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Lapa de água doce 2  
Artigo publicado em 14/01/2012, última edição em 30/08/2023  

Lapas de Água Doce (página 2)




Gundlachia Pfeiffer, 1849: As conchas das espécies brasileiras têm altura variável (veja esquema), todos com ápice arredondado. Outros detalhes devem ser levados em consideração para a identificação. Gundlachia bakeri Pilsbry, 1913 é uma pequena Lapa encontrada somente na região amazônica (PA e AM), habitando águas extremamente ácidas (pH 4.0), lembram bastante as Lapas comuns de aquário, com ápice arredondado e pouco pronunciado, e manto pouco pigmentado. Costumam ter a concha mais arredondada, bem escura, por impregnação de taninos e outras matérias destas águas pretas. Gundlachia radiata (Guilding, 1828) é uma espécie problemática para ser identificada porque lembra muito o Hebetancylus moricandi. Como esta, é uma Lapa grande (15 mm), com concha baixa, ápice obtuso e achatado. Ocorre do sul dos EUA, ampla distribuição no Brasil, até o Noroeste da Argentina. Costuma ter uma pigmentação mais rica e irregular no manto. Gundlachia ticaga (Marcus & Marcus, 1962) é a terceira espécie, pequena (5 mm), possui uma concha relativamente alta, com ápice arredondado e proeminente, bastante recurvado e muitas vezes ultrapassando a borda da concha, um detalhe que auxilia na sua identificação. Geralmente possui pouca pigmentação no manto, com um padrão que lembra U. concentricus, mais concentrado à esquerda, e na cabeça. Sua cápsula de ovos contém geralmente 1 a 4 ovos (há registros de até 14). Ocorre do Brasil (GO, MT, RJ, SP, PR e RS) até a Argentina. Eventualmente pode ser confundido com as lapas comuns de aquário, mas é mais pigmentada e tem tentáculos longos. Há registros recentes de mais três espécies no Brasil, Gundlachia lutzi (MG), Gundlachia leucaspis (MT) e Gundlachia saulcyana (BA, PE e RJ). Outra característica típica deste gênero é seu pé, alongado e com a região posterior afilada.









Gundlachia
ticaga, coletadas em Santo Antônio do Pinhal, SP. Fotos de Walther Ishikawa.




Gundlachia radiata (esq) e Gundlachia ticaga (dir), coletadas no Rio Guandu, Rio de Janeiro, RJ. Fotos extraídas de Miyahara IC et al, 2017, Licença Creative Commons. Veja referência na Bibliografia.





Uncancylus Pilsbry, 1913 e Syneancylus Gutiérrez Gregoric 2014: Cada gênero é representado por somente uma única espécie no Brasil, Uncancylus concentricus (d’Orbigny, 1835), amplamente distribuída, ocorrendo desde a Costa Rica até a Argentina, é o ancilídeo neotropical com distribuição mais austral, preferindo climas mais amenos. Possui um ápice agudo e curvado para trás, o que auxilia na sua identificação. Mede cerca de 11 mm. Seu manto possui uma pigmentação irregular, com manchas escuras. Sua cápsula de ovos contém 2 a 11 ovos. Syneancylus rosanae (Gutiérrez Gregoric 2012) é uma diminuta lapa de concha discóide descoberta recentemente (descrita originalmente como Anancylus, um nome pré-ocupado por um gênero de besouro cerambídeo), única espécie do gênero conhecida somente na região sul das Cachoeiras do Iguaçú. No Brasil, foi encontrada somente no PR próxima à fronteira argentina. Possui rica pigmentação escura no manto, concha arredondada, com ápice mediano posterior. É a única Lapa brasileira com concha arredondada (exceto por algumas espécies da exótica Laevapex), e ápice na porção anterior da concha. 











Uncancylus concentricus, coletada no Rio Jaguari, em Areia Branca, SP. Note su concha, alta, com ápice agudo e curvado para trás. Fotos de Walther Ishikawa.














Uncancylus concentricus
, em aquário de Marília, SP. Fotos e exemplares gentilmente cedidas por Max Wagner.












Lapa Uncancylus concentricus fotografada na represa de Vinhedo, SP. Fotos de Walther Ishikawa.





Gêneros Exóticos e Cosmopolitas


Ferrissia Walker, 1903: É um gênero cosmopolita, no Brasil há registros de Ferrissia gentilis Lanzer, 1991 nos estados de SC, RS e GO, e da espécie exótica norte-americana Ferrissia californica (Rowell, 1863) (antiga F. fragilis) em MG e RJ (provável em GO, ES e SP). São bem pequenos (3 mm), sem pigmentação (F. gentilis) ou somente uma mancha anterior (F. californica) do manto, com concha elipsoide e alta, ápice arredondado e não recurvado. Diferente da maioria das outras espécies, o ápice se localiza próximo à linha mediana da concha (Ferrissia e Hebetancylus). Outra característica marcante deste gênero são seus tentáculos cefálicos curtos e arredondados. Muito provavelmente as Lapas comuns encontradas em aquários pertencem a este gênero. A identificação do F. californica no Brasil é bastante recente (2015), é uma espécie praticamente cosmopolita, o ancilídeo com distribuição geográfica mais vasta conhecida, sendo encontrado na América do Norte, Europa, África, Austrália, e agora América do Sul. Suas cápsulas de ovos contém somente um ovo por cápsula. 






