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"Pomacea lineata, figulina"  
Artigo publicado em 26/03/2012, última edição em 06/12/2023  
Pomacea (Pomacea) lineata (Spix, 1827)

Pomacea (Pomacea) figulina (Spix, 1827)





A Ampulária sul-america Pomacea lineata é classificada dentro do chamado "complexo canaliculata”, um grupo de ampularídeos que tem traços anatômicos em comum, muitas vezes sendo bastante difícil a distinção das espécies dentro deste grupo. Das espécies brasileiras, fazem parte deste grupo a P. canaliculata, P. maculata e P. haustrum, além da P. lineata. Muitas vezes a diferenciação com estas outras espécies é difícil. São animais conhecidos popularmente como “Aruás”. Há alguma controvérsia sobre a nomenclatura desta espécie, embora a quase totalidade da literatura científica empregue este nome, algumas fonte (como GBIF e Molluscabese, veja links na bibliografia) sugerem que deva ser renomeada para Pomacea linnaei (Philippi, 1852), por nome original inválido.


A vasta maioria das Ampulárias vendidas no comércio é da espécie Pomacea diffusa, um animal que não se alimenta de plantas ornamentais. Ampulárias do complexo canaliculata são encontradas mais raramente, em geral são animais selvagens coletados na natureza. Mas a distinção com o P. diffusa é importante, devido ao apetite voraz dos animais do complexo canaliculata, destruindo plantas ornamentais. A forma mais simples de se fazer esta distinção é através de alguns detalhes das conchas, como na figura abaixo:


Pomacea diffusa                    Pomacea lineata/canaliculata

Pomacea diffusa: ombros achatados e suturas de 90°. Pomacea lineata (complexo canaliculata): suturas chanfradas, ângulo menor de 90°. Esta concha também é mais globosa do que a concha de Pomacea diffusa. Ilustrações de Stijn Ghesquiere.



Existe uma espécie muito parecida com a Pomacea lineata, que é a Pomacea figulina. Como curiosidade, as duas espécies foram descritas num mesmo artigo, pelo mesmo autor. Foi por algum tempo invalidada, considerada um sinônimo menor de P. lineata. Mas estudos genéticos mais recentes revalidaram a espécie, curiosamente nem é tão próxima geneticamente da P. lineata (forma um clado com a P. maculata e P. occulta). São muito parecidas, de difícil diferenciação mesmo com a análise dos órgãos internos. A distinção segura pode ser feita somente por ferramentas moleculares.





Concha de Pomacea figulina, fotos de José Liétor Gallego.





Pomacea lineata, animal em aquário, coletado em Socorro, SP. Foto de Walther Ishikawa.



Pomacea lineata, animal em aquário, coletado em Socorro, SP. Foto de Walther Ishikawa.



Concha: A concha desta Ampulária é globosa e relativamente pesada (especialmente em caramujos mais velhos). Os cinco ou seis giros são separados por uma sutura profunda e indentada, mas menos pronunciada do que na P. canaliculata. A abertura da concha é ampla e oval para arredondada.

O tamanho destes caramujos varia de 40 a 60 mm de largura, e 45 a 75 mm de altura, dependendo das condições.

A cor da concha é marrom com faixas escuras espiraladas. Existe muita variação nesta espécie no tocante ao formato da concha, coloração e padrão das faixas.

Embora a diferenciação com outras espécies do complexo seja difícil, a P. lineata tende a ter uma concha com muitas faixas (como o próprio nome diz), suturas relativamente rasas, e ápice relativamente mais alto do que outras espécies.


Opérculo: O opérculo tem uma espessura média e um aspecto córneo. Sua estrutura é concêntrica com o núcleo próximo do centro da concha. A cor varia de tons claros (em animais jovens) até marrom escuro. O opérculo pode ser retraído na abertura da concha.

Corpo: A cor do corpo é cinza amarronzado com manchas pigmentadas escuras.




Pomacea lineata, coletada no Rio Paranapanema, SP (mede 52 mm). Fotos cortesia de Bill Frank.


Pomacea lineata, coletada na Represa do Pitiaçu, Salvador, BA. Junho de 1994. Foto de Stijn Ghesquiere.





Pomacea lineata
, coletado em Socorro, SP. Foto de Walther Ishikawa.




Pomacea lineata, coletado em Socorro, SP. Foto de Walther Ishikawa.



Reprodução:
Ovos: os ovos rosados são frouxamente aderidos um ao outro, mantendo ainda seu aspecto esférico, diferente do aspecto prismático do P. diffusa. Ficam fixos a objetos acima da linha d´água. O número de ovos depositados numa postura se situa em torno de 100. Suas dimensões são de aproximadamente 3 mm de diâmetro. Próximo à eclosão, os ovos adquirem uma coloração branco-rosada. O aspecto dos ovos é idêntico ao do P. canaliculata.

