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Complexo "A. marginata"  
Artigo publicado em 02/07/2016, última edição em 21/04/2023  



Égla – Aegla marginata (complexo de espécies)

 

Nome em português: Égla, Caranguejo de Rio, Tatuí de água doce, Scrabei
Nome em inglês: -
Nome científico: Aegla marginata Bond-Buckup & Buckup, 1994 e Aegla quilombola, Moraes 2016

Origem: Brasil, sul de SP, leste do PR e nordeste de SC

Tamanho: carapaça com comprimento de até 2,8 cm
Temperatura: 17-24° C
pH: não há dados

Dureza: não há dados
Reprodução
: especializada, todo ciclo de vida em água doce
Comportamento: pacífico

 

Apresentação

 

Apesar de serem muitas vezes referidos como “caranguejos”, na realidade estes crustáceos pertencem a outra infra-ordem, Anomura, a mesma dos caranguejos-ermitões. A família Aeglidae possui somente um gênero atual, Aegla, exclusivo de ambientes dulcícolas da região sul da América do Sul, com próximo de 60 espécies brasileiras descritas (muitas foram descritas bastante recentemente, veja a lista completa e atualizada de espécie neste link ). São os únicos anomuros encontrados em água doce, exceto por uma única espécie de ermitão dulcícola de uma ilha do pacífico.

Não são muito populares no Brasil como animais de aquário, mas em outros países (como na Argentina) são criados há algum tempo com sucesso.

Uma tese de 2016 com estudos filogenéticos caracterizou o Aegla marginata como sendo uma espécie parafilética, formando um complexo de espécies com o Aegla quilombola.

            Etimologia: Aegla vem da deusa mítica grega Aegle, uma das três Hespérides, donas do jardim dos pomos de ouro, situado no extremo ocidental do mundo. Os nomes específicos marginata tem origem no latim margo = borda, margem, relativo às margens anterolaterais recurvadas do cefalotórax; quilombola vem de quilombo, assentamento, refúgio (que tem origem africana Kimbundu), pelo fato do Vale do Ribeira ser lar de muitos descendentes de quilombos, ainda preservando a rica tradição dos seus antepassados. 

 




Aegla quilombola, fotos extraídas de Maia KP, et al. Revista da Biologia 2013 10(02): 40-45 (Licença Creative Commons). A referência ao artigo pode ser vista na Bibliografia. As marcas na carapaça são para o estudo populacional com técnica de marcação e recaptura, mais bem descrita no artigo.


 

Origem

            Églas são crustáceos com distribuição restrita à porção sul da América do Sul, vivendo em ambientes dulcícolas das regiões temperadas do continente, o que explica sua baixa tolerância ao calor. Vivem em riachos límpidos de leito rochoso, geralmente montanhosos, alguns também em lagoas e represas.

            Aegla marginata é uma espécie encontrada somente no Brasil, inicialmente considera-ve sua distribuição como sendo uma faixa na região leste dos estados de SP, PR e SC. Recentemente foi caracterizado como um complexo de espécies, separando-se o Aegla quilombola, encontrado somente no Parque Intervales, sul de SP, bacia do rio Ribeira do Iguape. Desta forma, Aegla marginata ocupa duas bacias litorâneas, em Morretes (PR) e Joinville (SC).

            Aegla quilombola é uma espécie troglófila, sendo encontrada tanto fora (populações epígeas) quanto dentro de cavernas (hipógeas) do complexo PETAR/PEI, capaz de completar todo seu ciclo de vida tanto em riachos subterrâneos quanto epígeos.



Distribuição geográfica de Aegla marginata e Aegla quilombola. Imagem original Google Maps; dados de Bond-Buckup G. 2003, e demais referências.

 

Aparência

 

Lembra bastante um caranguejo, com cefalotórax achatado, pernas dispostas lateralmente e primeiro par na forma de grandes garras (quelípodos). Entretanto, numa análise mais cuidadosa, destacam-se antenas finas e bastante longas, e abdômen relativamente desenvolvido, parecendo um lagostim com a cauda dobrada. O próprio cefalotórax é oval, novamente lembrando um lagostim achatado. Numa visão superior, só são visíveis três pares de pernas ambulatórias (ao invés dos quatro pares dos caranguejos), já que o último par é atrofiado, fica oculto sob o abdômen e não possui função locomotora. Coloração variada, geralmente de cor marrom-escura avermelhada, mas alguns animais possuindo tons azulados.


