Lagostim-de-água-doce
– Parastacus pilimanus
Nome
em português: Lagostim-de-água-doce
Nome em inglês: -
Nome científico: Parastacus pilimanus (von Martens, 1869)
Origem:
Brasil (RS), Uruguai e Argentina
Tamanho:
até 10 cm
Temperatura: 12-21° C
pH: indiferente
Dureza: indiferente
Reprodução: especializada,
todo ciclo de vida em água doce
Comportamento: pacífico
Importante!!
O Parastacus pilimanus não é mencionado nas espécies listadas como em risco na Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção
publicada em Dezembro de 2014 pelo Ministério
do Meio Ambiente (MMA), ou na lista de espécies do estado do Rio Grande do Sul, publicado pelo MMA em 2014. A página oficial do IUCN lista esta espécie como "não-ameaçada" (LC). Porém, um consenso de especialistas publicou um artigo avaliando o estado de conservação dos lagostins sul-americanos (Almerão MP, et al. 2014), onde a espécie é mencionada na categoria IUCN "dados
deficientes" (DD).
Desta
forma, a rigor, sua coleta e manutenção em cativeiro são legalmente
permitidas, mas sugerimos fortemente que não sejam feitas, dada a
escassez de informações sobre o real estado de conservação desta
espécie.
|
Apresentação
Os Lagostins dulcícolas brasileiros
são um grupo bastante peculiar de decápodes, com particularidades que os tornam
bastante distintos dos Lagostins mais comumente encontrados como animais de
aquário. Existem cerca de uma dúzia de espécies de Lagostins de água doce no Brasil, todos do gênero Parastacus, muitas espécies recentemente descritas (veja a lista completa aqui ). Embora sejam chamados de
“aquáticos”, na realidade são espécies escavadoras, que passam boa parte da sua
vida enterrada em tocas construídas em terrenos úmidos e alagados.
Têm uma distribuição bastante
restrita no país, sendo encontrados somente nas planícies do extremo
sul (estados de RS e SC, bem mais comum no primeiro), habitando
preferencialmente áreas pantanosas e margens de pequenos córregos.
Nestas espécies brasileiras, existem dois padrões distintos de
comportamento e modo-de-vida: as espécies chamadas de “fossoriais”, que escavam
tocas profundas em locais pantanosos, vivendo em bolsões de água com baixa
oxigenação no fundo destas tocas; e as espécies que habitam locais marginais de
pequenos riachos de fraca correnteza, ocultos em meio aos detritos, raízes da
vegetação ciliar, ou escavando tocas mais superficiais.
O Parastacus pilimanus pertence
ao primeiro grupo (“fossoriais”), e é a segunda espécie mais freqüentemente
encontrada no Brasil.
Etimologia: O nome Parastacus vem do nome de outro gênero de lagostins dulcícolas da
Eurásia, Astacus (do grego αστακός, astacós, significa lagosta ou lagostim), com o prefixo
grego para (junto com, além de, alterado,
contrário). Os Parastacus eram
originalmente classificados como Astacus.
E pilimanus significa “mãos com
pelos”, do latim pili (plural de pilus, cabelo) e manus (mão).
Origem
O Parastacus pilimanus é uma espécie encontrada no Brasil
(somente no estado do RS), Uruguai e Argentina. No RS, é comum nas bacias da
depressão central que formam o Lago e Estuário do Guaíba, mas também ocorre na
bacia do Rio Uruguai, especialmente junto a tributárias do Rio Ibicuí.
Distribuição geográfica de Parastacus pilimanus. Imagem
original Google Maps; dados de Buckup L. In: Melo GAS. 2003.
Aparência
Seu aspecto
lembra bastante os demais lagostins límnicos, com o corpo cilíndrico, primeiro
par de patas adaptadas na forma de robustas quelas, um abdômen longo e
musculoso terminando em urópodos dispostos em um leque caudal. Pernas
ambulatórias dispostas lateralmente, além das garras maiores, os dois primeiros
pares ambulatórios também possuem pequenas quelas.
Porém, uma
análise mais minuciosa mostra algumas adaptações para seus hábitos escavadores,
tendo um abdômen relativamente curto, devido à perda da sua importância como
estrutura locomotora. Os quelípodos são curtos e globosos, e os dáctilos se
movem em um plano vertical, para maior eficácia durante o processo de escavação
e transporte de material.
