Fotos do Spiripockia punctata, uma nova espécie de caramujo cavernícola descoberta em 2012 na Bahia. as duas primeiras imagens mostram o parátipo fêmea medindo 3,4 mm. Abaixo, outro parátipo fêmea de 3,3 mm. As duas fotos menores à direita mostram um parátipo juvenil. Fotos de Luiz Ricardo L. Simone, extraído da segunda referência (Simone, 2012).
Moluscos
Cavernícolas Brasileiros
Introdução
As cavernas são cavidades naturais subterrâneas formadas
freqüentemente pela dissolução e/ou erosão hídrica em diversos tipos de relevos
rochosos. No Brasil há aproximadamente 5000 cavidades naturais (cavernas)
cadastradas, mas estima-se que o potencial brasileiro seja de aproximadamente
100 mil cavernas.
Cavernas são ambientes geralmente oligotróficos com
elevada umidade, temperatura constante e ausência permanente de luz. A
característica mais marcante dos ambientes subterrâneos é a ausência permanente
de luz, sendo que muitas das características bióticas e abióticas destes
ambientes são influenciadas pela constância desta pressão ambiental. As
comunidades cavernícolas são formadas por seres altamente especializados a
estes ambientes estáveis, desta forma, quaisquer espécies troglóbias são
automaticamente colocadas no status de ameaçadas, devido à distribuição
restrita e elevado grau de endemismo. Sendo assim, quaisquer cavidades que
possuam espécies troglóbias estão protegidas por lei, devendo ser preservados
seu habitat e adjacências.
Dentre os invertebrados aquáticos cavernícolas, são
relativamente conhecidas as Aeglas,
crustáceos decápodos que lembram caranguejos, mas são parentes dos ermitões
marinhos. Algumas espécies troglóbias ocorrem nas cavernas do complexo PETAR (Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira)
e PEI (Intervales) que se localiza no sul do estado de São Paulo. Três espécies
constam no “Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção” (2008) da
IUCN/MMA como espécies vulneráveis. Um artigo sobre crustáceos cavernícolas, e
uma breve descrição sobre as características dos animais
troglóbios/troglomórficos pode ser vista aqui .
Outro grupo pouco conhecido de invertebrados aquáticos
cavernícolas são os moluscos, tema do presente artigo.
Potamolithus troglobius, foto de Maria Elina Bichuette, extraído da primeira referência (Trajano, Bichuette, 2009).
Potamolithus
Os Potamolithus
são pequeninos caramujos de água doce, de concha globosa, da família Lithoglyphidae.
São endêmicos da América do Sul, no Brasil encontrados nos estados de MG, SP,
SC e RS. Um artigo geral dos caramujos deste gênero pode ser visto aqui .
Espécies cavernícolas de Potamolithus são conhecidas habitando o mesmo complexo de cavernas
das Aeglas, no Vale do Ribeira, sul
do estado de São Paulo, onde praticamente toda microbacia abriga uma população
distinta, totalizando duas espécies epígeas, sete espécies troglofílicas e
cinco espécies troglobíticas. Somente duas das espécies cavernícolas já foram
descritas formalmente, Potamolithus
troglobius (troglóbia, sistema Areias) e Potamolithus karsticus (troglófila, Calcário Branco), ambos por Simone
e Moracchioli, em 1994. A primeira consta no “Livro Vermelho da Fauna
Brasileira Ameaçada de Extinção” (2008) da IUCN/MMA como espécie vulnerável.
Outra espécie troglobítica ainda não descrita foi recentemente descoberta nas
cavernas do Parque Nacional da Serra da Bodoquena, Mato Grosso do Sul.
São todas espécies pequenas, medindo pouco mais de 2 mm,
sem olhos e despigmentadas. As espécies paulistas já foram estudadas quanto à
sua biologia populacional e reprodutiva, um fato interessante é a de que não
possuem períodos reprodutivos (ao contrário das espécies não-cavernícolas da
mesma região), reproduzindo-se ao longo do ano, refletindo a grande
estabilidade dos habitats que ocupam. Outro fato curioso é a de que são relativamente
numerosos, com a mesma densidade populacional das espécies epígeas. Porém, por
habitarem rios subterrâneos com uma extensão total menor, o tamanho total da
população é menor em comparação às espécies epígeas.
Potamolithus troglobius, fotos de Luiz Ricardo L. Simone (ICMBio).
Spiripockia
Recentemente (2012) foi descrito por Simone um outro
gastrópode cavernícola, o Spiripockia
punctata, um gênero e espécie novos de Cochliopidae (a espécie recentemente mudou de família, previamente era classificada como Pomatiopsidae). Em 2021 foi descoberta uma segunda espécie cavernícola, S. umbraticola. O gênero Pyrgophorus também
pertence à família Cochliopidae, há um registro recente por um colaborador do site, a espécie ganhou um
artigo específico que pode ser visto aqui .
