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"D. spinifer e septemdentatus"  
Artigo publicado em 24/05/2020, última edição em 04/02/2024  



Nome em português: Caranguejo de água doce.
Nome em inglês: -
Nome científico: Dilocarcinus spinifer H. Milne Edwards, 1853 e Dilocarcinus septemdentatus (Herbst, 1783)

Origem: América do Sul, continental
Tamanho: carapaça com largura de 5,3 cm
Temperatura: 20-28° C
pH: indiferente

Dureza: indiferente
Reprodução
: especializada, todo ciclo de vida em água doce
Comportamento: agressivo
Dificuldade: fácil

 

 

Apresentação

 

Outra espécie bastante comum de caranguejo de água doce, até recentemente era considerada uma única espécie de ampla distribuição, Dilocarcinus septemdentatus. Uma tese recente (França 2022), usando ferramentas morfológicas e moleculares demonstrou tratarem-se de três espécies, sendo a mais comum e de distribuição mais ampla Dilocarcinus spinifer. 

Como curiosidade, D. septemdentatus foi  a primeira espécie de caranguejo de água doce formalmente descrita em literatura científica. A primeira citação conhecida foi de F.C. Meuschen em 1778 em um livreto conhecido pelo título abreviado de Museum Gronovianum, um catálogo de venda de coleções zoológica, botânica e mineralógica formadas por L.T. Gronovius, mencionando brevemente "Cancer Orbicularis" com procedência no "litoral americano". Meuschen voltaria a citá-lo em 1781 no índice do Zoophylacium Gronovianum, mas ambas foram rejeitados para propósitos nomenclaturais pela ICZN, em 1954. Desta forma, a primeira citação válida foi de 1783 pelo naturalista alemão Johann Friedrich Wilhelm Herbst, no primeiro volume de Naturgeschichte der Krabben und Krebse, como Cancer septemdentatus.


Etimologia: Seu nome científico tem etimologia incerta, não há menção no artigo original de Henri Milne-Edwards. Carcinus vem do grego karkinos (caranguejo), e dilo pode ter origem no grego déelos (brilhante, conspícuo), ou derivado de algum nome próprio. Algumas fontes sugerem ainda uma origem crioula, que se trate de um sufixo adaptado da fonetização do francês “de l´eau” (água). Em relação às espécies, spinifer tem origem no latim, "portador de espinhos" (spina, -fer), e septemdentatus também tem origem no latim, "com sete dentes" (septem, dens, -atus), ambas fazem alusão aos muitos espinhos na carapaça.

 



Dilocarcinus spinifer, nesta foto é bem visível os vários dentes acuminados da carapaça. Foto de Oliver Mengedoht (Panzerwelten).



Origem

            Dilocarcinus spinifer possui ampla distribuição na região norte-central da América do Sul. Ocorre na Bacia Amazônica e nas bacias costeiras do norte da América do Sul, sendo encontrado no Brasil, Suriname, Guiana Francesa e Peru. No Brasil, ocorre nos estados do Amazonas, Pará, Maranhão, Acre e Goiás.

Dilocarcinus septemdentatus é considerada atualmente a espécie com distribuição mais restrita, encontrada somente no estado do Amazonas, Brasil. A tese de França (2022) encontrou também uma espécie nova, ainda não batizada, encontrada somente no Amapá. 

Vivem em variados corpos d´água, riachos, lagos e represas, e também em terrenos que sofrem inundação periódica. Hábitos semi-aquáticos, adultos constroem tocas emersas junto às margens, contribuindo de forma significativa na erosão do solo destas regiões. Animais menores são coletados frequentemente junto às raízes de plantas flutuantes.

 


Distribuição geográfica de Dilocarcinus septemdentatus e D. spinifer (veja maiores informações no texto). Imagem original Google Maps; dados de Melo GAS 2003 e demais referências.






Dilocarcinus spinifer, animais fotografados na natureza, na Guiana. Fotos de Hervé Breton (Dipijo).



Aparência

 

Cefalotórax de altura média, arredondado e convexo. Olhos pequenos, antenas curtas, margem frontal lisa e bilobada. Grandes quelípodos, assimétricos nos machos, pernas dispostas lateralmente. 

