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"Biomphalaria"  
Artigo publicado em 10/01/2012, última edição em 11/11/2023  




Caramujo Biomphalaria

 

Os caramujos mais comumente encontrados em aquários de água doce são os Planorbídeos. Estes caramujos são encarados com um misto de amor e ódio, por um lado, existem lindas variedades ornamentais, como o "Red Ramshorn". Por outro lado, geralmente aparecem como invasores indesejados, podendo formar grandes populações, sendo assim consideradas pragas pela maioria dos aquaristas. Como um agravante, muitas espécies estão envolvidas no ciclo de vida do agente da esquistossomose. São chamados popularmente de Corondó.



Biomphalaria intermedia, coletada em Valinhos, SP. Foto de Walther Ishikawa.


 

Taxonomia: Planorbis? Biomphalaria? Helisoma?

 

Como frequentemente acontece com caramujos dulcícolas, a identificação destes animais é bastante confusa. São popularmente conhecidos em inglês como Caramujos “Ramshorn”, uma contração de “ram´s horn” (chifre de carneiro, por isto a pronúncia correta não é “ram-xorn”). Pertencem à família Planorbidae, e na realidade englobam principalmente três tribos distintas: Planorbini, de espécies européias; Planorbulini, de espécies norte-americanas; e Biomphalariini, de espécies sul-americanas e africanas. E no aspecto externo, os Planorbis, Planorbella e Biomphalaria são praticamente indistinguíveis.




Três espécies brasileiras de Biomphalaria, em comparação com três planorbídeos exóticos comuns no aquarismo de outros países. Vejam que a distinção baseadas somente na concha é muito difícil. Fotos gentilmente cedidas por Jose Liétor Gallego.

 

Os Planorbídeos, assim como os Physa e Lymnaea, pertencem ao grupo dos Pulmonados, caramujos que evoluíram a partir de caracóis terrestres que retornaram ao ambiente aquático. Por este motivo não têm brânquias, e assimilam oxigênio através da superfície interna do seu manto, onde a maioria das espécies carrega uma bolha de ar, que precisa ser renovada periodicamente. Ou seja, apesar de aquáticos, respiram ar, necessitando retornar à superfície de tempos em tempos. Por este motivo, sobrevivem em águas estagnadas e pobres em oxigênio. Como recurso adicional possuem hemoglobina na sua hemolinfa, o que confere uma bela coloração vermelha aos indivíduos albinos. Suportam 90 dias de submersão, se houver oxigênio dissolvido, e sobrevivem até 16h. em anóxia, alterando seu metabolismo para aneróbico. Além da função respiratória, esta bolha de ar pode ser usada como recurso de flutuação. Como os demais pulmonados, não possuem opérculo.



Os Pulmonados de água doce pertencem à Ordem Basommatophora, assim chamados porque seus olhos se localizam na base dos seus longos tentáculos. Isto os distingue dos conhecidos Caracóis terrestres, os Stylommatophora, que têm olhos na extremidade dos tentáculos.



Os caramujos planorbídeos comuns brasileiros são quase todos do gênero Biomphalaria. Por exemplo, estes pequenos caramujos marrons que são inadvertidamente introduzidos no aquário juntamente com plantas, ou coletados em riachos e lagos. Geralmente, os textos na internet chamam estes caramujos erroneamente de Planorbis, por serem traduções de textos em inglês. Algumas fontes na internet descrevem estes animais como sendo Helisoma nigricans, mas este não é mais um táxon válido, atualmente esta espécie é considerada Biomphalaria tenagophila, um dos três vetores brasileiros de Esquistossomose.


Biomphalaria tenagophila (antigo Helisoma nigricans), um dos vetores de Esquistossomose. Note o ar na câmara aérea. Foto de Cinthia Emerich.