Ambos caramujos são encontrados em cavernas da Bahia, cada espécie somente em uma caverna (caverna Lapa dos Peixes e Gruta do Domingão), Serra
do Ramalho, na Caatinga semi-árida do sudoeste da Bahia. Uma terceira espécie ainda não identificada foi encontrada também em 2012, na Serra da Bodoquena (MS).
Assim como os Potamolithus
cavernícolas de São Paulo, é uma espécie bem pequena, o comprimento da concha
medindo 5 mm. A concha do S. punctata é levemente alongada, algo turriforme, frágil e
translúcida, normalmente esculturada por pústulas contendo pêlos do perióstraco
no topo das pústulas. S. umbraticola possui concha mais turriforme e menos esculturada, de cor acastanhada. Primeira espécie com ausência total de pigmentação, e ausência de olhos, pigmentação e olhos rudimentares na segunda espécie. Pé
tão largo quanto longo, tentáculos cefálicos curtos e rombos, opérculo
translúcido e oval. Dióico, sem dimorfismo aparente nos órgãos externos.
Spiripockia punctata,
holotipo medindo 4,6 mm. O opérculo está em escala. Fotos de Luiz Ricardo L. Simone, extraído
da segunda referência (Simone, 2012).
Outros moluscos
Lapas de água doce (Ancilídeos, Pulmonata) também já foram
registradas em cavernas do Vale do Ribeira, São Domingos, e norte de Minas
Gerais (identificados como gênero Gundlachia,
ou um gênero próximo, nas duas últimas localidades).
Dentre os bivalves, Pisidium
sp. foi encontrado em cavernas da área cárstica de São Domingos. E em 2022 foi formalmente descrita Eupera troglobia, da caverna Casa da Pedra, em Lagoa da Confusão (TO), a primeira espécie de bivalve troglóbia descrita nas Américas, e possivelmente a segunda no mundo. Medindo somente 5 mm, foi encontrada fixa às paredes da caverna com bisso.
Eupera troglobia, fotos na caverna Casa da Pedra, Lagoa da Confusão, TO. Na segunda foto, junto a um opilão. Fotos extraídas de Simone LRL, Ferreira RL 2022 (oitava referência).
Bibliografia:
- Trajano E, Bichuette ME.
(2009). Diversity of Brazilian subterranean invertebrates, with a list of
troglomorphic taxa. Subterranean Biology
7: 1-16.
- Simone LRL. (2012). A new
genus and species of cavernicolous Pomatiopsidae (Mollusca, Caenogastropoda) in
Bahia, Brazil. Papéis Avulsos de Zoologia
52 (40): 515–524.
- Silva MS. 2008. Ecologia e
Conservação das Comunidades de Invertebrados Cavernícolas na Mata Atlântica
Brasileira. Tese de doutorado. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte.
- Bichuette ME, Trajano E. A
population study of epigean and subterranean Potamolithus snails from southeast Brazil (Mollusca: Gastropoda:
Hydrobiidae). Hydrobiologia 505:
107–117, 2003.
- Machado
ABM, Drummond GM, Paglia AP. Livro vermelho da fauna brasileira ameaçada de
extinção - 1.ed. - Brasília, DF : MMA; Belo Horizonte, MG : Fundação
Biodiversitas, 2008. 2v. (1420 p.): il. - (Biodiversidade ; 19).
- Bichuette ME, Trajano E. Diversity of Potamolithus
(Littorinimorpha, Truncatelloidea) in a highdiversity spot for troglobites in
southeastern Brazil: role of habitat fragmentation in the origin of
subterranean fauna, and conservation status. Subterranean Biology, v. 88, p.
61–88, 2018.
- Simone
LRL, Salvador RB (2021) A new species of Spiripockia from eastern Brazil
and reassignment to Cochliopidae (Gastropoda, Truncatelloidea). Journal of
Natural History 54(47–48): 3121–3130.
- Simone LRL, Ferreira RL (2022) Eupera troglobia sp. nov.: the first troglobitic bivalve from the
Americas (Mollusca, Bivalvia, Sphaeriidae). Subterranean Biology 42: 165-184.
Agradecimentos ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade,
vinculado ao MMA, pela permissão do uso da foto.
As fotografias
do Dr. Luiz Ricardo L. Simone, Dra. Maria Elina Bichuette, e Dr. Rodrigo Lopes Ferreira, extraídas das duas primeiras e oitava referências (Trajano, Bichuette 2009, Simone 2012 e Simone, Ferreira 2022) estão licenciados sob
uma Licença Creative Commons. As demais fotos
têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores. |