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Parastacus defossus  
Artigo publicado em 06/02/2013, última edição em 27/12/2020  


Parastacus defossus, foto de Daiana Castiglioni.


Lagostim-escavador – Parastacus defossus

 

Nome em português: Lagostim-escavador
Nome em inglês: -
Nome científico: Parastacus defossus Faxon, 1898

Origem: Brasil (região central do RS) e Uruguai

Tamanho: até 7 cm
Temperatura: 17-23° C
pH: ácido

Dureza: indiferente
Reprodução
: especializada, todo ciclo de vida em água doce
Comportamento: pacífico

 

 

 

 

Importante!!

 

            O Parastacus defossus não é mencionado nas espécies listadas como em risco na Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção publicada em Dezembro de 2014 pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), ou na lista de espécies do estado do Rio Grande do Sul, publicado pelo MMA em 2014. A página oficial do IUCN lista esta espécie como "dados deficientes" (DD). Porém, um consenso de especialistas publicou um artigo avaliando o estado de conservação dos lagostins sul-americanos (Almerão MP, et al. 2014), onde a espécie é mencionada na categoria IUCN "quase ameaçada" (NT). Destaca-se que foi a única espécie brasileira categorizada desta forma, as demais receberam a avaliação como DD.

            Desta forma, a rigor, sua coleta e manutenção em cativeiro são legalmente permitidas, mas sugerimos fortemente que não sejam feitas, dada que a espécie mostra sinais de risco, apesar de ainda não preencher critérios para ser considerada como ameaçada.

 

 

Apresentação

Os Lagostins dulcícolas brasileiros são um grupo bastante peculiar de decápodes, com particularidades que os tornam bastante distintos dos Lagostins mais comumente encontrados como animais de aquário. Existem cerca de uma dúzia de espécies de Lagostins de água doce no Brasil, todos do gênero Parastacus, muitas espécies recentemente descritas (veja a lista completa   aqui ). Embora sejam chamados de “aquáticos”, na realidade são espécies escavadoras, que passam boa parte da sua vida enterrada em tocas construídas em terrenos úmidos e alagados.

Têm uma distribuição bastante restrita no país, sendo encontrados somente nas planícies do extremo sul (estados de RS e SC, bem mais comum no primeiro), habitando preferencialmente áreas pantanosas e margens de pequenos córregos.

Nestas espécies brasileiras, existem dois padrões distintos de comportamento e modo-de-vida: as espécies chamadas de “fossoriais”, que escavam tocas profundas em locais pantanosos, vivendo em bolsões de água com baixa oxigenação no fundo destas tocas; e as espécies que habitam locais marginais de pequenos riachos de fraca correnteza, ocultos em meio aos detritos, raízes da vegetação ciliar, ou escavando tocas mais superficiais.

O Parastacus defossus pertence ao primeiro grupo, e é considerada a espécie com hábitos mais fossoriais dentre todos os Parastacus brasileiros.

 

            Etimologia: O nome Parastacus vem do nome de outro gênero de lagostins dulcícolas da Eurásia, Astacus (do grego αστακός, astacós, significa lagosta ou lagostim), com o prefixo grego para (junto com, além de, alterado, contrário). Os Parastacus eram originalmente classificados como Astacus. E defossus vem do latim dēfodiō (enterrado profundamente, plantado, oculto).

 


Origem

O Parastacus defossus é uma espécie encontrada no Brasil (somente no estado do RS) e nordeste do Uruguai. No RS, é comum nas bacias da depressão central que formam o Lago e Estuário do Guaíba, ao sul de Porto Alegre.



Distribuição geográfica de Parastacus defossus. Imagem original Google Maps; dados de Buckup L. In: Melo GAS. 2003.

 


Habitat do Parastacus defossus, região do Lami, Porto Alegre, RS. Foto de Walther Ishikawa. Trata-se de uma pastagem semi-alagada em um haras, note as elevações de terra argilosa em meio às regiões alagadas.


Aparência

 

Seu aspecto lembra bastante os demais lagostins límnicos, com o corpo cilíndrico, primeiro par de patas adaptadas na forma de robustas quelas, um abdômen longo e musculoso terminando em urópodos dispostos em um leque caudal. Pernas ambulatórias dispostas lateralmente, além das garras maiores, os dois primeiros pares ambulatórios também possuem pequenas quelas.

Porém, uma análise mais minuciosa mostra algumas adaptações para seus hábitos escavadores, tendo um abdômen relativamente curto, devido à perda da sua importância como estrutura locomotora. Os quelípodos são curtos e globosos, e os dáctilos se movem em um plano vertical, para maior eficácia durante o processo de escavação e transporte de material.

Coloração marrom acastanhada, podendo ter áreas mais claras e azuladas.

