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"Pomacea urceus"  
Artigo publicado em 26/07/2013, última edição em 18/08/2023  

Pomacea (Pomacea) urceus
(Müller, 1774)




Pomacea urceus, coletado em um riacho de Tobago por Charlotte Lloyd. Mede 107 mm, a nota de um dólar como referência do seu grande tamanho. Foto de Bill Frank.



Trata-se de uma espécie de Ampulária sul-americana de grandes dimensões, que tem um modo de vida e reprodução único entre as Pomacea. Existem duas espécies aparentadas e bastante próximas filogeneticamente, a maioria dos autores considerava P. guyanensis como sendo sinônima da P. urceus (e P. nobilis sinônima de P. guyanensismas análises moleculares confirmaram se tratar de três espécies distintas. Pertence ao Clado “Effusa”, parentes do Pomacea glauca, outra espécie que passa por estivação.


Foi a primeira espécie descrita de ampulária da história, como Nerita urceus, por Müller, em 1774.

 

Estas grandes Ampulárias adotam uma estratégia reprodutiva única dentre todas as Pomacea, com uma espécie de cuidado parental que não é encontrada em nenhum outro Ampularídeo. Por este motivo, alguns chamam estas espécies de “Ampulárias Vivíparas”. São chamadas de Churos em países de língua espanhola, especialmente Equador, Peru e Bolívia. Na Colômbia e Venezuela são conhecidas como Güarura.  


Pomacea urceus, coletado em uma margem lodosa de um riacho de Tobago por Charlotte Lloyd. Mede 82 mm. Fotos de Bill Frank.


Pomacea urceus, coletado em uma margem lodosa de um riacho de Tobago por Charlotte Lloyd. Mede 78 mm. Fotos de Bill Frank.


 

Concha: São Ampulárias de grandes dimensões, com concha bastante globosa, umbilicus largo e profundo, espira baixa. Giros arredondados, suturas rasas, conchas com 4,5 a 6 voltas. Último giro corporal bastante amplo, abertura ovóide. Umbilicus estreito e profundo. Possuem conchas espessas e pesadas, com linhas de crescimento transversais bem pronunciados. Pelo seu caráter escavador, frequentemente mostram sinais de erosão na região apical da concha, com periostraco descascado, mas sem muita dissolução mineral. Coloração amarela, verde-oliva, marrom a negra, quase sempre sem faixas. Columella (lábio interno) geralmente branco. Pode haver marcas dos ovos na superfície interna da concha, na região do último giro. O aspecto das conchas é indistinguível entre esta espécie, P. guyanensis e P. nobilis (exceto as marcas dos ovos). 

O tamanho destes caramujos varia de 125 a 145 mm de altura e 115 a 125 mm de largura. Juntamente com a Pomacea maculata, são as maiores espécies de Ampulárias, e as maiores espécies de gastrópodes de água doce. Há um dimorfismo sexual no tamanho, acima de 10 cm, só são encontradas fêmeas.  

Devido à sua concha bastante espessa e rígida, são usadas por populações indígenas das planícies da Colômbia e Venezuela para a confecção de pontas de lanças e flechas.



Pomacea urceus e Pomacea guyanensis, mostrando a semelhança das conchas. Fotos de Kenneth Hayes.





Opérculo: O opérculo tem uma espessura média e um aspecto córneo. Sua estrutura é excêntrica com o núcleo mesomarginal. Cor marrom escuro. O opérculo pode ser retraído na abertura da concha, mas cobre somente 3/4 da área de abertura.

Corpo: A cor do corpo é granada escuro, quase chumbo-preto na região dorsal. O pé é amarelo creme. Quando em repouso, os tentáculos ficam enrolados sobre a concha.






Pomacea urceus fotografada em Carapo, Tunapuna/Piarco, Trinidad e Tobago. Foto de Ryan Mannette.





Reprodução e estivação: Pomacea urceus vive em corpos d´água temporários no Norte da América do Sul, e adotam uma estratégia reprodutiva única dentre as Pomacea. Acasalam-se ao final da estação chuvosa, e então as fêmeas se enterram no substrato lodoso, e passam por um período de estivação durante a estação seca, quando os locais onde vivem secam completamente. Mesmo os animais que vivem em rios estivam, se enterrando nas suas margens acima do nível d´água. Frequentemente casais são encontrados enterrados a alguns centímetros um do outro.

A desova ocorre no início da estação de seca (Dezembro-Janeiro), no começo do período de estivação, já com as fêmeas enterradas. Ovos são depositados inicialmente na cavidade do manto, e então junto à face externa do opérculo, no interior da concha (opérculo retraído), numa espécie de câmara incubadora entre o opérculo, a abertura da concha e a lama seca.

Os ovos se desenvolvem durante a estação seca, dentro da concha da mãe (mesmo se eventualmente a mãe morrer), eclodindo em Janeiro-Fevereiro. Periodicamente, a mãe secreta fluidos corporais nesta câmara, para resfriar a si mesmo e a prole. Após a eclosão, os filhotes recém-nascidos permanecem dentro da concha da mãe, protegidos do calor e desidratação, e também entram em um processo de estivação até o início da estação chuvosa (Maio a Novembro), por um período de cerca de 4 meses.



Esquema demonstrando a Pomacea urceus em estivação, com os ovos na câmara de incubação.


Pomacea urceus com ovos no interior da concha, fotografado em San Juan-Laventille, Trinidade e Tobago. Foto cortesia de Linton Arneaud.






Pomacea urceus em estivação em um leito seco de rio na Venezuela, com filhotes em incubação. A última foto mostra as marcas dos ovos na superfície interna da concha. Fotos de Richard Asten.

