Caramujo Limnéa - Pseudosuccinea (Lymnaea) columella e outros
Caramujos de água doce, bastante comuns no Brasil,
inclusive em aquários, mas são pouco relatados, porque em geral são confundidos
com os caramujos Physa. Pertencem à
família Lymnaeidae. A espécie mais comum é Pseudosuccinea columella, um gênero monotípico. Sua taxonomia é confusa, até a muito pouco tempo atrás eram
classificados no gênero Lymnaea,
muitas fontes ainda citam este caramujo como sendo deste gênero. Em inglês, são chamados
popularmente de “Mimic Lymnaea”, ou de “American ribbed fluke snail”. Em aquariofilia, o nome popular é "Pond snail".
Pseudosuccinea columella, em grande quantidade no antigo reservatório de água no Núcleo Engordador, Serra da Cantareira, São Paulo, SP. Foto de Walther Ishikawa.
A rigor é uma espécie invasora, originária da porção leste
da América do Norte, mas hoje é tão disseminada que muitos o consideram uma
espécie cosmopolita. Tanto é que nem consta na maioria das listas de organismos
invasores do Brasil. Tem ampla distribuição no Brasil, mas é mais comumente encontrado
nos estados do Sudeste e Sul.
Pseudosuccinea
columella e Radix rubiginosa, note o
largo pé muscular, a cor clara do seu corpo, e o formato das "antenas" (tentáculos cefálicos). Fotos de
João Vítor Serrano Linhares e Walther Ishikawa.
Atinge até cerca de 20 mm, vive em variados corpos d´água
(rios, lagos), muitas vezes em condições de baixa oxigenação. Isto porque
(assim como os Physas) são animais anfíbios,
pulmonados, podendo ser coletados inclusive em locais emersos próximo à água.
Em ambientes hipóxicos, são vistos de ponta-cabeça, flutuando no filme d´água
com seu largo pé muscular para cima, e expondo sua abertura respiratória
(pneumostoma) para o ar. Comuns também em lagoas temporárias, possuem capacidade de estivação, saindo da água e fechando a concha com uma membrana de muco (epifragma) por até 4 meses. Ovos de algumas espécies também são resistentes à dessecação. São mais sensíveis à poluição do que os Physa. Preferem águas rasas, duras e alcalinas, são mais dependentes de concentrações adequadas de Cálcio na água do que outros caramujos. Existem outras espécies de Lymnaea sulamericanos que são menos dependentes de respiração aérea. É conhecida uma espécie do Lago Titicaca que passa toda sua vida submersa, sem repor seu estoque de ar.
Pequeno Pseudosuccinea
columella, caminhando sob o filme d´água. Foto de Walther Ishikawa.
Pseudosuccinea
columella, emerso na porção seca de um paludário. Esta imagem mostra bem as linhas de crescimento e sulcos na superfície da concha. Foto de Walther Ishikawa.
Animais vivos têm a concha marrom
escura, manchas arredondadas claras (cor creme) na sua porção bulbosa, e
apresentando próximo à margem um aspecto mais reticulado. Na realidade sua
concha é transparente, e esta coloração é do corpo do animal, perdendo este
aspecto quando o animal morre. Não têm opérculo, quando o animal retrai, a
abertura da concha é ocluída com o pé muscular. Sua concha lembra a do caracol Succinea, daí seu nome (veja sua ficha aqui ). Não possuem pseudobrânquia.
Pseudosuccinea
columella, concha em
close. Fotos de Walther Ishikawa.
Pseudosuccinea
columella, note os
pequenos olhos junto à base das antenas triangulares. Foto de Walther Ishikawa.
Pseudosuccinea
columella, outra foto destacando suas antenas triangulares. Foto de Chantal Wagner Kornin.
Lembram os caramujos Physa,
mas alguns sinais permitem sua correta identificação:
- Suas antenas são curtas, achatadas e triangulares, parecendo
pequenas orelhas (Physa possuem
antenas filamentosas).
- Seu pé é largo e curto, descritos como cordiformes (em forma de coração), ao contrário dos Physa, que têm pés longos e com a extremidade posterior afilada.
- Sua concha é espiralada em sentido horário, ao contrário
dos Physas. Significa que quando a
concha é vista olhando diretamente para sua ponta, mostra curvatura com rotação
horária. Significa também que quando olhamos a concha lateralmente, com a ponta
para cima e do lado onde há a abertura da concha, a abertura da concha fica à
esquerda.
- Sem interdigitações na borda do manto.
Comparação
entre Physa e Pseudosuccinea columella. Fotos de Walther
Ishikawa.
Physella
acuta rodeada por
várias Pseudosuccinea columella. Somente o caramujo no centro da foto é
uma Physa, mostrando como a diferenciação pode ser difícil, à primeira
vista. Na foto também é visível um grande Biomphalaria. Foto de Walther
Ishikawa.
Physella acuta junto a um Limnéia, provável Radix rubiginosa, fotos de José Victor Coutinho.