Em relação aos demais Parastacus brasileiros, o P. defossus pode ser identificado baseado na ausência de pêlos na face interna das suas quelas, ausência de espinho no lobo basal do exopodito dos urópodos, e face dorsal do dedo móvel da quela sem tubérculos. Em especial, pode ser confundido com o P. brasiliensis, mas além dos tubérculos da quela, o P. defossus costuma ter o rostro mais curto e triangular, além de diferenças marcantes nos seus hábitos.

 





Parastacus defossus, fotografado na região do Lami, Porto Alegre, RS. Fotos de Walther Ishikawa.


Parâmetros de Água

 

Como será mais bem descrito adiante, o P. defossus é a espécie brasileira de lagostim com um modo de vida radicalmente fossorial, mal pode ser considerada uma espécie aquática. Passa toda sua vida habitando galerias subterrâneas escavadas em terrenos relativamente distantes de sistemas de água abertos, ou locais somente sazonalmente alagados.

Estão entre os lagostins com maiores adaptações a condições ambientais extremas, já que a água subterrânea destas habitações possui valores de pH e oxigenação bem baixos, um ambiente bastante inóspito para a maioria dos animais aquáticos. Análise da água das galerias mostra baixa oxigenação (média 1.43 mg/L, mínimo 0.7 mg/L), um pH médio de 5.2, e uma temperatura média de 20º C.

O volume de água destes bolsões também não e muito grande, embora haja variações com o volume de chuvas, geralmente não ultrapassa 10 cm de profundidade. Desta forma, estas espécies também têm adaptações nas suas guelras que permitem uma respiração aérea (brânquias cilíndricas ao invés de lamelares), podendo permanecer emersos por períodos prolongados, desde que haja umidade no ambiente.

E interessante notar também que existe uma micro-fauna especializada compartilhando os bolsões de água no interior das galerias. Chamadas de Pholeteros, é constituída por poucas espécies adaptadas para viverem nestas condições extremas, como alguns tardígrados, copépodos e o isópode Heterias exul.


 




Parastacus cf. defossus fotografado em uma sanga junto à nascente de um riacho em Cachoeira do Sul, RS. A primeira imagem mostra o habitat. Fotos gentilmente cedidas por Eric Hendrix Ferreira Machado.



Dimorfismo Sexual e Reprodução

Todos os Parastacus brasileiros são intersexuados, apresentando orifícios genitais masculinos e femininos no indivíduo adulto, poro genital masculino no coxopodito do pereiópodo 5, e poro feminino no coxopodito do pereiópodo 3. O P. brasiliensis e o P. defossus  mostram um padrão de hermafroditismo sequencial, do tipo protrândrico parcial. O P. varicosus também é hermafrodita, mas com um padrão ainda não muito claro. As demais espécies brasileiras parecem ter intersexualidade permanente, mas existem poucos estudos.

No caso do Parastacus defossus, boa parte dos indivíduos nascem como machos intersexuados, e se tornam fêmeas intersexuadas após uma fase de transição. Porém, não há diferença destas formas no seu aspecto externo, somente com a dissecção e análise da anatomia interna é possível esta distinção (presença de gônadas masculinas, femininas, ou ambas). Alguns trabalhos de análise populacional sugerem que possam existir machos e fêmeas que não mudam de sexo (desta forma, caracterizando protrandria parcial).

Todos os lagostins têm fertilização externa. Durante a cópula, o macho deposita seu espermatóforo na superfície ventral da fêmea. Quando os oócitos maduros são liberados através dos gonóporos femininos, o espermatóforo se dissolve e os espermatozóides ficam livres. Os oócitos são então fertilizados externamente, e são agrupados em uma massa que é fixada aos pleópodos por uma substância adesiva.

Produzem ovos de grandes dimensões, apresentam desenvolvimento pós-embrionário direto, onde as fases larvais completam-se ainda dentro do ovo. O número médio e ovos é 30~35. Próximo à eclosão, há mudança na coloração dos ovos, que se tornam alaranjados. Nesta etapa, também é possível observar o embrião quase que totalmente formado no interior do ovo. Na eclosão são liberados indivíduos já com características semelhantes ao adulto, sem fase larval.

Há cuidado parental, mesmo após o nascimento, os filhotes permanecem fixos aos pleópodos da mãe por cerca de uma ou duas semanas (2 a 3 mudas), até ficarem independentes. Mesmo após este tempo, há dependência parcial dos juvenis, realizam pequenos incursões pelo ambiente, mas voltam rapidamente para junto da mãe ao menor sinal de perigo. Juvenis dos Parastacidae permanecem presos aos pleópodos da fêmea com ganchos presentes no dáctilo dos pereiopodos 4 e 5. Na primeira fase juvenil após o nascimento, um mecanismo auxiliar de fixação é um filamento originário da cutícula embrionária. Na fase de juvenil III, o animal perde os ganchos e se torna independente. São diferentes dos Astacidae e Cambaridae, do Hemisfério Norte, que usam as quelas maiores para a fixação.

A estação reprodutiva da espécie é o final da primavera. As fêmeas atingem a maturidade sexual com cerca de 1 ano de vida.