  • Rostro longo nos machos adultos, fortemente escavado em todo o seu comprimento
  • Espinho ântero-lateral da carapaça alcançando a base da córnea
  • Lobos protogástricos presentes, elevados. Lobos hepáticos bem marcados
  • Margem anterolateral da carapaça recurvada, especialmente na região anterior, daí seu nome
  • Ângulo látero-dorsal da segunda pleura inerme
  • Crista palmar ausente, mão suboval, com a palma muito inflada
  • Dedo móvel do quelípodo sem lobo
  • Dedos do quelípodo com dente lobular 
  • Margem interna da face ventral do ísquio possui apenas cinco a seis elevações encimadas por escamas



As populações de A. quilombola encontradas nas regiões geográficas de cavernas mostram uma variação no grau de pigmentação, na forma de um gradiente contínuo, de modo que quase não se viam indivíduos com características normais de pigmentação no interior afótico das cavernas. Porém, esta ausência de pigmentos não foi adequadamente investigada, ainda não se sabe se é decorrente de diferenças genéticas, alimentação ou alguma característica do pigmento que necessite de luz para sua síntese adequada. Além da pigmentação, estas populações não mostram outras alterações morfológicas adaptadas para estes ambientes sem luz.

 

 

Aegla marginata, fotografado na bacia do Rio Piraí, em Joinville, SC. Imagem gentilmente cedida por André Zimmermann Lisbôa.



Parâmetros de Água

 

Habitam ambientes bastante estáveis, são bem sensíveis a variações e condições inadequadas de água. Um aspecto bastante importante é sua sensibilidade a altas temperaturas, uma causa comum de insucesso na sua manutenção em cativeiro. Somente como exemplo, o Aegla laevis sobrevive por 30 minutos a 28º C, e por 20 minutos a 31º C.

Em uma população estudada de Iporanga (sul de SP), a temperatura média do seu habitat foi estimada entre 10º e 20º C.   

Por viverem em água corrente e fria, demandam também alta taxa de oxigenação, sugerindo-se superdimensionar a filtragem e circulação de água no tanque. São mais comuns em águas neutras para alcalinas, dureza média. Como os demais crustáceos, são bem sensíveis a compostos nitrogenados, assim como a metais.

 

Dimorfismo Sexual

 

Bem demarcado, machos são maiores e possuem garras mais robustas e assimétricas (heteroquelia). Fêmeas possuem abdômen mais largo, e pleópodes mais desenvolvidos. Para machos foi constatada também a presença de dois morfotipos nos indivíduos adultos, que podem estar ligados à maturidade sexual ou a algum tipo de presença de castas dentro da espécie.

 


Reprodução

            Possuem ciclos anuais de reprodução, acasalando no verão e com um pico reprodutivo durante os meses de temperatura mais fria (outono-inverno). As análises mostraram que o período reprodutivo encontra-se intimamente ligado com a queda da temperatura na região. Populações do sul de SP mostram um segundo discreto pico reprodutivo no mês de Dezembro.

            Em Aeglas, existe um claro padrão latitudinal para fecundidade e tamanho dos ovos, em que os animais em latitudes mais altas produzem mais ovos de menores dimensões, enquanto que menos ovos de maiores dimensões são produzidos em latitudes mais baixas. Também exite uma variação no período reprodutivo, espécies de clima frio reproduzem-se ao longo de todo o ano, enquanto espécies de clima subtropical mostram reprodução na estação fria. É um padrão oposto ao encontrado em espécies decápodes marinhos.

      Produzem poucos ovos de grandes dimensões, apresentam desenvolvimento pós-embrionário direto, onde as fases larvais completam-se ainda dentro do ovo. O número de ovos varia de 40 a 146, com volume médio de 1,32 mm³. Na eclosão são liberados indivíduos já com características semelhantes ao adulto. É quase certo que esta espécie tenha também cuidado parental, mas não existem ainda informações.