 

Até existem alguns raros relatos de espécies norte-americanas invasoras da espécie Planorbella (antigo Helisoma) duryi no Brasil, mas são incomuns. Seu aspecto externo é muito semelhante a um Biomphalaria, e acredita-se que tenha sido introduzido na natureza por aquaristas. A variedade ornamental "Blue Ramshorn"  é desta espécie. veja um artigo desta espécie  aqui . Nas regiões frias da Europa, o Planorbis corneus é uma espécie comum na natureza, e em muitas fontes da internet em língua inglesa é mencionado que o Ramshorn selvagem se trata desta espécie. Novamente é um erro, em se tratando de aquários tropicais, esta espécie tem baixa sobrevida em temperaturas mais elevadas. Na Ásia, a espécie comum com este perfil é Indoplanorbis exustus, inclusive com variedades albinas de cor vermelha.   






"Red Ramshorn" Biomphalaria glabrata albina, comprada em loja de aquarismo em São Paulo, SP. Foto de Walther Ishikawa.





"Red Ramshorn"


 

Mas e os planorbídeos ornamentais vendidos nas lojas? Por exemplo, aqueles belíssimos “Red Ramshorns” em tons de rosa e vermelho? Novamente, quase todas as fontes na internet (inclusive em português) descrevem estes caramujos como Planorbis, ou Planorbella, porque são traduções de textos estrangeiros. Muitos até inventaram nomes científicos de fantasia, como Planorbis rubrum. Ou talvez para não passar a impressão negativa de que é a mesma espécie que transmite doenças.

 

Entretanto, é quase certo que todos os “Ramshorn” ornamentais à venda nas lojas brasileiras sejam Biomphalaria, lembrando que variedades albinas destas espécies (que são idênticas aos Planorbella albinos “Red Ramshorn”) são usadas há muito tempo em pesquisas de esquistossomose. Em diversas ocasiões, estes caramujos ornamentais brasileiros foram dissecados para identificação, e todos eram Biomphalaria albinos, principalmente B. glabrata (por exemplo, animais coletados em aquários de SP e MG) e B. tenagophila, (por exemplo, coletados em aquários de SC). Estas são as duas maiores espécies brasileiras de Biomphalaria, ambas vetores de esquistossomose. Nós mesmo realizamos algumas dissecções para identificação, o artigo pode ser visto  aqui .

 

O fato dos caramujos ornamentais serem potenciais vetores de doenças é um dado importantíssimo, muitas vezes desconhecido por nós aquaristas. Vale lembrar também que, por um motivo não muito claro, Biomphalarias albinas são mais susceptíveis à infecção pelo miracídeo do que variedades selvagens. Parece haver uma relação não muito clara entre o albinismo e a resistência à infecções por diversos parasitas. Basta lembrar que, mesmo na natureza, a porcentagem de caramujos albinos é bem mais alta do que nas demais espécies animais. Somente como exemplo, existem registros de uma ocorrência maior que 40% em Biomphalaria pfeifferi na África (em seres humanos, o albinismo ocorre em 0,007% da população).






Planorbídeo "Red Ramshorn" (Biomphalaria sp.), fotos de Chantal Wagner.




Biomphalaria

 

Existem 34 espécies descritas de Biomphalaria, confinadas às regiões tropicais e subtropicais do globo, com 22 espécies nas Américas (mais numerosas na América do Sul), e 12 na África, Madagascar e Oriente Médio. Durante muito tempo acreditava-se que estas espécies tivessem evoluído a partir de um ancestral comum desde a época da separação do supercontinente Gondwana (formando a África e Américas, há 100 milhões de anos). Outra hipótese era que estes caramujos (juntamente com a esquistossomose) tivessem chegado ao Novo Mundo através do tráfico de escravos. Hoje, baseado em análises genéticas e moleculares, sabe-se que provavelmente o gênero tem origem na América do Sul, tendo colonizado a África mais recentemente (há 2,3~4,5 milhões de anos), por uma rota incerta.