Coloração numa
tonalidade marrom, com a porção interna das quelas alaranjada ou avermelhada. As chaves de identificação mais recentes sugerem excluir inicialmente P. varicosus e P. saffordi das demais, dado que ambas possuem três características peculiares. O P. pilimanus e demais espécies brasileiras possuem estas características: extremidade anterior da carena pós-orbital não terminando em um espinho, aréola não delimitada por carenas, e lobo basal do exopodito dos urópodos sem espinho. Daí avalia-se a margem posterior do telso, arredondada na presente espécie. Segue-se a análise dos pêlos nos quelípodos, excluindo-se P. pilicarpus que possui tufos de longos pêlos no carpo distal. O passo seguinte é verificar a presença de tufos de longos pêlos nas margens cortantes dos dedos da quela, separando o P. pilimanus e P. laevigatus dos demais. Estas duas espécies podem ser separadas pela distribuição (RS na primeira e SC na segunda), além da presença de carena pós-orbital proeminente no Parastacus pilimanus. Pode ser confundido com outras espécies brasileiras
com pêlos nas mãos, como o P. laevigatus e P. saffordi, mas pode ser distinguido pela presença de pêlos na face externa das quelas (estas outras duas espécies têm pêlos somente na face interna, além de terem uma pilosidade bem menos exuberante), e pela presença de tubérculos na quela.
Parastacus pilimanus, imagens gentilmente cedidas por Marcelo Marchet Dalosto. A primeira imagem do artigo também é deste animal, de sua autoria.
Parâmetros
de Água
Habitam locais
variados, podem ser encontrados tanto em locais pantanosos e relativamente
distante de grandes corpos d´água (como o P.
defossus) quanto em margens de riachos (como o P. brasiliensis). Desta forma, são mais tolerantes a diferentes
parâmetros ambientais. Entretanto, como todos os demais Parastacus, são sensíveis a altas temperaturas, uma causa comum de
insucesso na sua manutenção em cativeiro. A temperatura média dos locais de
coleta é de cerca de 17º C.
Parastacus pilimanus, fotografado em Caçapava do Sul, RS. Imagem gentilmente cedida por Lúcia S. L. Safi.
Dimorfismo Sexual e Reprodução
Todos os Parastacus
brasileiros são intersexuados, apresentando orifícios genitais
masculinos e femininos no indivíduo adulto, poro genital masculino no
coxopodito do pereiópodo 5, e poro feminino no coxopodito do pereiópodo 3. O P. pilimanus mostra um padrão de intersexualidade
permanente, ao contrário de alguns outros Parastacus
brasileiros, onde há hermafroditismo.
Todos os lagostins têm fertilização externa. Durante a
cópula, o macho deposita seu espermatóforo na superfície ventral da fêmea.
Quando os oócitos maduros são liberados através dos gonóporos femininos, o
espermatóforo se dissolve e os espermatozóides ficam livres. Os oócitos são
então fertilizados externamente, e são agrupados em uma massa que é fixada aos
pleópodos por uma substância adesiva.
Produzem ovos de grandes dimensões,
apresentam desenvolvimento pós-embrionário direto, onde as fases larvais
completam-se ainda dentro do ovo. Próximo à eclosão, há mudança na coloração
dos ovos, que se tornam alaranjados. Nesta etapa, também é possível observar o
embrião quase que totalmente formado no interior do ovo. Na eclosão são
liberados indivíduos já com características semelhantes ao adulto, sem fase
larval.
O tempo estimado de incubação dos ovos do P. pilimanus é de 40 a 50 dias. Há cuidado
parental, mesmo após o nascimento, os filhotes permanecem fixos aos pleópodos
da mãe por cerca de uma ou duas semanas (2 a 3 mudas), até ficarem independentes. Mesmo
após este tempo, há dependência parcial dos juvenis, realizam pequenos
incursões pelo ambiente, mas voltam rapidamente para junto da mãe ao menor
sinal de perigo. Juvenis dos Parastacidae permanecem presos aos pleópodos da
fêmea com ganchos presentes no dáctilo dos pereiopodos 4 e 5. Na primeira fase
juvenil após o nascimento, um mecanismo auxiliar de fixação é um filamento
originário da cutícula embrionária. Na fase de juvenil III, o animal perde os
ganchos e se torna independente. São diferentes dos Astacidae e Cambaridae, do
Hemisfério Norte, que usam as quelas maiores para a fixação.
Diferente dos Cambarídeos, quando os juvenis se abrigam
junto à mãe, eles não o fazem retornando aos seus pleópodes. Também não há mudança postural do abdômen da mãe, para facilitar o retorno dos juvenis, como visto nos Cambaridae. O mais provável é que isto seja
uma adaptação aos seus hábitos escavadores, dentro de suas tocas não há a
necessidade de uma ação protetora tão exacerbada.
Parastacus pilimanus em seu habitat natural, fotos de Tailise Marques Dias.
Parastacus pilimanus, exemplar fotografado no Uruguai. Foto de Chris Lukhaup.