Assim como diversas outras espécies de Pomacea, os ovos tem uma brilhante coloração, possivelmente aposemática, e são pouco predados por outros animais. Não existem estudos específicos sobre toxinas nos ovos desta espécie, mas um trabalho avaliou a ação de extratos liofilizados em tecidos animais, com resultados interessantes. Sabe-se que muitas Pomaceas (e seus ovos) são usadas como remédios populares especialmente no Norte e Nordeste do país para problemas respiratórios, e na Argentina para disenteria. Liófilos dos ovos induziram relaxamento muscular em traquéia e íleo isolados de cobaias, pré-contraídas, provavelmente através de bloqueio do influxo de Ca2+ nos canais dependentes de voltagem da membrana citoplasmática. Não foi detectada toxicidade neste trabalho, mesmo em doses relativamente altas, mas deve-se destacar que foram utilizados liófilos, ao invés de extratos dos ovos e animais, talvez com perda de parte das suas propriedades biológicas. Destaca-se que, mesmo assim, foi caracterizada uma ação farmacológica.     






Pomacea lineata, fotografado em um córrego de beira de estrada, em Ubatuba, SP. Foto de Walther Ishikawa.




Ovos de Pomacea lineata, fotografado em uma lagoa em Itupeva, SP. Foto de Walther Ishikawa.
 





Postura de
Pomacea lineata, fotos de Aline P. Stefani.



Alimentação: Se alimenta de quase todos os tipos de plantas, com apetite voraz, destruindo plantas ornamentais. Pode ser alimentado com rações para peixes ornamentais. Não é absolutamente recomendado para aquários plantados, deve ser evitado a não ser que você não tenha plantas ou outros vegetais no seu aquário.





Close da boca de uma Pomacea lineata, mostrando as rádulas. Foto de Walther Ishikawa.


Pomacea lineata, o sifão é bem visível nesta imagem. Foto de Walther Ishikawa.




Distribuição geográfica de Pomacea lineata no Brasil. Imagem original Google Maps; dados de Simone LRL 2004 e 2006, e Agudo-Padrón AI 2008.



Habitat e distribuição: Pomacea lineata é encontrada na América central e do Sul, nesta última, nas macrobacias do Amazonas e Paraná. Também nas bacias costais do Paraíba a Alagoas, e na Ilha de Fernando de Noronha. É amplamente distribuída no nosso país, sendo uma das espécies mais comumente coletadas na natureza. Ocorre nos estados do PA, MA, PI, PE, PB, AL, BA, SE, CE, RN, MG, ES, RJ, SP, PR e SC.



No Brasil, a Pomacea lineata é raramente vista no comércio de invertebrados ornamentais, mas é bastante comum na natureza, especialmente na Mata Atlântica. Coletada inadvertidamente, destrói plantas ornamentais, seu voraz apetite dá a este caramujo uma péssima reputação no hobby.

É importante lembrar também que as Pomacea são vetores de diversas doenças de peixes e invertebrados ornamentais, muitas delas permanecendo com o animal pela vida toda, não sendo eficaz a quarentena. Também são vetores de algumas doenças humanas e veterinárias, há um caso registrado de infecção humana no Brasil por Angiostrongylus cantonensis cujo vetor foi a Pomacea lineata. Em 2013 foi detectado como sendo um reservatório natural de WSSV na região litorânea do Paraíba.






Parâmetros ambientais: Há pouca informação sobre parâmetros, acredita-se que seja uma espécie robusta e adaptável, dada à sua ampla distribuição.

Uma informação interessante é que esta espécie é encontrada em locais que passam por períodos de dessecação completa, sobrevivendo até 395 dias em estivação.



Pomacea decussata, exemplares tipo coletados por Ferussac do Museu de Paris. Fotos de Kenneth Hayes.


Pomacea (Pomacea) decussata (Moricand, 1836)

Pomacea (Pomacea) pernambucensis Reeve, 1856

Pomacea (Pomacea) physoides Reeve, 1856


Pomacea decussata é uma espécie baiana de ampulária, considerada uma espécie válida, e fazendo parte de listagens oficiais de espécies de Pomacea. Foi descrita em 1836 pelo naturalista suíço Stéfano Moricand, baseado em exemplares coletados por Férussac no Dique do Tororó, região urbana de Salvador, Bahia. Co-habitavam o lago com numerosos P. lineata, sendo descrito pelo autor como espécie distinta devido à sua concha, apresentando "estrias longitudinais regulares e salientes, que se cruzam em ângulos retos com as estrias transversais, e formam uma rede de malhas quadradas na sua superfície". Porém, poucos trabalhos subsequentes confirmam a presença da espécie, inclusive levantamentos faunísticos. Há uma correspondência de 1956 descrevendo seus ovos, de cor distinta dos P. lineata, de cor verde clara, mas sem detalhes em relação à sua identificação. Sabe-se que estas estriações nas conchas podem estar presentes, por fatores ambientais ou genéticos. Tudo isto leva à suspeita de que pode se tratar de espécimes de P. lineata com variações morfológicas na sua concha.


