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"Melothelphusa"  
Artigo publicado em 31/05/2020, última edição em 06/09/2023  

Caranguejo de Água Doce – Melothelphusa spp.

 

 

 

Nome em português: Caranguejo de água doce, Caranguejo de rio.
Nome em inglês: -
Nome científico: Melothelphusa spp. Pedraza, Magalhães & Tavares, 2016

Origem: Brasil, Mato Grosso
Tamanho: carapaça com largura de até 6,5 cm (M. dardanelosensis) 3,5 cm (M. apiaka)
Temperatura: 25-34° C

pH: ácido

Dureza: mole
Reprodução
: especializada, todo ciclo de vida em água doce
Comportamento: agressivo
Dificuldade: fácil

 

 

Apresentação

 

Existem duas famílias de caranguejos de água doce no Brasil: Trichodactylidae e Pseudothelphusidae. O número total de pseudotelfusídeos existentes é maior (em torno de 300, contra cerca de 50 tricodactilídeos), mas no Brasil são bem mais raros, representados por atualmente 17 espécies. São caranguejos tipicamente encontrados em regiões montanhosas, sendo descritos do norte do México ao Brasil, bastante numerosos ao longo da cadeia montanhosa dos Andes. Porém, no Brasil, ocorrem quase exclusivamente nas planícies da Bacia Amazônica, relacionados a rios, ou a pequenos igarapés na floresta da terra firme.

Pseudotelfusídeos têm um alto grau de endemismo, ocorrendo em áreas geográficas pequenas com pouca sobreposição entre as espécies. O gênero endêmico brasileiro Melothelphusa foi erigido em 2016, para descrever a espécie nova M. apiacas, e também  acomodar M. dardanelosensis, que previamente era classificada no gênero Brasiliothelphusa.

 

Melothelphusa apiaka Pedraza, Tavares & Magalhães, 2016

Melothelphusa dardanelosensis (Magalhães & Türkay, 2010)


 

 

Devido à sua abundância, estes animais são importante componente da cadeia trófica de ambientes dulcícolas. Comestíveis, são também relevante fonte de alimentação para populações ribeirinhas e indígenas.

Muitos pseudotelfusídeos também têm importância por serem vetores de verminoses pulmonares do gênero Paragonimus (distomatose pulmonar ou hemoptise parasitária), mas ainda não foram registrados em caranguejos no nosso país. Os Melothelphusa podem ser considerados vetores potenciais, mas de importância epidemiológica secundária. Embora sejam comuns, raramente são vistos no comércio aquarístico, por serem agressivos e sem muito apelo estético.
            Etimologia: Melothelphusa é uma homenagem ao renomado biólogo carcinólogo Gustavo A. S. de Melo, no prefixo, e com o sufixo thelphusa,  para "caranguejo de água doce". Em relação às espécies, apiacas tem sua origem na tribo indígena Apiaká, que dá nome a Apiacás, cidade onde foi coletado o espécime-tipo, enquanto que dardanelosensis refere-se à Cachoeira de Dardanelos, também onde foi coletado o espécime-tipo.





Rio Aripuanã, pouco acima da Cachoeira de Dardanelos, local onde foi coletado o Melothelphusa dardanelosensis. Foto do J. Zuanon. Imagem extraída de Magalhães & Türkay, Nauplius 2010 (Licença Creative Commons).

 

Origem

            Melothelphusa é um gênero endêmico brasileiro, no momento com duas espécies conhecidas, ambas encontradas no estado do Mato Grosso. Trata-se de espécies com descrição recente, com registros somente nos locais onde foram descritos:
             Melothelphusa dardanelosensis foi coletado nas Cachoeiras de Dardanelos e Andorinhas, alto Rio Aripuanã, noroeste do Mato Grosso. Foi encontrado em locais de substrato rochoso ou arenoso e riqueza de macrófitas. Trata-se de um local ameaçado pela proposta de construção de uma usina hidrelétrica a montante, impactando o fluxo de água na região das cachoeiras.

            Melothelphusa apiaka é encontrado no norte do Mato Grosso próximo à divisa com Pará, na área interfluvial entre os rios Juruena e São Manuel.

             As fotos dos animais deste artigo foram feitas nas áreas preservadas do Cristalino Lodge, um hotel de ecoturismo em Alta Floresta, Mato Grosso. Trata-se da mesma bacia, mas localização sem registro formal de Melothelphusa. Não se sabe ainda se trata-se de uma das duas espécies conhecidas, ou uma terceira.


 

 


Distribuição geográfica dos caranguejos do gênero Melothelphusa que ocorrem no Brasil. Os exemplares fotografados no Parque Cristalino estão identificadas no mapa como Melothelphusa sp. Imagem original Google Maps; dados extraídos de Pedraza-Mendoza 2015.