Comportamento
Não é uma espécie francamente fossorial como o P. defossus, mas possui um hábito
escavatório bastante exacerbado dentre os Parastacus
brasileiros. Constroem tocas complexas em áreas paludosas e alagadas, e
eventualmente em barrancos
marginais de riachos.
São túneis
ramificados, com entre 3 a 7 aberturas na superfície do solo, de 5 a 10 cm de diâmetro, que
convergem num túnel principal que desce até atingir o lençol freático,
terminando numa galeria central única e de diâmetro maior, chamada de “câmara
habitacional”. Nesta galeria é visto um grande bolsão de água, e é onde coexistem
indivíduos de diferentes gerações numa mesma habitação. As galerias têm
profundidade variável, dependendo da proximidade do corpo d´água permanente e
profundidade do lençol, geralmente são rasas (cerca de 30 cm), mas podem
atingir dois metros.
A periferia das aberturas é freqüentemente elevada pela construção
de torres cônicas ou chaminés argilosas protetoras, que circundam suas
aberturas, formadas por um acúmulo de sedimento removido pelo lagostim durante
a escavação. Entretanto, estas chaminés parecem ter um papel também funcional,
visando impedir o alagamento excessivo das tocas com água das enchentes ou da
chuva.
Passam a maior
parte da vida abaixo da superfície, nestas galerias subterrâneas, sendo chamados
por alguns de cavadores ou escavadores primários. Podem
sair à noite para partir em busca de alimento nos ambientes emersos paludosos
mais próximos. Como os demais crustáceos, tornam-se vulneráveis após a ecdise, e podem ser predados por outros
animais. Por este motivo, nesta época permanecem entocados, até a solidificação
completa da carapaça.
Uma informação
interessante é sobre a sua agressividade. Ao contrário das espécies de
lagostins mais comumente encontradas como animais ornamentais, os Parastacus são espécies pouco
agressivas, possivelmente uma adaptação evolutiva para seu modo de vida
escavatório, muitas vezes com colônias de vários indivíduos habitando uma mesma
toca, em contraste com as demais espécies de “águas abertas”. Isto é
particularmente evidente nas espécies mais fossoriais, como o P. pilimanus.
Esta baixa
agressividade é observada também entre indivíduos de dimensões/gerações
distintas, estudos indicam que o canibalismo é pouco ou inexistente nesta espécie,
refletindo seu hábito gregário e de muitos indivíduos de diferentes gerações
habitando a mesma toca. Um achado bastante contrastante com os hábitos
agressivos e canibais de lagostins de águas abertas.
Um levantamento realizado em 2016 detectou um exemplar selvagem de Parastacus pilimanus coletado em Eldorado do Sul (RS) com o DNA de Aphanomyces astaci detectado por PCR em baixo nível (A2). Trata-se do fungo causador da "Praga do Lagostim", responsável pela dizimação de boa parte da população nativa de lagostins europeus.
Curso d´água onde foram localizados tocas de Parastacus pilimanus, imagens gentilmente cedidas por Marcelo Marchet Dalosto.
Alimentação
Estes animais são onívoros oportunistas, sendo que a dieta
consiste principalmente de detritos de origem vegetal.
Parastacus pilimanus, criado em um aquário durante um experimento. Foto gentilmente cedida por Marcelo Marchet Dalosto.
Manutenção em cativeiro
Como já mencionado, o Parastacus
pilimanus não é uma espécie listada na relação da fauna nativa ameaçada de
extinção, nacional ou estadual. Mesmo o website oficial da IUCN lista esta espécie como "LC" (não-ameaçada). Porém, uma avaliação feita por um consenso de especialistas em 2014 considerou a espécie como sendo "DD" (dados deficientes). Desta forma, sugere-se que esta espécie não seja coletada na
natureza, ou criada em aquários, ao menos por ora.
Bibliografia:
- Buckup L. Família Parastacidae. In: Melo GAS. Manual de
Identificação dos Crustacea Decapoda de água doce do Brasil. São Paulo:
Editora Loyola, 2003.
- Buckup L, Noro CK, Bond-Buckup G. Os “Lagostins-da-Água-Doce” da
Bacia do Guaiba – Um Caso de Endemismo no Sul do Brasil (Crustacea,
Parastacidae); CD I Mostra de Trabalhos Técnicos, Cientificos e
Comunitarios; 2004; I Mostra de Trabalhos Técnicos, Cientificos e
Comunitarios, Porto Alegre, BR.
- Noro CK. A História natural de Parastacus defossus Faxon,
1898 um lagostim fossorial do Brasil meridional (Crustacea, Decapoda,
Parastacidae). 2007. Tese (Doutorado em Biologia Animal) - Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.