Existem duas famílias de caranguejos de água doce no Brasil: Trichodactylidae e Pseudothelphusidae. Os primeiros podem identificados por dois detalhes: dáctilos com pêlos (ao invés de espinhos, daí seu nome), e segundo maxilópode. 

Dentro da família, existem diversos caranguejos que historicamente eram classificados como Dilocarcinus, e posteriormente separados em outros gêneros, GoyazanaFredilocarcinusMoreirocarcinus Poppiana, baseados principalmente no aspecto do gonópodo. Quase todos são praticamente idênticos numa visão dorsal, indistinguíveis para o leigo (com poucas exceções, como P. dentata). Todos possuem carapaça suborbicular, convexa, com região frontal bilobada e lisa (exceto P. dentata). Margem ântero-lateral com seis a sete dentes agudos (quase sempre seis), além do dente orbital (poucas exceções, como F. apyratii com 6, e M. laevifrons com 7-8).

Numa visão ventral do abdômen, os Goyazana podem ser separados com facilidade, pela ausência de fusão dos somitos. Os demais têm fusão parcial dos somitos, III-VI. O Dilocarcinus pagei/cristatus pode ser identificados com relativa facilidade pela presença de uma carena transversal elevada na borda anterior do terceiro segmento abdominal, em ambos sexos. Os demais não possuem esta carena, inclusive D. septemdentatus/spinifer.

A coloração pode auxiliar, embora não seja totalmente confiável. Quase todos os D. pagei/cristatus G. castelnaui têm uma cor avermelhada intensa, enquanto os demais (inclusive D. septemdentatus/spinifertêm cor mais variável, amarelada, parda ou até cinza-azulada, podendo ser avermelhados também.

A distinção morfológica das três espécies previamente consideradas como sendo D. septemdentatus é bastante difícil para um leigo. A distribuição é distinta, desta forma, a informação do local é importante.    










Dilocarcinus spinifer, as duas primeiras fotos mostrando um caranguejo macho, as demais uma fêmea. Fotos de Oliver Mengedoht (Panzerwelten).



Parâmetros de Água

 

É uma espécie robusta, bastante tolerante quanto às condições da água. Não há dados dos parâmetros dos ambientes de coleta, mas é uma espécie tropical, encontrada em locais de temperatura elevada.

 




Dilocarcinus spinifer, foto de Chris Lukhaup.




 

 
Dilocarcinus 
spinifer, uma fêmea que perdeu uma das quelas, e algumas pernas. Houve regeneração dos membros após a ecdise seguinte. Fotos de Oliver Mengedoht (Panzerwelten).




Dimorfismo Sexual

 

Como todo caranguejo, pode ser feita facilmente através da análise do abdômen, o macho possui abdômen estreito, e a fêmea, abdômen largo, onde fixa seus ovos. Os machos também têm maiores dimensões, garras mais desenvolvidas e assimétricas.





Casal de Dilocarcinus spinifer, imagens mostrando a diferença na morfologia do abdômen. Macho na primeira foto, fêmea na segunda foto. Imagens de Oliver Mengedoht (Panzerwelten).



Reprodução

Vivem em águas continentais, todo seu ciclo de vida se dá em água doce. Há poucos dados publicados, exceto a descrição de juvenis. Provavelmente têm um comportamento reprodutivo semelhante ao D. pagei, que é descrito adiante:

A cópula de dá em águas rasas, ou fora d´água, em terrenos marginais. A corte e cópula são curtas e agressivas. O macho toma a iniciativa, e segura a fêmea com suas garras, a qual rebaixa seu pleon abdominal, os dois animais ficando ventre a ventre, com o macho em cima.

Logo antes da fêmea depositar os ovos no abdômen, esta abandona a água, a desova sendo via de regra emersa. Enquanto carregam os ovos, as fêmeas preferem ficar emersas, em algum local onde a água não cubra o abdômen. Produzem poucos ovos esféricos de grandes dimensões, de cor laranja. Um trabalho descreve um número de 100 ovos, porém provavelmente a média é bem maior. Diferente de outros caranguejos, estes ovos não ficam fixos aos pleópodes abdominais, mas somente alojados em uma cavidade incubatória formada por uma depressão na face ventral da carapaça, e pelo abdômen alargado da fêmea. Desta forma, estes animais são bastante sensíveis a estresse nesta fase, abandonando os ovos em contato com alguma ameaça.