Ferrissia cf. gentilis, coletada na Represa de Guarapiranga, São Paulo, SP. Fotos de Fernando Barletta.





Lapa comum de aquário, Ferrissia sp. Note seus tentáculos cefálicos bem curtos, típico deste gênero.
Fotos de Walther Ishikawa.



Duas pequenas lapas Ferrissia em visão dorsal. Note os olhos escuros. Note também a ausência de pigmentação no manto. O exemplar da esquerda é escuro devido aos alimentos no trato digestivo, visíveis através do corpo translúcido. Foto de Juliana Jara.







Provável Ferrissia californica, surgiu em um aquário em São Paulo, SP. Note a pigmentação na porção anterior do manto. Fotos e vídeos cortesia de Cindy Lopislazuli.






Cápsulas de ovos de Ferrissia sp., contendo cada uma somente um único ovo. Note como são proporcionalmente grandes em relação ao animal. Fotos de Walther Ishikawa.



Desenvolvimento dos ovos de Ferrissia sp.. O intervalo entre os frames é de um dia, exceto o primeiro e último (dois dias). Fotos de Walther Ishikawa.




Burnupia Walker, 1912: Um gênero tipicamente africano, por muito tempo considerado um ancilídeo, desde 2017 é classificado numa família própria (Burnupiidae). No Brasil há registros de Burnupia ingae Lanzer, 1991 nos estados do PA, MT, GO, AL, ES, SC e RS, e de uma espécie não-identificada de Burnupia no RJ. É parecido com os Ferrissia, também pequenos (3 mm), sem pigmentação no manto, concha alta com ápice arredondado e não recurvado. Porém, possuem a abertura da concha mais redonda, e o ápice se localiza mais à direita. Seu pé muscular tem a região posterior arredondada, diferente dos Gundlachia que são mais afilados. Juntamente com as Ferrissia, são as únicas Lapas encontradas no Brasil com os tentáculos cefálicos curtos. São mais comuns em riachos límpidos e de leito rochoso, com alta necessidade de oxigênio dissolvido, sendo portanto bioindicadores.






Lapa Burnupia sp., medindo cerca de 2 mm, fotografado no Lago Sibaya, em Umkhanyakude, KwaZulu-Natal, África do Sul. Este gênero de lapas já foram identificadas no Brasil. Fotos de Ricky Taylor.




Laevapex Walker, 1903: Este gênero tipicamente Norte-americano também foi encontrado no Brasil, nos estados do PA, BA, ES, SP, GO, PR e RS. Em GO, foi identificada como Laevapex fuscus, mas não se sabe se todos estes são desta espécie. Sua concha é típica, elíptica e com um ápice arredondado, liso, próximo ao centro da concha, discretamente posterior e à esquerda. Outras espécies têm a concha arredondada, como o L. diaphanus. Possui uma pigmentação intensa, concentrada no lado esquerdo do manto. Tentáculos cilíndricos e de comprimento médio, com uma faixa central de pigmentação, este detalhe é bastante útil para a diferenciação das outras lapas.






Lapa Laevapex fuscus, fotografado em North Creek, Washington, EUA. Esta espécie já foi identificada no Brasil. Fotos de Kate Turner.




Laevapex fuscus, outro exemplar norte-americano. Esta imagem mostra bem a pigmentação dos tentáculos cefálicos. Foto cortesia do Prof. John Burch.




Formas septadas e gundlaquioides


Uma curiosa variação morfológica encontrada em alguns Ancilídeos (Gundlachia e Ferrissia) é a formação de um septo na região basal das conchas, fechando parcialmente a sua abertura. Chamada de forma septada ou gundlaquioide, está relacionada com condições ambientais adversas, ou com uma fase de repouso que coincide com a hibernação ou a estivação, de modo a preservar a água do corpo, aumentando a sobrevivência da espécie. São frequentes em algumas espécies, e é um motivo de grande confusão na identificação destes animais. Há casos de formas septadas que foram erroneamente descritas como novas espécies, ou mesmo um novo gênero. Na figura abaixo, algumas variações septadas e gundlaquioides, em comparação com a forma pateliforme típica (primeiro à esquerda).



Lapas com morfologia septada. Foram encontradas em um recipiente com água que permaneceu fechado por alguns meses, em Avaré, SP. Fotos cortesia de Mateus Giovanni.







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Ficha escrita por Felipe Aoki e Walther Ishikawa

Agradecimentos aos aquaristas Mateus Camboim, Fernando Barletta, Max Wagner, Cindy Lopislazuli, Alice Carrie, Mil Marques, Mateus Giovanni, e Matheus Eduardo Gianesini, aos biólogos Jéssica Moreira Barth e Alcemar Rodrigues Martello, à malacologista Susana Escobar (Argentina, responsável pelo blog Moluscos Dulceacuicolas de Argentina ), ao malacologista Prof. John B. Burch (Universidade de Michigan-Ann Arbor) e aos fotógrafos Shaun Lee (Nova Zelândia), Ricky Taylor (África do Sul) e Kate Turner (EUA) pela cessão das fotos para o artigo.



As fotografias de Felipe Aoki, Walther Ishikawa, Susana EscobarRicky Taylor (iNaturalist) e Kate Turner (iNaturalist) estão licenciadas sob uma Licença Creative Commons. As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.
 
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