Onze espécies de Biomphalaria ocorrem no Brasil, e uma sub-espécie. Destas, somente três são hospedeiras naturais do Schistosoma, mas três outras são hospedeiras potenciais, havendo infecção em laboratório. O aspecto externo da concha e corpo é muito semelhante, a identificação da espécie é praticamente impossível para o não-especialista. As espécies B. tenagophila B. occidentalis possuem conchas mais largas e com giros carenados dos dois lados, mas nem sempre este aspecto é fácil de ser visto pelo leigo. Estas duas espécies têm o manto de coloração mais homogênea, sem um aspecto em "leopardo". B. schrammi  e B. helophila possuem lamelas internas na concha, mas somente em adultos. Na prática, as possibilidades diagnósticas só podem ser um pouco estreitadas nos caramujos de maiores dimensões, sabendo-se o tamanho máximo que eles podem atingir (e excluindo-se espécies menores), e baseado no local de coleta. As espécies são as seguintes:   

 

Hospedeiras naturais do S. mansoni:

Biomphalaria glabrata - concha de até 40 mm de diâmetro.

Biomphalaria tenagophila - concha de até 35 mm de diâmetro.

Biomphalaria straminea - concha de até 17 mm de diâmetro.

Hospedeiras potenciais do S. mansoni:

Biomphalaria amazonica - concha de até 8 mm de diâmetro.

Biomphalaria peregrina - concha de até 17 mm de diâmetro.

Biomphalaria cousini - concha de até 8 mm de diâmetro.


Não-hospedeiras:

Biomphalaria intermedia - concha de até 12 mm de diâmetro.

Biomphalaria kuhniana - concha de até 8 mm de diâmetro.

Biomphalaria schrammi - concha de até 8 mm de diâmetro.

Biomphalaria oligoza - concha de até 11 mm de diâmetro.

Biomphalaria occidentalis - concha de até 21 mm de diâmetro.

Biomphalaria tenagophila guaibensis - concha de até 19 mm de diâmetro.





Além desta distribuição nativa, as três espécies vetoras de Biomphalaria também foram detectadas como invasores em outros países:

  • Biomphalaria glabrata - Egito.
  • Biomphalaria tenagophila - Congo, Romênia.
  • Biomphalaria straminea - ilhas do Caribe, Hong Kong, China. 



 


Biomphalaria intermedia, uma das espécies que não são vetores de Esquistossomose. Foto de Walther Ishikawa.





Biomphalaria kuhniana, fotografada em Saint Laurent, Guiana. Outra espécie que não é vetor de Esquistossomose. Fotos gentilmente cedidas pela Associação Francesa de Conquiliologia.






Biomphalaria cf. tenagophila, exemplar selvagem e variedade "Blue". Note a evidente carena na sua concha. Esta espécie é um dos vetores mais importantes de esquistossomose. Fotos de Walther Ishikawa e João Vítor Serrano Linhares.




Biomphalaria schrammi, coletado em SP. Note as lamelas no interior da concha. Imagens extraídas de Ohlweiler FP, et al. Biota Neotropica 2020 (Licença Creative Commons, veja referència ao final do artigo).





Características e Ciclo de vida

 

Possuem conchas achatadas e em forma de disco, com um padrão planispiral, lembrando os extintos Ammonites. O nome Planorbídeo vem daí. Um detalhe curioso da concha destes animais é que eles têm espiralização sinistra, de forma idêntica aos Physa. Mas por ter este aspecto em disco, e ser carregada de forma invertida pelo animal, à primeira vista parece ter espiralização destra. Carrega a concha “de pé” quando caminha, o que permite a diferenciação dos Drepanotrema, outro planorbídeo brasileiro muito parecido, mas que carrega sua concha deitada.





Filhote de Biomphalaria intermedia, ainda com um aspecto mais globoso da concha. Compare com a foto abaixo. Fotos de Walther Ishikawa.



Diminuto adulto de Biomphalaria sp., encontrado em um aquário de São Paulo, SP. Foto de Heraldo Cidrão.




Vivem em regiões tropicais, não sendo encontrado em locais muito frios, ao contrário dos Physa. Porém, são um pouco mais tolerantes a águas ácidas, ocorrendo também em rios da bacia amazônica, mas não em pHs abaixo de 5,6. Sobrevivem fora da água por períodos relativamente longos, retraídos dentro da concha. Algumas espécies até podem adquirir modificações morfológicas durante a fase juvenil, que aumentam sua sobrevida durante o período de seca. Durante esta retração os caramujos podem abrigar larvas de S. mansoni, tornando o seu controle mais difícil.