 

Pomacea urceus somente se enterra superficialmente na lama durante a estivação, o topo da concha permanecendo fora da lama seca, com a abertura virada para o solo. Mas já foram encontrados a até 70 cm de profundidade. Seu metabolismo permanece aeróbio, em contraste com outras espécies como a Pila virens, que adquirem um metabolismo anaeróbio durante este período de dormência.

 

São animais bastante robustos, sobrevivem mesmo com a perda de até 62% do seu peso durante o período de estivação. Porém, geralmente a perda de massa neste período é bem menor do que outras espécies que passam por estivação, em média retêm 66% da sua massa corporal. Um grande desafio que estas Ampulárias enfrentam durante a seca é o intenso aquecimento pela exposição direta ao sol. Estes caramujos usam um mecanismo de resfriamento por evaporação (comparável à transpiração em humanos) para manter suas temperaturas abaixo de 41°C. A temperatura letal destes animais varia de 40º a 45°C, animais maiores sendo mais resistentes. Em laboratório, suportam um período superior a 17 meses (526 dias) em estivação.

 

Com o início da estação chuvosa, os filhotes abandonam a câmara incubadora, e começam a se alimentar. Mostram um rápido crescimento, atingindo cerca de 85 mm por volta de Novembro, quando estão sexualmente maduros, e aptos à estivação. Sua longevidade é estimada entre 2 e 5 anos, as fêmeas produzem somente duas a três desovas ao longo da sua vida.

 

Sendo uma espécie comestível, e bastante procurada por colecionadores, esta espécie mostra sinais de sobre-exploração na natureza. Existem alguns trabalhos pesquisando o potencial desta espécie em aquicultura, sua reprodução pode ser induzida em cativeiro, simulando as condições naturais de seca, com redução gradativa do nível d´água. Os ovos são retirados cuidadosamente das conchas enterradas das fêmeas, e a eclosão é feita em terrários úmidos e aquecidos, após um período de incubação de 21 a 34 dias. A taxa de sobrevivência é elevada, atingindo 96%.






Pomacea cf. urceus, exemplar da Venezuela, criado em um aquário. Fotos de Simón Dominguez.








Pomacea cf. urceus, outras fotos do mesmo exemplar venezuelano, fotos gentilmente cedidas por Simón Dominguez.


 

Ovos: A coloração dos ovos é variável, podem ser brancos, alaranjados, e até verde pálido. Cada postura tem de 50 a 200 ovos, de grandes dimensões, medindo de 6,7 a 15,5 mm. São fracamente aderidas uma à outra, e à superfície interna da concha da mãe. Os filhotes recém-nascidos também são bem grandes, medindo 10 mm.







Pomacea urceus fotografada em Hacienda Jacana, Couva-Tabaquite-Talparo, Trinidad e Tobago. Fotos de Mike G. Rutherford.

 





Distribuição geográfica das três espécies de Pomacea no Brasil. Imagem original Google Maps; dados das referências bibliográficas abaixo.



Habitat e distribuição: Tem uma distribuição na região equatorial da América do Sul, sendo encontrado na Guiana e Guiana Francesa, Venezuela, Colômbia, Trinidade e Tobago, Peru, Equador e Brasil. No nosso país, sua ocorrência é registrada somente nos estados do AM, PA e AP.
São comuns nas planícies colombo-venezuelanas que sofrem seca periódica, principalmente na bacia do Orinoco. Presentes mas mais incomuns na bacia do Amazonas. Frequentes também nas planícies de Trinidade e Tobago. Nas Guianas ocorrem nas regiões de savana. Encontrados também próximos a áreas litorâneas, tolerando algum grau de salinidade, de até 15 ppm.
Devido à confusão taxonômica com P. guyanensis, alguns autores sugerem uma distribuição menos ampla, somente nas planícies inundáveis da Colômbia e Venezuela, e em Trinidade e Tobago. Há presença bem documentada também nas savanas das Guianas. Desta forma, a presença brasileira também pode ser questionada, talvez somente no extremo norte, por exemplo, nas savanas do Rio Branco. Os demais registros podem ser atribuídos a P. guyanensis.
Há também um antigo registro no Rio Mississippi (EUA), quase certamente um erro de identificação.  



 

 

 








 

Bibliografia adicional:

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  • Ramnarine IW. Induction of spawning and artificial incubation of eggs in the edible snail Pomacea urceus (Muller). Aquaculture. Volume 215, Issues 1–4, 10 January 2003, Pages 163–166.
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  • http://www.heimbiotop.de/apfelschnecken.html
  • http://www.conchasbrasil.org.br/
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Esta ficha foi adaptada do portal  applesnail.net , possivelmente o melhor banco de dados de Ampulárias que existe na internet. Agradecimentos a Stijn Ghesquiere, responsável pelo portal, por permitir o uso do material, ao portal  Conquiologistas do Brasil , por valiosas informações. Agradecemos também ao colega aquarista venezuelano Simón Dominguez, a Bill Frank ( Jacksonville Shell Club  ), a Kenneth Hayes e aos colaboradores do iNaturalist Mike G. RutherfordRyan Mannette e Linton Arneaud pela cessão das fotos para o artigo. Agradecimentos especiais também a Richard Asten (Acuicola Miranda, Venezuela) pela cessão das fotos e preciosas informações. 


As fotografias de Kenneth Hayes, Mike G. Rutherford (iNaturalist) e Ryan Mannette (iNaturalist) estão licenciadas sob uma Licença Creative Commons. As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.

 
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