Apresentam desenvolvimento pós-embrionário direto, também chamado epimórfico, onde as fases larvais completam-se ainda dentro do ovo. Na eclosão são liberados indivíduos juvenis, já com características semelhantes ao adulto. Provavelmente apresentam cuidado parental estendido, os filhotes se alojando na mesma cavidade onde se localizavam os ovos. Os juvenis recém-nascidos têm uma largura da carapaça de 1,6 mm.

 



 

 


Cópula de Dilocarcinus spinifer. Foto de Oliver Mengedoht (Panzerwelten).







Fêmea ovada de Dilocarcinus spinifer, ovos em estágio inicial nas duas primeiras imagens, e mais avançado nas seguintes. Fotos de Oliver Mengedoht (Panzerwelten).



Comportamento

 

Embora sejam animais aquáticos, tem hábitos anfíbios, suportando algum tempo fora d´água, principalmente se houver umidade. Fugas são bastante frequentes, o aquário deverá ser sempre mantido bem tampado. Passam mais tempo fora d´água do que outros caranguejos dulcícolas, em especial no período reprodutivo, se beneficiando de um aquaterrário.

São mais agressivos do que outras espécies, não sendo recomendada a sua manutenção com outros animais. Mesmo entre indivíduos da mesma espécie, pode haver predação de animais menores. Plantas tenras costumam ser devoradas também.

Adultos são escavadores, não são indicados para tanques com substrato fértil, ou com layout ornamental. Adultos têm hábitos noturnos, e costumam ficar entocados até anoitecer, jovens são mais ativos durante o dia.

Como os demais crustáceos, tornam-se vulneráveis após a ecdise, e podem ser predados por outros animais. Por este motivo, nesta época permanecem entocados, até a solidificação completa da carapaça.



 



Casal de Dilocarcinus spinifer em um paludário. Fotos de Oliver Mengedoht (Panzerwelten).




Alimentação

 

São onívoros, com importante componente vegetal na dieta. Não são nada exigentes quanto à alimentação, comendo desde algas, animais mortos a ração dos peixes. Caçam pequenos invertebrados, e podem se alimentar também de plantas com folhas tenras.





Dilocarcinus spinifer alimentando-se. Fotos de Oliver Mengedoht (Panzerwelten).




Bibliografia:

  • Magalhães C. Famílias Pseudothelphusidae e Trichodactylidae. In: Melo GAS. Manual de Identificação dos Crustacea Decapoda de água doce do Brasil. São Paulo: Editora Loyola, 2003.
  • Magalhães C, Türkay M. Taxonomy of the Neotropical freshwater crab family Trichodactylidae. IV. The genera Dilocarcinus and Poppiana (Crustacea: Decapoda: Trichodactylidae). Senckenbergiana Biologica, v.88, p. 185-215, 2008.
  • Rodríguez G. The Freshwater Crabs of America: Family Trichodactylidae and Supplement to the Family Pseudothelphusidae. Paris, Editions ORSTOM, 189p. 1992 (Collection Faune Tropicale 31).
  • Magalhães C, Pereira G. Assessment of the decapod crustacean diversity in the Guayana Shield region aiming at conservation decisions. Biota Neotrop. 2007; 7(2).
  • Santos CRM dos, Vieira RRR. Description of the first juvenile stage of Dilocarcinus septemdentatus (Herbst, 1783) (Crustacea, Decapoda, Trichodactylidae). Nauplius. 2017; 25: e2017031.
  • Milne-Edwards H. 1853. Mémoire sur la famille des Ocypodiens. Annales du Science Naturelles, Zoologie, 3(20): 163–226.
  • França NFC. (2022). Variabilidade morfológica e genética dos caranguejos neotropicais Dilocarcinus pagei Stimpson, 1861 e D. septemdentatus (Herbst, 1783) (Decapoda, Trichodactylidae). Tese de Doutorado, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto.


 

Agradecimentos aos colegas Oliver Mengedoht (Alemanha, administrador do portal  Panzerwelten , sobre caranguejos) e Hervé Breton (Guiana Francesa, blog  Dipijo ) por nos permitir usar suas fotos no artigo.

 
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