuindo uma
capacidade de dispersão ambiental bastante limitada.
Por tudo
isto, os Églas têm um endemismo muito grande, com muitas espécies habitando
áreas geográficas bastante restritas, algumas delas só sendo encontradas nas
suas localidades-tipo. É o caso do Aegla franca, uma espécie encontrada
somente em seis córregos não-conectados na fronteira entre os estados de SP e
MG (entre Claraval e Franca).
Apesar de serem muitas vezes referidos como “caranguejos”, na
realidade estes crustáceos pertencem a outra infra-ordem, Anomura, a mesma dos
caranguejos-ermitões. A família Aeglidae possui somente um gênero atual, Aegla,
exclusivo de ambientes dulcícolas da região sul da América do Sul, com próximo de 60 espécies
brasileiras descritas (muitas foram descritas bastante recentemente, veja a lista completa e atualizada de espécies neste link ). São os únicos
anomuros encontrados em água doce, exceto por uma única espécie de ermitão
dulcícola de uma ilha do pacífico.
Etimologia: Aegla vem da deusa mítica grega Aegle,
uma das três Hespérides, donas do jardim dos pomos de ouro, situado no extremo
ocidental do mundo. E franca tem
origem na cidade de Franca (SP), onde o primeiro exemplar foi capturado em
1910.
Origem
Églas
são crustáceos com distribuição restrita à porção sul da América do Sul,
vivendo em ambientes dulcícolas das regiões temperadas do continente. Vivem em riachos límpidos de leito rochoso, geralmente
montanhosos, alguns também em lagoas e represas. Aegla franca é a espécie com uma distribuição mais ao norte de
todas as espécies conhecidas do gênero.
A área
de ocorrência do A. franca é restrita
a somente seis pequenos riachos não-conectados que drenam no sistema do Rio
Canoas, localizado entre as cidades de Claraval (MG) e Franca (SP). O próprio
Rio Canoas não contém Aeglas. E nos
locais onde originalmente o espécime-tipo foi coletado (em Franca) também não
são mais identificados Aeglas.
Distribuição geográfica de Aegla franca. Imagem
original Google Maps; dados de Bueno SLS. 2007.
Aparência
Lembra
bastante um caranguejo, com cefalotórax achatado, pernas dispostas lateralmente
e primeiro par na forma de grandes garras (quelípodos). Entretanto, numa
análise mais cuidadosa, destacam-se antenas finas e bastante longas, e abdômen
relativamente desenvolvido, parecendo um lagostim com a cauda dobrada. O
próprio cefalotórax é oval, novamente lembrando um lagostim achatado. Numa
visão superior, só são visíveis três pares de pernas ambulatórias (ao invés dos
quatro pares dos caranguejos), já que o último par é atrofiado, fica oculto sob
o abdômen e não possui função locomotora.
- Rostro é triangular, longo, fino e reto, carenado em todo seu comprimento, escavado lateralmente no terço intermediário
- Espinho ântero-lateral da carapaça alcançando a metade da córnea
- Lobos protogástricos muito elevados
- Proeminências epigástricas não marcadas
- Aréola retangular, longa e estreita
- Ângulo látero-dorsal da segunda pleura com tubérculo
- Crista palmar sub-retangular
- Dedo móvel do quelípodo com lobo com tubérculo
- Margem interna da face ventral do ísquio possui dois espinhos, um distal, outro proximal, e entre eles tubérculos
Parâmetros
de Água
No seu ambiente natural vivem em riachos com uma grande
estabilidade de temperatura, que varia ao longo do ano de 18~22º C. Poucos
dados existem sobre os demais parâmetros físico-químicos. Como outras Églas,
demandam também alta taxa de oxigenação, e são bem sensíveis a compostos
nitrogenados.
Aegla franca, fotografado em Claraval, MG. Imagens cortesia de Felipe C. Balbino Santos.
Dimorfismo Sexual
Bem demarcado, machos são maiores
e possuem garras mais robustas e assimétricas (heteroquelia). Fêmeas possuem abdômen mais largo, e pleópodes mais
desenvolvidos.
Reprodução
Tem ciclo anual, reproduzem-se
somente uma vez ao ano. Sabe-se que o período reprodutivo dos Églas varia de
acordo com a distribuição geográfica, sendo mais ampla quanto mais austral for
a distribuição. O Aegla franca
confirma esta regra, tendo uma distribuição mais setentrional, mostra um
período reprodutivo curto, de somente 4 meses. Fêmeas ovígeras são encontradas
de Maio a Agosto (outono-inverno), e após um período de incubação de cerca de 3
meses, de Agosto a Setembro são encontradas fêmeas pós-ovígeras carregando filhotes.
Outras variáveis ambientais parecem
também influir no padrão reprodutivo, o Aegla
franca vive em um habitat com uma variação maior de pluviosidade e menor de
temperatura do que outras espécies, o que mostra correlação com ovos maiores e
menos numerosos.
Produzem até
193 ovos por postura, são ovos elípticos de grandes dimensões (1,3 mm),
apresentam desenvolvimento pós-embrionário direto, onde as fases larvais
completam-se ainda dentro do ovo. Na eclosão são liberados indivíduos já com
características semelhantes ao adulto. Os animais recém-nascidos são grandes,
maiores do que outras espécies, medindo 1,8 mm.
Esta espécie de Aegla também mostra cuidado parental, os jovens são protegidos e
carregados pelas fêmeas sob o abdome nos primeiros dias após a eclosão.
A longevidade é estimada em cerca de 28,4
meses.
Comportamento
Hábitos noturnos, passando o
dia entocado, saindo somente à noite para se alimentar. Como os demais
crustáceos, tornam-se vulneráveis após a ecdise, e podem ser predados por
outros animais. Por este motivo, nesta época permanecem entocados, até a
solidificação completa da carapaça.
Alimentação
Não é exigente quanto à alimentação,
na natureza são onívoros, se alimentando de detritos e material orgânico em
decomposição, vegetal e animal.
Bibliografia:
- Bond-Buckup G. Família Aeglidae. In: Melo GAS. Manual de Identificação dos Crustacea
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Mus., Washington, 91 (3132): 431-524.
- Bueno
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Aeglidae) by Mark-Recapture Technique from an Isolated Section of Barro Preto
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Bartholomei-Santos ML, Buckup L, Jara CG. Diversity and conservation status of
Aegla spp. (Anomura, Aeglidae): an update. Nauplius. 2017; 25: e2017011.
Agradecimentos especiais ao Prof. Dr. Sergio Luiz de Siqueira Bueno
(LEEUSP – Laboratório de Estudo dos Eglídeos da USP) e ao biólogo colaborador do iNaturalist Felipe C. Balbino Santos, pela cessão da
foto para o artigo.
As fotografias de Felipe C. Balbino Santos estão licenciadas sob uma Licença Creative Commons. As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.
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