Artigo publicado em 18/11/2013, última edição em 18/04/2023
Égla
– Aegla odebrechtii
Nome
em português: Égla, Caranguejo de Rio, Tatuí de água
doce, Scrabei Nome em inglês: - Nome científico: Aegla odebrechtiiMüller, 1876
Origem:
Brasil, centro e leste de SC, norte e nordeste de RS
Tamanho:
carapaça com comprimento de até 2,8 cm Temperatura: 16-23° C pH: sem dados
Dureza: sem dados Reprodução: especializada,
todo ciclo de vida em água doce Comportamento: pacífico
Apresentação
Apesar de serem muitas vezes
referidos como “caranguejos”, na realidade estes crustáceos pertencem a outra
infra-ordem, Anomura, a mesma dos caranguejos-ermitões. A família Aeglidae
possui somente um gênero atual, Aegla, exclusivo de ambientes dulcícolas da região sul da
América do Sul, com próximo de 60 espécies
brasileiras descritas (muitas foram descritas bastante recentemente, veja a lista completa e atualizada de espéciesneste link). São os únicos anomuros encontrados em água doce, exceto por uma
única espécie de ermitão dulcícola de uma ilha do pacífico.
Não
são muito populares no Brasil como animais de aquário, mas em outros países
(como na Argentina) são criados há algum tempo com sucesso.
Etimologia:Aegla vem da deusa mítica grega Aegle,
uma das três Hespérides, donas do jardim dos pomos de ouro, situado no extremo
ocidental do mundo. E odebrechtii é uma homenagem a Emil Odebrecht, engenheiro-geodésico e cartógrafo
alemão que coletou o primeiro exemplar em 1867 no Rio
Marombas, posteriormente descrito por Fritz Müller. Foi a primeira espécie descrita de Aegla no Brasil.
Origem
Églas
são crustáceos com distribuição restrita à porção sul da América do Sul,
vivendo em ambientes dulcícolas das regiões temperadas do continente. Vivem em riachos límpidos de leito rochoso, geralmente
montanhosos, alguns também em lagoas e represas.
O Aegla odebrechtii
é uma espécie encontrada somente no Brasil, com uma distribuição na região centro
e leste de Santa Catarina, e norte e nordeste de Rio Grande do Sul. Habita a bacia do Rio Uruguay (Rios Irani, Peixe, Canoas, Pelotas) e sistema Atlântico Sul (Rio Itajaí-Açu).
Distribuição geográfica de Aegla odebrechtii. Imagem
original Google Maps; dados de Bond-Buckup G.2003.
Aegla odebrechtii, fotografado na RPPN Corredeiras do Rio Itajaí, Itaiópolis, SC. Imagem cedida por Germano Woehl Jr. (Instituto Rã-Bugio para Conservação da Biodiversidade).
Aparência
Lembra
bastante um caranguejo, com cefalotórax achatado, pernas dispostas lateralmente
e primeiro par na forma de grandes garras (quelípodos). Entretanto, numa
análise mais cuidadosa, destacam-se antenas finas e bastante longas, e abdômen
relativamente desenvolvido, parecendo um lagostim com a cauda dobrada. O
próprio cefalotórax é oval, novamente lembrando um lagostim achatado. Numa
visão superior, só são visíveis três pares de pernas ambulatórias (ao invés dos
quatro pares dos caranguejos), já que o último par é atrofiado, fica oculto sob
o abdômen e não possui função locomotora. Coloração variada, geralmente de cor
marrom-escura avermelhada, mas alguns animais possuindo tons azulados.
Rostrotem comprimento médio, triangular, deflexo e levemente recurvado distalmente, sem carena no terço distal, escavado lateralmente
Espinho ântero-lateral da carapaça alcançando a metade da córnea
Lobos protogástricos obsoletos
Ângulo látero-dorsal da segunda pleura inerme
Crista palmar sub-disciforme, escavada
Dedo móvel do quelípodo com lobo encimado por tubérculos
Margem interna da face ventral do ísquio possui um espinho cônico distal, um espinho menor proximal, e entre eles até três tubérculos
Com alguma frequência é confundido com o Aegla jarai, cuja área de ocorrência se sobrepõe em boa parte. A. odebrechtii possui um aspecto geral mais liso, com menos espinhos. A maior diferença é no aspecto do rostro, triangular, sem carena no terço distal.
