Artigo publicado em 24/09/2020, última edição em 08/05/2023
Lagostim-de-água-doce
– Parastacus varicosus
Nome
em português: Lagostim-de-água-doce Nome em inglês: - Nome científico: Parastacus varicosus Faxon, 1898
Origem:
Brasil (SC e RS), Uruguai e Argentina
Tamanho:
até 10 cm Temperatura: 17-30° C pH: neutro a discretamente ácido
Dureza: média Reprodução: especializada,
todo ciclo de vida em água doce Comportamento: pacífico
Importante!!
O Parastacus varicosus não é mencionado nas espécies listadas como em risco na Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção
publicada em Dezembro de 2014 pelo Ministério
do Meio Ambiente (MMA), ou na lista de espécies do estado do Rio Grande do Sul, publicado pelo MMA em 2014. Porém,
um consenso de especialistas publicou um artigo avaliando o estado de
conservação dos lagostins sul-americanos (Almerão MP, et al. 2014), onde a espécie é mencionada na categoria IUCN "dados
deficientes" (DD). A página oficial do IUCN também lista esta espécie como DD.
Desta
forma, a rigor, sua coleta e manutenção em cativeiro são legalmente
permitidas, mas sugerimos fortemente que não sejam feitas, dada a
escassez de informações sobre o real estado de conservação desta
espécie.
Apresentação
Os Lagostins dulcícolas brasileiros
são um grupo bastante peculiar de decápodes, com particularidades que os tornam
bastante distintos dos Lagostins mais comumente encontrados como animais de
aquário. Existem cerca de uma dúzia de espécies de Lagostins de água doce no Brasil, todos do
gênero Parastacus, muitas espécies recentemente descritas (veja a lista completa aqui). Embora sejam chamados de “aquáticos”, na realidade são espécies
escavadoras, que passam boa parte da sua vida enterrada em tocas construídas em
terrenos úmidos e alagados.
Têm uma distribuição bastante restrita
no país, sendo encontrados somente nas planícies do extremo sul (estados de RS e
SC), habitando preferencialmente áreas pantanosas e margens de pequenos
córregos.
Nestas espécies brasileiras, existem dois padrões distintos de
comportamento e modo-de-vida: as espécies chamadas de “fossoriais”, que escavam
tocas profundas em locais pantanosos, vivendo em bolsões de água com baixa
oxigenação no fundo destas tocas; e as espécies que habitam locais marginais de
pequenos riachos de fraca correnteza, ocultos em meio aos detritos, raízes da
vegetação ciliar, ou escavando tocas mais superficiais. O Parastacus
varicosuspertence ao segundo grupo (“não-fossoriais”), e é uma espécie com
distribuição relativamente ampla dentre os lagostins nativos.
Etimologia: O nome Parastacus vem do nome de outro gênero de lagostins dulcícolas da
Eurásia, Astacus (do grego αστακός, astacós, significa lagosta ou lagostim), com o prefixo
grego para (junto com, além de, alterado,
contrário). Os Parastacus eram
originalmente classificados como Astacus.
E varicosus tem origem no latim,
significa “com muitas veias dilatadas”, de varic-,
varix significando veia dilatada. Que
por sua vez, tem origem no grego, varicose
significa uvas (a semelhança de veias dilatadas com cachos de uvas). Não é
claro o motivo da escolha do epíteto, talvez uma menção à esculturação
proeminente na carapaça.
Origem
O Parastacus varicosus é encontrado
numa faixa litorânea oriental do Sul da América do Sul, de Pelotas (RS, Brasil)
a Montevideo (Uruguai), além de áreas na região litorânea de SC. Há registros também no nordeste da Argentina, em Entre Ríos.
O artigo original de Faxon (1898) descreve a origem do espécime-tipo como sendo de Colima, México, mas certamente trata-se de um erro. Algumas fontes antigas mencionam a ocorrência da espécie no Chile, mas é quase certo que seja um erro de identificação.
Distribuição geográfica de Parastacus varicosus. Imagem
original Google Maps; dados de Buckup L. In: Melo GAS. 2003.
Fotos da região de Banhado onde foram encontardos os P. varicosus das fotos, em Arroio dos Ratos, RS. Fotos de Evandro Benke.
Aparência
Seu aspecto
lembra bastante os demais lagostins límnicos, com o corpo cilíndrico, primeiro
par de patas adaptadas na forma de robustas quelas, um abdômen longo e
musculoso terminando em urópodos dispostos em um leque caudal. Pernas
ambulatórias dispostas lateralmente, além das garras maiores, os dois primeiros
pares ambulatórios também possuem pequenas quelas.
Porém, uma
análise mais minuciosa mostra algumas adaptações para seus hábitos escavadores,
tendo um abdômen relativamente curto, devido à perda da sua importância como
estrutura locomotora. Os quelípodos são curtos e globosos, e os dáctilos se
movem em um plano vertical, para maior eficácia durante o processo de escavação
e transporte de material.
Coloração parda,
numa tonalidade cinza acastanhada.
As chaves de identificação mais recentes sugerem separar inicialmente esta espécie e P. saffordi das demais, dado que ambas possuem três características peculiares: extremidade anterior da carena pós-orbital terminando em um robusto espinho cônico, aréola delimitada por carenas elevadas, e lobo basal do exopodito dos urópodos com um espinho.
Daí a diferenciação do P. saffordi pode ser feita pelo aspecto dos quelípodos, P. varicosuspossui pêlos longos, reunidos em tufos, cobrindo toda a face interna dos quelípodos, exceto os dedos. A face ventral do ísquio do terceiro maxilópode com uma fileira longitudinal de espinhos.