 



Parastacus defossus, fotografado na região do Lami, Porto Alegre, RS. Fotos de Walther Ishikawa.


Comportamento

 

Como o próprio nome diz, o Parastacus defossus é a espécie de lagostim brasileiro com um modo de vida mais fossorial dentre todos os Parastacus. Passa quase que toda sua vida abaixo da superfície, habitando complexas galerias subterrâneas, sendo chamados por alguns de cavadores ou escavadores primários. Preferem solos argilosos, mas há registros de coletas em terrenos pedregosos no Uruguai.

São túneis ramificados, com varias aberturas na superfície do solo, cada abertura com 2 a 7 cm de diâmetro, que vários canais que convergem num túnel principal (11 a 16 cm de diâmetro) que desce até atingir o lençol freático, terminando numa galeria central única e de diâmetro maior, chamada de “câmara habitacional”. Nesta galeria é visto um bolsão de água maior, e é onde coexistem indivíduos de diferentes gerações numa mesma habitação. São galerias profundas, podendo ultrapassar 1,5 metros. Cada galeria pode cobrir grandes extensões subterrâneas, chegando a se estender por uma área de até 1,5 m2. Em geral, é encontrado somente um lagostim adulto por sistema de galerias, mas pode existir um casal. Nos locais mais populosos, estas colônias de lagostins podem chegar a densidades relativamente altas, sendo encontrados até 8 aberturas de tocas por m2.

A periferia das aberturas é freqüentemente elevada pela construção de torres cônicas ou chaminés argilosas protetoras, que circundam suas aberturas, formadas por um acúmulo de sedimento removido pelo lagostim durante a escavação. Entretanto, estas chaminés parecem ter um papel também funcional, visando impedir o alagamento excessivo das tocas com água das enchentes ou da chuva. Nesta espécie as chaminés são altas, chegando a atingir 30 cm. Há fechamento das aberturas de acesso ao sistema de galerias durante os meses de verão, e abertura de novos acessos durante os meses de inverno, mais chuvosos.

Como os demais crustáceos, tornam-se vulneráveis após a ecdise, e podem ser predados por outros animais. Por este motivo, nesta época permanecem entocados, até a solidificação completa da carapaça.

Uma informação interessante é sobre a sua agressividade. Ao contrário das espécies de lagostins mais comumente encontradas como animais ornamentais, os Parastacus são espécies pouco agressivas, possivelmente uma adaptação evolutiva para seu modo de vida escavatório, muitas vezes com colônias de vários indivíduos habitando uma mesma toca, em contraste com as demais espécies de “águas abertas”. Isto é particularmente evidente nas espécies mais fossoriais, como o P. defossus.

Sua longevidade é estimada em 3 anos e 4 meses, menor do que o P. brasiliensis.


Um levantamento realizado em 2016 detectou dois exemplares selvagens de Parastacus defossus coletados em Eldorado do Sul (RS) com o DNA de Aphanomyces astaci detectado por PCR em baixo nível (A2). Trata-se do fungo causador da "Praga do Lagostim", responsável pela dizimação de boa parte da população nativa de lagostins europeus.




Chaminés nas aberturas das tocas do Parastacus defossus. Foto de Walther Ishikawa.


Alimentação

 

Estes animais são onívoros oportunistas, sendo que a dieta consiste principalmente de detritos de origem vegetal, em especial nestas espécies mais fossoriais, que não abandonam suas habitações nem para procurar alimentos.

 

Manutenção em cativeiro

 

Como já mencionado, o Parastacus defossus não é uma espécie listada na relação da fauna nativa ameaçada de extinção, nacional ou estadual. Porém, uma avaliação feita por um consenso de especialistas em 2014 considerou a espécie como sendo "NT" (quase ameaçada). Desta forma, sugere-se fortemente que esta espécie não seja coletada na natureza, ou criada em aquários.
 

 



Parastacus defossus, fotografado em um pequeno aquário. Os animais foram liberados após as fotos. Fotos de Walther Ishikawa.




Bibliografia:

 

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  • Pinheiro PG. Quão ameaçadas estão Parastacus brasiliensis e Parastacus defossus em Porto Alegre, RS? análise da perda de habitat potencial em decorrência da expansão urbana. Trabalho de conclusão de graduação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Biociências. Curso de Ciências Biológicas: Bacharelado. Porto Alegre, RS, 2015. 


Agradecimentos à Dra. Daiana Castiglioni (Unisinos - Universidade do Vale do Rio dos Sinos) pela cessão da foto extraída da sua tese, e valiosas informações. Agradecemos também ao colega Eric Hendrix Ferreira Machado pela cessão das imagens, e ao Sr. Nairo Guerisoli (Costa do Cerro), por permitir as fotos dos animais no seu terreno.


As fotografias de Walther Ishikawa estão licenciadas sob uma Licença Creative Commons. As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.
 
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