Um detalhe interessante, inexistente em literatura científica porém observado por aquaristas, é o fato destes caramujos possuírem um músculo que permite uma torção vigorosa da sua concha, semelhante aos caramujos Physa, usada para defesa contra predadores. Pensava-se que estes músculos eram exclusivos dos Fisídeos, inclusive o músculo é denominado músculo fisídeo por isso. Pode ser visto no GIF abaixo.
O músculo
fisídeo em ação, vídeo de Cynthia Hatsumi Yagi.
Pseudosuccinea
columella caminhando
em um galho submerso. A cabeça de um Physella acuta é visível à direita. Note
a diferença na antena dos dois caramujos. Foto de Walther Ishikawa.
Pseudosuccinea
columella caminhando
na concha de uma Pomacea diffusa. Fotos de Juliana Jara.
São animais hermafroditas, possuindo também a capacidade de
se auto-fecundar. Em muitos ambientes, esta é a principal forma de reprodução
deste animal. Semelhante a outros caramujos, depositam ovos translúcidos em
meio a uma massa gelatinosa incolor, enfileirados, uma média de 30 ovos. Sua cápsula de ovos é mais alongada do que outros caramujos, e possui uma parede dupla. Alimentam-se de algas e vegetais em
decomposição, não representando perigo para plantas ornamentais. Sua longevidade é estimada em cerca de 180 dias.
Pseudosuccinea
columella, foto de
Walther Ishikawa. Note o pneumostoma estendido, usado para respirar ar. A primeira foto do artigo também mostra o animal central respirando ar.
Ovos de Pseudosuccinea
columella
no silicone de um aquário, em diversos estágios de desenvolvimento. Fotos de
Walther Ishikawa.
Ovos de provável Radix rubiginosa, foto de José Victor Coutinho.
Ovos de Pseudosuccinea
columella
no momento da eclosão. Foto de
Raphael Silveira (Aquarismo Viçosa).
Este caramujo possui grande importância médico-veterinária,
por ser o hospedeiro intermediário do verme trematóide Fasciola hepatica, causador da Fasciolose (ou Fasciolíase, também
chamada de Saguaipé). É uma doença essencialmente de gado (em especial ovinos),
mas pode acometer seres humanos, como hospedeiro acidental. Os casos em seres
humanos têm aumentado bastante desde a década de 80, atualmente estima-se mais
de 2,4 milhões de pessoas infectadas no mundo.
A Fasciola é um verme
achatado em forma de folha, que na sua forma adulta se aloja no fígado e vias
biliares dos animais hospedeiros. É chamada de “Baratinha” ou “Barata-do-fígado”.
Possui um ciclo de vida complexo, que envolve caramujos de água doce. Os ovos
do verme adulto são excretados nas vias biliares, e terminam eliminados com as
fezes dos mamíferos. Atingindo ambientes de água doce, os ovos eclodem entre 9 a 25 dias, liberando
miracídeos, que penetram no corpo dos caramujos, onde se multiplicam. Formas livres
saem do caramujo, chamadas cercárias, que se encistam na superfície de folhas
aquáticas. Estas metacercárias infectam os hospedeiros definitivos através da
ingestão destas folhas, ou mais raramente através da água contaminada. Assim,
no ser humano, o maior risco de infecção é através de verduras com
desenvolvimento semi-aquático (como agrião). Outra forma mais rara é através de
ingestão de carne contaminada.
Risco de infecção por
Fasciola em aquaristas:
A presença
de P. columella em
aquários é mais comum do que se pensa, ela só é pouco relatada porque
geralmente é confundida com o Physa.
A quase totalidade destes animais não hospeda o verme, o risco de contágio
existe em animais coletados na natureza. Mas mesmo nestes casos, a meu ver, não
há necessidade de esvaziar e esterilizar o aquário, somente bastante cuidado
com a manipulação da água do aquário, num período de sete meses. Este período
de sete meses representa o período máximo para eclosão dos ovos (um mês), o
período máximo onde pode haver eliminação de miracídeos pelo caramujo (três
meses), mais o período máximo de viabilidade das metacercárias nas folhas e
demais estruturas do tanque (três meses). Ao contrário da esquistossomose, a
manipulação direta da água contaminada e objetos do aquário não representa
perigo. Desta forma, luvas não são necessárias. O risco reside na ingestão oral
da água ou detritos do aquário. Lavar bem as mãos e equipamentos é fundamental.
Pseudosuccinea
columella, junto a
uma pequena Lapa de água doce. A boca aberta com as rádulas são visíveis nesta
imagem. Foto de Walther Ishikawa.
Risco de disseminação
do caramujo no ambiente:
Apesar de muitos já considerarem
esta espécie cosmopolita (e não invasora), deve-se ter em mente que são
potenciais hospedeiros intermediários de doenças, assim, cuidados devem ser
tomados para evitar a dispersão destes animais na natureza. Água de TPAs não
deve ser desprezada no esgoto, ou em locais onde podem atingir rios e outros
ambientes aquáticos. Jogar a água no jardim é a melhor solução. Restos de podas
precisam ser jogados diretamente no lixo.