Seu rostro é bastante típico e inconfundível, auxilia bastante na identificação. Longo, acuminado, dorsalmente plano e piloso, estendendo-se até o meio do
último segmento antenular. Carenas pós-orbitais elevadas, anteriormente terminando em espinho (como mencionado), no trecho posterior se transformam em elevações
calosas convergentes. Aréola delimitada por carenas elevadas e de aspecto serrilhado. Margem distal do telso largamente
arredondada. Margem dorsal e ventral da palma quase retilíneas.
Parastacus varicosus, fotografado no Arroio dos Ratos, RS. Imagens cortesia de Evandro Benke.
Parâmetros
de Água
Habitam
ambientes bastante estáveis, são sensíveis a variações e condições inadequadas
de água. Por este motivo, muitas vezes são usadas por pesquisadores como
bioindicadores.
Como todos
os Parastacus, são sensíveis a altas
temperaturas, uma causa comum de insucesso na sua manutenção em cativeiro. São
mais comuns em águas neutras, de dureza média. A temperatura média dos locais
de coleta foi de 17º C no inverno e 30º C no verão.
O pH era estável, entre 6.3 e 7.0.
Parastacus varicosus, filmado no Arroio dos Ratos, RS. Vídeo cortesia de Evandro Benke.
Dimorfismo Sexual e Reprodução
Todos os Parastacus
brasileiros são intersexuados, apresentando orifícios genitais
masculinos e femininos no indivíduo adulto, poro genital masculino no
coxopodito do pereiópodo 5, e poro feminino no coxopodito do pereiópodo 3.
Ainda não é claro o padrão sexual
do P. varicosus, há trabalhos de
populações do Uruguai mostrando gonocorismo, e de populações brasileiras
indicando hermafroditismo protrândrico, talvez por alguma influência ambiental.
Não há diferença no seu aspecto externo, todos
os indivíduos apresentando orifícios masculinos e femininos no indivíduo
adulto. Porém, com a dissecção e análise da anatomia interna é possível a
identificação de gônadas masculinas (testículos), femininas (ovários) e
transicionais (ovotestis).
Todos os lagostins têm fertilização
externa. Durante a cópula, o macho deposita seu espermatóforo na superfície
ventral da fêmea. Quando os oócitos maduros são liberados através dos gonóporos
femininos, o espermatóforo se dissolve e os espermatozóides ficam livres. Os
oócitos são então fertilizados externamente, e são agrupados em uma massa que é
fixada aos pleópodos por uma substância adesiva.
Produzem ovos de grandes dimensões,
apresentam desenvolvimento pós-embrionário direto, onde as fases larvais
completam-se ainda dentro do ovo. Na eclosão são liberados indivíduos já com
características semelhantes ao adulto, sem fase larval. Muito provavelmente
esta espécie mostra cuidado parental, os filhotes permanecem fixos aos
pleópodos da mãe, até ficarem independentes.
O período reprodutivo se inicia nos meses da primavera e
estende-se até os meses do verão.
Juvenis de Parastacus varicosus, fotografado no Arroio dos Ratos, RS. Imagens cortesia de Evandro Benke.
Comportamento
É uma espécie com hábitos fossoriais menos exacerbados, encontrado
em águas lênticas e lóticas de pequeno volume e correnteza fraca, ocultando-se
sob detritos nos remansos dos arroios ou entre as raízes da mata ciliar,
construindo suas galerias nas margens ou no fundo do leito dos cursos d´água.
Escavam galerias rasas e espiraladas que terminam numa câmara de habitação onde
geralmente há somente um indivíduo, mas eventualmente podem ser encontrados dois
lagostins.
Os animais têm hábitos noturnos, deixando as suas habitações
subterrâneas para partir em busca de alimento no interior da água ou nos
ambientes emersos paludosos mais próximos. Como os demais crustáceos, tornam-se vulneráveis após a ecdise, e podem
ser predados por outros animais. Por este motivo, nesta época permanecem
entocados, até a solidificação completa da carapaça.
Parastacus varicosus com platelmintos comensais Temnocephala, fotografado no Arroio dos Ratos, RS. Estas imagens mostram bem os tufos de pelos nas quelas. Imagens cortesia de Evandro Benke.
Alimentação
Estes animais são onívoros oportunistas, sendo que a dieta
consiste principalmente de detritos de origem vegetal. Análises histológicas
viscerais também sugerem uma dieta rica em carboidratos e pobre em proteína,
condizente com detritos vegetais.
Parastacus varicosus, fotografado no Arroio dos Ratos, RS. Imagens cortesia de Evandro Benke.
Manutenção em cativeiro
Como já mencionado, os lagostins nativos são animais ameaçados, embora o Parastacus
varicosusnão conste em relações oficiais como o Livro
Vermelho do Ministério do Meio Ambiente e IBAMA, por carência de dados (DD
pelos critérios do IUCN). Desta forma, sugere-se que esta espécie não seja coletada
na natureza, ou criada em aquários.
Bibliografia:
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Identificação dos Crustacea Decapoda de água doce do Brasil. São Paulo:
Editora Loyola, 2003.
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Malacostraca. In: Thorp and Covich's Freshwater Invertebrates (Fourth Edition),
Editors: D. Christopher Rogers, Cristina Damborenea, James Thorp. Academic
Press, 2020. p. 809-986.
Agradecemos ao amigo Evandro Benke pela cessão de fotos e vídeos para o artigo.