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Ostra-de-rio  
Artigo publicado em 05/07/2020, última edição em 17/07/2020  



Ostra-de-rio


 

Apesar do nome popular, a Bartlettia stefanensis (Moricand, 1856) não é uma ostra verdadeira, não adere nem se cimenta ao substrato. Tem o aspecto de uma ostra devido à concha deformada e irregular, e ao aspecto esfolhado da parte externa. Isto ocorre devido ao seu modo de vida, habita pequenas perfurações existentes em rochas submersas ou em frestas de substrato argiloso endurecido (laterita) junto às margens. À medida que cresce, sua concha se deforma amoldando-se a estas depressões irregulares.

É a espécie monotípica do gênero, sua posição filogenética ainda é motivo de debate, até a metade do século XX era classificada na família Etheriidae, uma família contendo três outros gêneros monotípicos de ostras verdadeiras de água doce (África, Índia e América do Sul, na Colômbia). A tendência atual é situá-la na família Mycetopodidae, que desenvolveu uma concha deformada pelo seu modo de vida. Outros ainda sugerem agrupar ambas famílias em uma, pertencente à superfamília Etherioidea. Um último alerta, existe um gênero botânico norte-americano com o mesmo nome, Bartlettia. Embora estes homônimos sejam permitidos pelo ICB, é um motivo frequente de confusão.

Era considerada uma espécie ameaçada na avaliação MMA e Biodiversitas de 2004, na categoria “Vulnerável” (VU \u2013 A3e). Na atualização do MMA realizado em 2014, foi rebaixada para a categoria “Quase ameaçada” (NT).

 

Etimologia: Bartlettia é uma homenagem ao zoólogo britânico Edward Bartlett, que coletou no Peru o exemplar que deu nome ao gênero, em 1866. E stefanensis é uma homenagem ao zoólogo Stéfano Moricand, pai de Jacques Moricand, que descobriu a espécie em 1856, inicialmente batizada de Etheria stefanensis.

 

 


Ostra-de-rio, Bartlettia stefanensis, exemplares coletados na estação de pesquisa biológica Panguana, em Huánuco, Peru. Foto gentilmente cedida pela Fundação Panguana / Prof. Dr. Juliane Diller.






Cinco vistas de uma concha de Bartlettia stefanensis, medindo 10,2 cm, coletado no Rio Alto Juruá, próximo à fronteira brasileira, no parque nacional Alto Purús, em Ucayali, Peru. Fotos de James Albert.



Morfologia

 

Trata-se de um molusco bivalve de água doce (pode ser chamado de Náiade), que lembra bastante um bivalve Mycetopodidae quando jovem, são equivalves e regulares até cerca de 3,5 cm. Juvenis de até 1,0 cm são indistinguíveis de Anodontites. Porém, habita fendas de rochas e reentrâncias no substrato, crescendo de uma forma alongada e deformada, amoldando-se a estes espaços. Exemplares adultos têm forma da concha lembrando a letra “P” do alfabeto, com um prolongamento anterior que funciona como uma âncora. Sua região anterior (onde se fixa ao substrato) é estreita e retorcida, com uma ou mais expansões digitiformes. Sua região posterior (em contato com a coluna d´água) é alta e alargada, e esta região mostra crescimento alométrico em altura e largura. Esta assimetria acentua-se com o crescimento do animal. Adultos possuem conchas inequivalves e com forte deflexão ventral. Não há duas conchas iguais de Bartlettia adultas. As valvas podem apresentar-se coladas entre si na região anterior da concha, onde a borda prismática é estreita. Às vezes chega a ser necessário quebrar a concha para separar as valvas.

Superfície externa da concha de aspecto foliáceo. Periostraco fino, escasso e desgastado em quase toda a superfície da concha, que se desprende facilmente, deixando à mostra inúmeras camadas prismáticas claras concêntricas, superpostas ou imbricadas, formando pequenos degraus que são intercalados por uma delgada película de resquícios de periostraco de cor esverdeado ou pardo. Superfície interna lisa e brilhante, de aspecto nacarado, cor azul-acinzentado. Indivíduos da bacia do Paraguai têm a concha mais espessa, e de cor nacarada escura, talvez refletindo a composição química da água. Há registro de conchas grandes, ultrapassando 12 cm.