 

 



Aegla marginata, fotografado na bacia do Rio Piraí, em Joinville, SC. Imagens gentilmente cedidas por André Zimmermann Lisbôa.



Comportamento

 

São animais totalmente aquáticos, devem ser criados em aquários, não necessitando de uma porção emersa.

Apesar das grandes garras, não são animais agressivos, podendo ser mantidos com peixes ou com outros Aeglas, independente do sexo. Comportamento gregário, em especial animais juvenis. Hábitos noturnos, passando o dia entocado, saindo à noite para se alimentar.

Como os demais crustáceos, tornam-se vulneráveis após a ecdise, e podem ser predados por outros animais. Por este motivo, nesta época permanecem entocados, até a solidificação completa da carapaça.

A longevidade é estimada em cerca de 2,43 e 2,49 anos para machos e fêmeas, respectivamente.

 

 


Visão ventral de Aegla marginata, fotografado em um riacho em Joinville, SC. Foto de André Zimmermann Lisbôa.



Alimentação

 

Não é exigente quanto à alimentação, na natureza são onívoros, se alimentando de detritos e material orgânico em decomposição, vegetal e animal.

 

 

Bibliografia:
  • Bond-Buckup G. Família Aeglidae. In: Melo GAS. Manual de Identificação dos Crustacea Decapoda de água doce do Brasil. São Paulo: Editora Loyola, 2003.
  • Bond-Buckup G, Buckup L.1994. A família Aeglidae (Crustacea, Decapoda, Anomura). Arch. Zool., São Paulo, 2 (4): 159-346.
  • Martin, J.W. & Abele, L.G. 1988. External morphology of the genus Aegla (Crustacea: Anomura: Aeglidae). Smithsonian Contributions to Zoology 453: 1-46.
  • Tudge CC. Endemic and enigmatic: the reproductive biology of Aegla (Crustacea: Anomura: Aeglidae) with observations on sperm structure. Memoirs of Museum Victoria 60(1): 63–70 (2003).
  • Trevisan A. Influência da Serra do Mar na Distribuição e Biologia de Aeglidae (Crustacea Anomura) na Porção Leste do Estado do Paraná. Dissertação (Doutor em Ciências Biológicas, área de Zoologia) – Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2013.
  • Silva AR. Maturidade, reprodução e estrutura populacional do caranguejo Anomura Aegla marginata Bond-Buckup & Buckup, 1994 (Crustacea: Decapoda). Dissertação (Mestre em Biociências, Área de Conhecimento: Caracterização da Diversidade Biológica) – Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP – Universidade Estadual Paulista. Assis, 2015.
  • Fernandes CS. Morfometria geométrica de populações subterrâneas e epígeas dos caranguejos de água doce do gênero Aegla Leach 1820, (Crustacea: Anomura: Aeglidae) no Vale do Ribeira, Iporanga, SP. Dissertação (Mestre em Ciências Biológicas – Área de Concentração Ecologia) – Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). São Carlos, SP 2011.
  • Pérez-Losada M, Bond-Buckup G, Jara CG, Crandall KA. Molecular systematics and biogeography of the southern South american freshwater "crabs" Aegla (decapoda: Anomura: Aeglidae) using multiple heuristic tree search approaches. Syst Biol. 2004 Oct; 53(5):767-80.
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  • Moraes JCB. Revisão taxonômica e análise cladística de Aegla Leach, 1820 (Crustacea, Anomura, Aeglidae) com ocorrência nas bacias hidrográficas do Alto Paraná e do Alto Uruguai. 2016. Tese de Doutorado - Universidade de São Paulo (USP). Instituto de Biociências São Paulo.
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  • Moraes JCB, Tavares M, Bueno SLS, 2017, Taxonomic review of Aegla marginata Bond-Buckup & Buckup, 1994 (Decapoda, Anomura, Aeglidae) with description of a new species, Zootaxa 4323 (4), pp. 519-533.




Agradecimentos especiais aos colega aquarista André Zimmermann Lisbôa por permitir o uso das fotos no artigo.



As fotografias de Maia KP, et al. Revista da Biologia (2013) 10(02): 40-45 estão licenciadas sob uma Licença Creative Commons. O artigo original pode ser visto  aqui . As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.
 
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