Aegla odebrechtii, macho que perdeu uma das quelas. Fotografado na Barragem do Salto, São Francisco de Paula (RS). Imagens
gentilmente cedidas por Cristiane Maurer.
Parâmetros
de Água
Todos os Aeglas habitam ambientes bastante
estáveis, são bem sensíveis a variações e condições inadequadas de água. Um
aspecto bastante importante é sua sensibilidade a altas temperaturas, uma causa
comum de insucesso na sua manutenção em cativeiro. Somente como exemplo, o Aegla
laevis sobrevive por 30 minutos a 28º C, e por 20 minutos a 31º C.
Por viverem
em água corrente e fria, demandam também alta taxa de oxigenação, sugerindo-se
superdimensionar a filtragem e circulação de água no tanque. São mais comuns em
águas neutras, de dureza média. Como os demais crustáceos, são bem sensíveis a
compostos nitrogenados, assim como a metais.
Aegla odebrechtii, um grande macho fotografado em Cambará do Sul (RS). Imagens
gentilmente cedidas por Amanda Perin Marcon.
Dimorfismo Sexual
Bem demarcado, machos são maiores
e possuem garras mais robustas e assimétricas (heteroquelia). Fêmeas possuem abdômen mais largo, e pleópodes mais
desenvolvidos.
Reprodução
Tem ciclo
anual, reproduzem-se somente uma vez ao ano. Não há dados específicos, mas sabe-se
que o período reprodutivo dos Églas varia de acordo com a distribuição
geográfica, sendo mais ampla quanto mais austral for a distribuição. Baseado na
espécie simpátrica Aegla jarai,
possivelmente se acasalamo no verão e produzem ovos no outono/inverno.
Produzem poucos
ovos de grandes dimensões, apresentam desenvolvimento pós-embrionário direto,
onde as fases larvais completam-se ainda dentro do ovo. Na eclosão são
liberados indivíduos já com características semelhantes ao adulto.
É provável que esta espécie tenha também
cuidado parental, mas não existem ainda informações.
Aegla odebrechtii, fotografados em um riacho em Alfredo Wagner, SC. A primaira imagem mostra o habitat onde foram encontrados. Imagens
gentilmente cedidas por Márcio Silva (Sítio Alto Paraíso), fotos de autoria de Luã Petri.
Comportamento
São animais totalmente aquáticos, devem
ser criados em aquários, não necessitando de uma porção emersa.
Apesar das grandes garras, não são
animais agressivos, podendo ser mantidos com peixes ou com outros Aeglas,
independente do sexo. Comportamento gregário, em especial animais juvenis. Hábitos
noturnos, passando o dia entocado, saindo à noite para se alimentar.
Como os demais crustáceos, tornam-se vulneráveis após a ecdise, e podem ser predados por outros
animais. Por este motivo, nesta época permanecem entocados, até a solidificação
completa da carapaça.
Alimentação
Não é exigente quanto à alimentação,
na natureza são onívoros, se alimentando de detritos e material orgânico em decomposição,
vegetal e animal.
Bibliografia:
Bond-Buckup G. Família Aeglidae. In: Melo GAS. Manual de Identificação dos Crustacea
Decapoda de água doce do Brasil. São Paulo: Editora Loyola, 2003.
Martin, J.W. & Abele, L.G.
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Bartholomei-Santos ML, Buckup L, Jara CG. Diversity and conservation status of
Aegla spp. (Anomura, Aeglidae): an update. Nauplius. 2017; 25: e2017011.
Agradecimentos especiais à Prof. Cristiane Maurer
(Escola João Corrêa, Canela, RS), à bióloga Amanda Perin Marcon, para Márcio Silva e Luã Petri (Sítio Alto Paraíso) e ao zoólogo Germano Woehl Jr. (Instituto Rã-bugio para Conservação da Biodiversidade) pela cessão das
fotos para o artigo, além de valiosas informações.