Possui um pé vestigial, diferente dos demais Etheriidae (ausente), fato que leva a situá-lo numa posição mais basal, para aqueles que consideram-no pertencendo a esta família. Músculos protrator e retrator reduzidos, sua concha fica permanentemente entreaberta. Palpos labiais também reduzidos, abertura branquial com tentáculos bem diferenciados. O manto é alongado numa direção póstero-ventral, com maior gradiente de crescimento da concha naquela região. Porém, existe um centro acessório de crescimento no território anterior da concha, responsável pelo crescimento da extensão naquela extremidade. Estes dois centros de crescimento são separados por uma área de crescimento restrito, com a resultante formação da concavidade médio-ventral característica do gênero, que se acentua com a idade.

 





Concha de Bartlettia stefanensis, medindo 7,5 cm, coletado no parque nacional Alto Purús, em Ucayali, Peru. Fotos de James Albert.





Fendas nas paredes de laterita das margens do Rio Yuyapichis, fotos na estação de pesquisa biológica Panguana, em Huánuco, Peru. Bivalves incrustrados nestas fendas, dentre elas, Bartlettia stefanensis. Fotos gentilmente cedidas pela Fundação Panguana / Prof. Dr. Juliane Diller.



Bartlettia stefanensis fotografada na natureza, aderida a uma rocha, no Rio Miranda, bacia do Rio Paraguai, MS. Foto de Márcia Divina de Oliveira.



Habitat e distribuição

 

Tem ampla distribuição, habitam as bacias do alto Amazonas e do rio Paraguai, nos territórios do Brasil, Equador, Peru, Bolívia e Paraguai. No Brasil, são encontrados nos estados do AM, MT e MS.

São mais comumente encontrados perfurando horizontalmente as paredes laterais das encostas destes rios, principalmente aqueles formados por laterita, um solo argiloso compactado e lixiviado rico em ferro e alumínio. Nestas encostas, somente pequenas fendas verticais estreitas podem ser vistas na sua superfície, que correspondem à abertura posterior da concha por onde há circulação de água para respiração e alimentação. Conchas menores ficam um pouco mais livres na cavidade, havendo um pequeno espaço com água entre a parede da caverna e a concha. No Peru há registros de grandes densidades de conchas, até 60 por metro quadrado. Conchas mortas permanecem incrustadas no substrato, o que explica a pequena quantidade de conchas livres encontradas nestes rios. Também há registros de animais incrustrados em fendas de rochas sólidas, inclusive em cachoeiras, no Paraguai. 

 

 


Bartlettia stefanensis juvenil, medindo 3,7 cm, coletado no parque nacional Alto Purús, em Ucayali, Peru. Note o formato ainda regular da concha, sem a típica deformidade e prolongamento anterior. Ainda lembra bastante um pequeno Micetopodídeo. Foto de James Albert.






Bartlettia stefanensis juvenil, medindo 2,3 cm, coletado no parque nacional Alto Purús, em Ucayali, Peru. A região posterior da concha é regular, mas a anterior já começa a exibir irregularidades e digitações. Fotos de James Albert.



Ciclo de vida e reprodução

 

Há poucas informações disponíveis em literatura científica, o desenvolvimento para a forma séssil ao substrato ocorre provavelmente da seguinte forma: animais jovens com conchas equivalves e equilaterais caminham nas águas turbulentas usando seu pé muscular, até encontrarem uma fenda profunda o suficiente para uma fixação permanente. Talvez haja um mecanismo de fixação provisória, como filamentos de bisso, mas não é muito claro. Com o crescimento anterior da concha se amoldando a estas fendas, há uma ancoragem mais sólida. Com a fixação garantida, há atrofia do pé e (se houver) da glândula do bisso. A porção posterior se torna mais globular, com a morfologia adulta, as duas extremidades unidas através do istmo da retração médio-ventral. Este ciclo de vida não é semelhante a ostras (marinhas e de água doce), onde há cementação no substrato, mas seria similar a algumas espécies marinhas que se “aninham” em fendas e crescem se amoldando a estas depressões, como algumas Hiatella, ou a Petricola carditoides.

Faltam dados sobre sua reprodução, sabe-se que têm larvas parasitárias do tipo lasídio (presentes tanto nos Etheriidae como nos Mycetopodidae), mas não há informações detalhadas, por exemplo, sua afinidade parasitária com os peixes.

 

 

 

 

Bibliografia

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Agradecimentos ao
Dr. James Albert (Departamento de Biologia, Universidade de Louisiana, Lafayette), Dra. Márcia Divina de Oliveira (Embrapa Pantanal, MS) e à Fundação Panguana / Prof. Dr. Juliane Diller (veja sua página  aqui ) pelo uso do material fotográfico.



As fotografias de James Albert (Projecto Alto Purús) estão licenciadas sob uma  Licença Creative Commons . O álbum original das fotos pode ser visto  aqui . As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.
 
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