Cristas dividem a sua cavidade do manto em três compartimentos, uma do lado direito do animal, preenchida por ar (câmara aérea ou pulmonar), e duas do lado esquerdo, por água (câmaras de entrada, superiormente, e saída de água, inferiormente). O ar entra e sai da cavidade através do pneumostoma. A água entra e sai através da pseudobrânquia. As três câmaras se comunicam, a pulmonar pode ser totalmente preenchida por ar ou por água. As funções destas cavidades envolvem flutuação e modificação do peso específico, reserva e transporte de oxigênio, circulação e eliminação de excreções, esqueleto d´água (mantendo a rigidez da cavidade do manto), e brânquia física (troca de oxigênio da bolha de ar com a água por difusão, através de Nitrogênio).  





Biomphalaria intermedia se alimentando de um pedaço de alface. Note as erosões na concha. Foto de Walther Ishikawa.




Cópula de Biomphalaria glabrata albina "Red Ramshorn", note o complexo peniano exposto. Note também como um dos animais "monta" no outro, diferente do gênero Planorbella. Foto de Andressa Malgueiro.






Casal de Biomphalaria em cópula, variedades selvagem e albina. Note como alternam os papéis de macho e fêmea. Fotos e vídeos cortesia de Alan Moreira. 





Ovos de Biomphalaria intermedia no vidro do aquário, em diferentes estágios de desenvolvimento. Foto de Walther Ishikawa.



Macro em ovos de Biomphalaria sp., foto de Tibério Graco.


 

Alimentam-se essencialmente de algas e detritos, mas podem se alimentar de plantas aquáticas com folhas mais tenras. Consomem restos de alimentos, plantas e animais mortos. Se criados em separado, devem receber uma alimentação básica de vegetais (como alface e outras folhas tenras), mas sempre suplementados com proteína animal. Estudos em laboratório demonstram um crescimento e reprodução maior quando a dieta é mista, ao invés de exclusivamente vegetal. Suplementação em Cálcio é fundamental, fazendo parte da dieta, e/ou solubilizada na água. Uma concentração ideal de Cálcio é estimada em 30 mg/L. Concentrações abaixo de 1,5 mg/L ou acima de 75 mg/L são correlacionadas com maior mortalidade. 


São animais hermafroditas e capazes de auto-fecundação, mas dão preferência à reprodução cruzada sempre que possível, reservando a auto-fecundação somente para quando não encontram parceiros. Este fato é bem documentado em B. glabrata. O B. tenagophila parece ser uma exceção, por ser uma espécie adaptada a ambientes que sofrem dessecação periódica, apresenta taxas de auto-fecundação maior, o que explica sua menor variabilidade genética e a maior taxa de indivíduos albinos selvagens. Neste caramujo, há predomínio de fertilização mista em experimentos de laboratório, com proles misturadas de indivíduos provenientes de auto-fecundação e fecundação cruzada.


Durante a cópula, um dos indivíduos age como macho, e o outro como fêmea, sendo a fecundação mútua bastante rara (<5%). Semelhante às Ampulárias, o "macho" sobe na concha da "fêmea", e realiza a cópula. Há estocagem de sêmen por várias semanas (21 a 35 dias), e usado preferencialmente pelo indivíduo atuando como fêmea. O fotoperíodo é importante para a reprodução, necessitando um período maior que 8 horas de iluminação por dia. Deposita seus ovos envoltos numa massa gelatinosa, enfileirados e aderidos em substratos sólidos, como o vidro do aquário. Os ovos eclodem entre 3 a 5 dias, gerando pequenos caramujos, miniatura dos pais. Bastante prolíficos, superpopulações em aquários é bastante comum, geralmente relacionada a alimentação excessiva. Existe um interessante trabalho brasileiro, demonstrando que um único indivíduo de B. glabrata pode produzir cumulativamente 10 milhões de descendentes em 3 meses.






Biomphalaria cf. schrammi, fotografada em Extremoz, RN. Foto de Francierlem Oliveira.







Biomphalaria sp. Fotos de Juan Felipe Zulian Santos.



Para a segunda parte do artigo (incluindo referências bibliográficas e agradecimentos), clique  aqui .

 
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