Da mesma forma, Pomacea pernambucensis e Pomacea physoides são duas espécies pernambucanas de ampulária, consideradas espécies válidas, e também fazendo parte de listagens oficiais de espécies de Pomacea. Foram descritas simultaneamente em 1856 pelo conquiliologista inglês Lovell Augustus Reeve baseado em conchas coletados pelo próprio autor em Pernambuco, localização não especificada. Aqui também, levantamentos faunísticos posteriores de Pernambuco não confirmaram a presença destas espécies, levando à suspeita de que podem se tratar também de variações morfológicas de P. lineata.




Bibliografia adicional:

  • Simone LRL. 2006. Land and Freshwater Molluscs of Brazil. EGB, Fapesp. São Paulo, Brazil. 390 pp.
  • Simone LRL. Comparative morphology and phylogeny of representatives of the superfamilies of architaenioglossans and the Annulariidae (Mollusca, Caenogastropoda). Arquivos do Museu Nacional, 2004,62(4):387-504.
  • Agudo-Padrón AI. 2008. Listagem sistemática dos moluscos continentais ocorrentes no Estado de Santa Catarina, Brasil. Comunicaciones de la Sociedad Malacológica del Uruguay, Montevideo, 9(91): 147-179.
  • http://www.conchasbrasil.org.br/
  • Pessôa HLF, Oliveira RCM, Silva JLV, Santos RF, Duarte JC, Costa MJC, Silva BA. Avaliação da toxicidade aguda, efeitos citotóxico e espasmolítico de Pomacea lineata (Spix, 1827) (Mollusca, Caenogastropoda). Rev. bras. farmacogn. 2007, vol.17, n.1, pp. 76-84.
  • Bernatis JL, Mcgaw IJ, Cross CL. Abiotic tolerances in different life stages of apple snails Pomacea canaliculata and Pomacea maculata and the implications for distribution. (2016). Journal of Shellfish Research 35(4), 1013-1025.
  • Yang Q, Liu S, He C, Cowie RH, Yu X, Hayes KA. 2019. Invisible apple snail invasions: importance of continued vigilance and rigorous taxonomic assessments. Pest Manag Sci 75:1277–1286.
  • Bandeira JT. Vírus da síndrome da mancha branca (WSSV) em crustáceos e moluscos nativos no Rio Paraíba - PB. 2016. 53 f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Ciência Veterinária) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife.
  • Thiengo SC, Maldonado A, Mota EM, Torres EJ, Caldeira R, Carvalho OS, Oliveira AP, Simões RO, Fernandez MA, Lanfredi RM. The giant African snail Achatina fulica as natural intermediate host of Angiostrongylus cantonensis in Pernambuco, northeast Brazil. Acta Trop. 2010 Sep;115(3):194-9.
  • https://www.gbif.org/species/183508747
  • https://www.molluscabase.org/aphia.php?p=taxdetails&id=1515427
  • Moricand S. 1836. Memoire sur les coquilles terrestres et fluviatiles, envoyees de Bahia par M. J. Blanchet. Mémoires de la Société de Physique et d’Histoire naturelle de Genève 7 (2): 415-446, pl. 2.
  • Paraense WL. Lymnaea columella: two new Brazilian localities in the states of Amazonas and Bahia. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. 1986, v. 81, n. 1, pp. 121-123.
  • Cowie RH, Héros V. Annotated catalogue of the types of Ampullariidae (Mollusca, Gastropoda) in the Muséum national d'Histoire naturelle, Paris, with lectotype designations. Zoosystema, 34(4):793-824. 2012.
  • Breure ASH, Tardy E. 2020. From the shadows of the past: Moricand senior and junior, two 19th century naturalists from Geneva, with their newly described taxa and molluscan types, Revue suisse de Zoologie, 123(1), 113-138.
  • Villela G. 1956. Carotenoids of Some Brazilian Freshwater Gastropods of the Genus PomaceaNature 178, 93.

Esta ficha foi adaptada do portal  applesnail.net , possivelmente o melhor banco de dados de Ampulárias que existe na internet. Agradecimentos a Stijn Ghesquiere, responsável pelo portal, por permitir o uso do material e foto. Agradecemos também aos colegas malacologistas Aisur Ignacio Agudo-Padrón pela consultoria técnica, a Jose Liétor Gallego ( El Rincón del Malacólogo ), Bill Frank ( Jacksonville Shell Club )e Dr. Kenneth Hayes pela permissão do uso das suas fotos.


As fotografias de Walther Ishikawa e Kenneth Hayes estão licenciadas sob uma Licença Creative Commons. As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.
 
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