Lembrando que em muitos países a
entrada destes caramujos se deu através do comércio de plantas ornamentais
infectadas. Na Austrália, estes animais já estão se tornando um problema
bastante sério para criadores de ovinos. E a responsabilidade desta invasão foi
de nós, aquaristas.
Radix rubiginosa Recentemente (2021) foi relatada a presença de uma nova espécie exótica de Limneídeo em lojas de aquário de Belo Horizonte, MG, encontrada em metade das lojas amostradas. Trata-se da espécie asiática Radix rubiginosa (Michelin, 1831), cuja distribuição nativa é o sudeste asiático (Indonésia, Tailândia e Singapura), já reportado como invasor na África, Israel e Europa. Embora os exemplares amostrados nestas lojas não carreassem parasitas, esta espécie é um hospedeiro intermediário de diversos trematódeos de importância médico-veterinária. Há algum tempo já existem diversos relatos de caramujos Limneídeos em aquários com aspecto distinto dos Pseudosuccinea, muitas vezes maiores, com concha mais globosa e ápice menos projetado, e com menor pigmentação no manto. Provavelmente trata-se desta espécie. Grandes, podendo atingir 20 mm, em outros países esta espécie é eventualmente introduzida em aquários para fins ornamentais, além de outros nomes populares, são chamados de Yoda snail ou Pokemon snail, devido às grandes antenas que lembram orelhas. Sua concha é mais globosa e com a espira basal marcadamente inflada, ápice cônico e menos projetado do que o Pseudosuccinea. A pigmentação do manto também é diferente, com aspecto mosqueado e grandes áreas e faixas sem pigmentação. O colar do manto junto à margem é despigmentado, seguido por uma faixa enegrecida.
Provável Radix rubiginosa, note o aspecto distinto da concha, e também o corpo menos pigmentado. Fotos de João Vítor Serrano Linhares.
Provável Radix rubiginosa, comparação com Pseudosuccinea columella nas últimas imagens. Fotos de Solange Nalenvajko e Walther Ishikawa.
Outros Limneídeos no
Brasil
Além do P. columella, outras
cinco espécies ocorrem no Brasil, mas são bem mais incomuns. Abaixo, a tabela
das seis espécies, com os estados de ocorrência, e estimativa da porcentagem
de reportes:
- Pseudosuccinea columela
(Say, 1817) 95,7%
- Galba viatrix d’Orbigny, 1835 2,4% RS MG SC
- Galba cubensis Pfeiffer, 1839 1,4% RJ MG
- Galba truncatula (Müeller,
1774) 0,7% RJ MG
- Lymnaea rupestris Paraense,
1982 0,2% SC
- Radix rubiginosa (Michelin, 1831) ? MG
As três espécies de Galba
também são susceptíveis à infecção pelo Fasciola,
inclusive, G. viatrix é um vetor
ainda mais eficiente do que o P.
columella. G. truncatula é uma
espécie exótica, europeia. Todas estas outras espécies foram encontradas simpátricas
com o P. columela no Brasil. Há alguma controvérsia na taxonomia dos Galba e gêneros próximos, além de grande similaridade morfológica entre as espécies, sendo por isso chamados genericamente por alguns autores de Grupo Galba/Fossaria. Por isso, algumas fontes ainda citam estas espécies como sendo do gênero Lymnaea.
Dentre estes Limneídeos, a identificação entre os gêneros é
fácil, baseada somente no aspecto da concha. As três espécies de Galba possuem um aspecto mais globoso, giros arredondados que crescem gradativamente e suturas profundas. Pseudosuccinea
tem a espira pequena, com ápice pontiagudo e giro corporal volumoso. Lymnaea rupestris é uma espécie pequena
(6 mm), com uma concha que lembra o Galba,
mas com suturas muito profundas, e ombros bem demarcados. A diferenciação dentre
as três espécies de Galba é bem
difícil, mesmo com dissecação, sendo muitas vezes possível somente com análises moleculares.
Limneídeo Galba sp. encontrado no Rio Benedito, em Benedito Novo (SC). Na última imagem, uma comparação com um Physella. Fotos de Francisco Carneiro.
Galba viatrix, encontrado em um riacho próximo a um manguezal, em Ubatuba, SP. Embora não haja registro oficial, esta espécie já foi coletada em SP. Fotos de Walther Ishikawa.
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Agradecimentos a Thiago Petrellio pela doação de alguns animais. Agradecimentos também aos aquaristas João Vítor Serrano Linhares, Solange Nalenvajko, Raphael Silveira ( Aquarismo Viçosa ), Cynthia Hatsumi Yagi, José Victor Coutinho, e ao biólogo Francisco Carneiro pela cessão das fotos e vídeo para o artigo. Finalmente, somos gratos ao Prof. Luiz Simone (MZUSP) pela determinação do Galba de Ubatuba.
As fotografias de Walther Ishikawa e Raphael Silveira estão licenciadas sob uma Licença Creative Commons . As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.
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