Aparência

 

Cefalotórax de altura média, elipsóide, com a margem anterior mais larga. Olhos pequenos, antenas curtas. Grandes quelípodos, discretamente assimétricos. Pernas dispostas lateralmente.

Pseudotelfusídeos podem ser diferenciados dos tricodactilídeos por dois detalhes: dáctilos com espinhos (ao invés de pelos), e segundo maxilópode. Dentro da família, a identificação dos diferentes gêneros e espécies é bastante difícil, baseada essencialmente na morfologia do gonópodo (apêndice sexual masculino). Exemplares fêmeas e juvenis não podem ser identificados com segurança além do gênero. Isto explica a grande confusão existente entre as diversas espécies, espécies descritas sendo consideradas sinonímias, e espécies previamente consideradas não-válidas sendo re-validadas. Obviamente isto também torna a identificação destas espécies extremamente difícil para o leigo.

A distribuição dos Melothelphusa auxilia a identificação, já que são os únicos pseudotelfusídeos presentes na região do Mato Grosso, exceto pelo Fredius reflexifrons. Em relação às duas espécies conhecidas, há uma diferença nas suas dimensões, M. dardanelosensis é uma espécie maior, com largura da carapaça de até 6,5 cm, enquanto M. apiaka mede somente 3,5 cm.





Melothelphusa dardanelosensis, macho holotipo, fotos do Senckenberg-Museum S. Tränkner. Imagens extraídas de Magalhães & Türkay, Nauplius 2010 (Licença Creative Commons).



Uma recente tese do Dr. Pedraza-Mendoza (2015) descreve alguns sinais auxiliares, mas cuja acurácia ainda não é claramente estabelecida. As informações seguintes são sintetizadas para auxiliar a diferenciar as duas espécies de Melothelphusa entre si, e com o Fredius reflexifrons, com ocorrência próxima. Incluimos também o Brasiliothelphusa que tem algumas similaridades, com distribuição um pouco mais ao norte (lembrando que M. dardanelosensis era inicialmente classificada como Brasiliothelphusa):

  • Somente no Fredius reflexifrons a região pterigostomial da carapaça é recoberta por rica pubescência, tão abundante que não permite distinguir sua superfície. Nos demais, há escassa pubescência.
  • Somente no Brasiliothelphusa tapajoense a margem lateral da carapaça é interrompida anteriormente por um entalhe pouco profundo denominado "entalhe pós-orbital". Contorno da margem inferior orbitária retilíneo na porção mesial somente no F. reflexifrons (recurvada nos demais).
  • A margem superior da fronte é proeminente e carenada em B. tapajoense. Esta é proeminente mas sem carena em F. reflexifrons e M. dardanelosensis (ornamentada por tubérculos somente no primeiro), e a margem é completamente indistinta em M. apiaka. A margem inferior da fronte é retilínea somente no B. tapajoense (sinuosa nos demais). Fossa antenular (recesso entre a fronte e epistoma, onde estão as antênulas) estreita somente no F. reflexifrons. Nas demais é ampla, com as antênulas facilmente visíveis.

  • Quela se fechando com amplo hiato em B. tapajoense e M. dardanelosensis (sem hiato nos demais). Há uma carena na porção média da superfície lateral do dedo móvel somente no F. reflexifrons.

A tese descreve diversos outros sinais, mas de avaliação difícil para o não-especialista. Para maiores informações, sugerimos a leitura da tese (veja bibliografia).







Melothelphusa sp., fotografado no Parque Estadual Cristalino, em Alta Floresta (MT). Fotos de Richard C. Hoyer.



Parâmetros de Água

 

Não há informações especificas, mas sabe-se que são animais bastante robustos, encontradas em águas ácidas e moles. São espécies tropicais, preferindo temperaturas mais altas.

 

 

Dimorfismo Sexual

 

Como todo caranguejo, pode ser feita facilmente através da análise do abdômen, o macho possui abdômen estreito, e a fêmea, abdômen largo, onde fixa seus ovos.





Melothelphusa sp., fotografado no Parque Estadual Cristalino, em Alta Floresta (MT). Note a margem superior da fronte carenada, mas sem entalhe pós-orbital, não preenchendo critérios de identificação para nenhuma das duas espécies conhecidas de Melothelphusa. Foto de Richard C. Hoyer.

 



Melothelphusa sp. fotografada à noite em um riacho do Parque Estadual Cristalino, em Alta Floresta (MT). Fotos de Richard C. Hoyer.





Reprodução

Todo seu ciclo de vida se dá em água doce. As informações sobre a reprodução dos pseudotelfusídeos é bastante escassa, existe uma única descrição em espécies do gênero Kingsleya.