- Horn AC. Estudos sobre a morfologia de Parastacus brasiliensis
(von Martens, 1869) (Crustacea, Decapoda, Parastacidae). 2003. Dissertação
(Mestrado em Biologia Animal) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
- Barcelos DF. Morfologia externa de Parastacus defossus
Faxon, 1898 (Crustacea, Decapoda, Parastacidae). 2007. Tese (Mestrado em
Biologia Animal) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
- Castiglioni DS. Biologia reprodutiva do lagostim Parastacus
varicosus Faxon, 1898 (Decapoda : Parastacidae) da Bacia do Rio
Gravataí, Rio Grande do Sul. 2006. Tese (Mestrado em Biologia Animal) -
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
- Castiglioni DS. Adaptações metabólicas de Parastacus defossus
Faxon, 1898 e Parastacus brasiliensis (von Martens, 1869)
(Crustacea, Decapoda, Parastacidae). 2010. Tese (Doutorado em Biologia
Animal) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
- Rudolph E, Almeida A. On
the sexuality of South American Parastacidae (Crustacea, Decapoda). Invertebrate
Reproduction and Development. 01/2000; 37:249-257.
- Dalosto MM, Palaoro AV,
Costa JR, Santos S. Aggressiveness and life underground: the case of
burrowing crayfish. Behaviour 150 (2013) 3–22.
- Rudolph EH, Verdi AC.
Intersexuality in the burrowing crayfish, Parastacus pilimanus (Von Martens, 1869) (Decapoda, Parastacidae).
Crustaceana, Volume
83, Number 1, 2010 , pp. 73-87.
- Dalosto MM, Palaoro AV,
Santos S. (2012) Mother-offspring relationship in the Neotropical
burrowing crayfish Parastacus
pilimanus (von Martens, 1869) (Decapoda: Parastacidae). Crustaceana, 85 (11): 1305-1315.
- http://www.al.rs.gov.br/filerepository/repLegis/arquivos/DEC%2051.797.pdf
-
http://www.icmbio.gov.br/portal/biodiversidade/fauna-brasileira/
- Almerão
MP, Rudolph E, Souty-Grosset C, Crandall K, Buckup L, Amouret J, Verdi A,
Santos S, Araujo PB. (2015) The native South American crayfishes (Crustacea,
Parastacidae): state of knowledge and conservation status. Aquatic
Conservation: Marine and Freshwater Ecosystems 25:10.1002/aqc.v25.2,
288-301.
- Buckup, L. 2010. Parastacus pilimanus. The IUCN Red List of Threatened Species 2010:
e.T153691A4532526. http://dx.doi.org/10.2305/IUCN.UK.2010-3.RLTS.T153691A4532526.en
. Downloaded on 14 September 2015.
- Peiró DF, Almerão MP, Delaunay C, Jussila J, Makkonen J, Bouchon D, Araujo PB, Souty-Grosset C. First detection of the crayfish plague pathogen Aphanomyces astaci in South America: a high potential risk to native crayfish. Hydrobiologia 781, 181–190 (2016).
- Peiró DF, Almerão MP, Delaunay C, Jussila J, Makkonen J, Bouchon D, Araujo PB, Souty-Grosset C. First detection of the crayfish plague pathogen Aphanomyces astaci in South America: a high potential risk to native crayfish. Hydrobiologia 781, 181–190 (2016).
- Peiró DF, Almerão MP, Delaunay C, Jussila J, Makkonen J, Bouchon D, Araujo PB, Souty-Grosset C. First detection of the crayfish plague pathogen Aphanomyces astaci in South America: a high potential risk to native crayfish. Hydrobiologia 781, 181–190 (2016).
- Rogers DC, Magalhães C, Peralta M, Ribeiro FB, Bond-Buckup G, Price WW, Guerrero-Kommritz J, Mantelatto FL, Bueno A, Camacho AI, González ER, Jara CG, Pedraza M, Pedraza-Lara C, Latorre ER, Santos S. Chapter 23 - Phylum Arthropoda: Crustacea: Malacostraca. In: Thorp and Covich's Freshwater Invertebrates (Fourth Edition), Editors: D. Christopher Rogers, Cristina Damborenea, James Thorp. Academic Press, 2020. p. 809-986.
Este artigo só foi possível com a colaboração do zoólogo Dr. Marcelo Marchet Dalosto (Laboratório
de Carcinologia, Universidade Federal de Santa Maria, RS), que cedeu
fotos da sua pesquisa e forneceu uma inestimável consultoria na
elaboração do artigo. Agradecemos também ao Prof. Dr. Sandro Santos (seu orientador) pela apoio, e às biólogas Dra. Tailise Marques Dias e Dra. Lúcia S. L. Safi pelo uso das suas fotos.
|