O que se sabe é que o padrão é semelhante aos tricodactilídeos, com poucos ovos de grandes dimensões, apresentam desenvolvimento pós-embrionário direto, onde as fases larvais completam-se ainda dentro do ovo. Na eclosão são liberados indivíduos já com características semelhantes ao adulto. Muito provavelmente (assim como ocorre com os Kingsleya) há cuidado parental, os jovens são protegidos e carregados pelas fêmeas sob o abdome após o nascimento.

 


Melothelphusa sp. fotografada no Parque Estadual Cristalino, em Alta Floresta (MT). Fotos de Richard C. Hoyer.



Comportamento

 

Os pseudotelfusídeos são caranguejos semi-terrestres. Não necessitam vir à superfície para respirar, mas preferem habitats onde possam encontrar terra firme para procurar alimentos e construir suas tocas. Relatos de criação em cativeiro destes caranguejos são quase inexistentes, toleram a manutenção submersa em aquários, mas possivelmente seriam mais bem acomodados em aquaterrários. Fugas são bastante frequentes, o tanque deverá ser sempre mantido bem tampado.

Agressivos e territoriais, frequentemente mostram quelas amputadas na natureza. Porém, há relatos de criação bem sucedida com peixes pequenos, inclusive de fundo. Pequenos invertebrados bentônicos fazem parte da sua dieta, como caramujos, e serão rapidamente predados. Plantas tenras também são devoradas avidamente. Por serem escavadores, não são indicados para tanques com substrato fértil, ou com layout ornamental. Hábitos noturnos, costumam ficar entocados até anoitecer.

Como os demais crustáceos, tornam-se vulneráveis após a ecdise, e podem ser predados por outros animais. Por este motivo, nesta época permanecem entocados, até a solidificação completa da carapaça.

 

 

Alimentação

 

Poucos dados existem quanto aos hábitos alimentares destes pseudotelfusídeos. Sabe-se que são onívoros, pouco seletivos, se alimentando de plantas mortas, carcaças de animais e caçando pequenos invertebrados.


 

 

 

Bibliografia:

  • Magalhães C. Famílias Pseudothelphusidae e Trichodactylidae. In: Melo GAS. Manual de Identificação dos Crustacea Decapoda de água doce do Brasil. São Paulo: Editora Loyola, 2003.
  • Rodrígues G, Magalhães C. Recent advances in the biology of the Neotropical freshwater crab family Pseudothelphusidae (Crustacea, Decapoda, Brachyura). Rev. Bras. Zool. 2005 June; 22(2): 354-365.
  • Alves STM, Abrunhosa FA, Lima JF. Foregut morphology of Pseudothelphusidae and Trichodactylidae (Decapoda: Brachyura) from northeastern Pará, Brazil. Zoologia (Curitiba, Impr.). 2010 Apr; 27(2): 228-244.
  • Magalhães C. 1986. Revisão taxonômica dos caranguejos de água doce brasileiros da família Pseudothelphusidae (Crustacea, Decapoda). Amazoniana, 9(4): 609-636.
  • Wehrtmann IS, Magalhães C, Hernáez P, Mantelatto FL. Offspring production in three freshwater crab species (Brachyura: Pseudothelphusidae) from the Amazon region and Central America. Zoologia 27 (6): 965–972, December, 2010.
  • Siqueira-Batista R, Gomes AP, Albuqueque VS, Pina-Costa A, Rocha-Mello A, Guimarães-Pereira E, Ramos-Oliveira F, Rubião ECN. História natural da infecção por Paragonimus: abordagem clínica e ecológica. Pulmão RJ 2006; 15(4): 270-276.
  • Pedraza-Mendoza ME. Morfologia, taxonomia e análise cladística da tribo Kingsleyini Bott, 1970 (Crustacea: Decapoda: Pseudothelphusidae). Tese (Doutorado em Sistemática, Taxonomia Animal e Biodiversidade) - Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2015.
  • Magalhães C, Türkay M. 2010. A new freshwater crab of the genus Brasiliothelphusa Magalhães and Türkay, 1986 from Rio Aripuanã, southern Amazon Region, Brazil (Decapoda: Pseudothelphusidae). Nauplius, 18(2): 103-108
  • Pedraza M, Tavares M, Magalhães C. A New Genus of Freshwater Crab of the Tribe Kingsleyini Bott, 1970 (Crustacea: Decapoda: Brachyura: Pseudothelphusidae) With Description of a New Species From Mato Grosso, Brazil. Zootaxa. 2016 Oct 2; 4173(1): 94-100.




Agradecimentos ao colega norte-americano Richard C. Hoyer pela cessão das fotos para o artigo. Richard é Líder Sênior do Grupo de Observação de Pássaros WINGS. Visite seu Blog  aqui . Agradecemos também a Jairo Maldonado (Colômbia) por valiosas informações sobre a manutenção em aquários.



As fotografias extraídas de Magalhães & Türkay, Nauplius 2010 estão licenciadas sob uma  Licença Creative Commons . As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.
 
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