Hidróide de água
doce
Cnidários são invertebrados aquáticos predominantemente
marinhos, com pouquíssimas espécies de água doce. Estima-se em mais de 7500
espécies cnidárias atuais, e somente algumas dezenas de espécies de água doce,
todas da classe Hydrozoa. Dentre os hidrozoários de água doce, certamente o
grupo mais conhecido, com maior número de espécies descritas e mais bem
estudado, é o do gênero Hydra, com 27
espécies, quatro delas presentes no Brasil. São bastante conhecidos por
aquaristas como invasores indesejados de aquários, predadores de alevinos e
filhotes de camarão. Temos também a Medusa de água doce, animal bem mais raro,
mas extremamente fascinante, com uma única espécie em território nacional, Craspedacusta
sowerbyi.
Além das Hidras e Medusas, existe uma última espécie de
hidrozoário que pode ser encontrado no Brasil, o organismo colonial Cordylophora caspia (Pallas, 1771). Ela
é considerada uma espécie típica de águas salobras de regiões estuarinas, mas que
é bastante tolerante às baixas salinidades, não raro sendo encontrado em
ambientes de água doce. É o único hidrozoário colonial de água doce conhecido.
Aspecto
Formam colônias ramificadas, parecidos com musgos ou
arbustos, de cor cinza-castanho claro ou amarelo-esbranquiçado. As dimensões
das colônias chegam a 12 cm, compostos de pólipos macroscópicos (cerca de 1 mm)
conectados por uma cavidade gastrovascular. Uma parte da colônia é firmemente aderida
ao substrato, e outra parte é ereta e arborescente. Cresce sobre qualquer substrato
rígido, como rochas, plantas aquáticas, conchas de moluscos, pilares e etc.
As colônias são compostas de pólipos, especializados em
alimentação (gastrozoóides ou hidrantes) ou reprodução (gonóforos, que produzem
esporosacos). Um hidrocaule pode não ter ramos, ou ser ramificado com um
hidrante terminal ou pólipo alimentar. Estes têm tentáculos retráteis
incolores, filiformes, geralmente entre 10 e 20. Embora os tentáculos possam
ser retraídos, como nos briozoários, não há tubo protetor onde se alojam. Estes
tentáculos possuem células urticantes, usadas para paralisar e capturar presas
microscópicas.
Uma grande colônia hidróide, fixa sobre cracas. Imagem gentilmente cedida por Horia R. Galea.
Reprodução
Colônias são dioicas, possuindo gonóforos masculinos ou
femininos para reprodução sexuada. Alguns trabalhos descrevem colônias mistas,
com indivíduos de ambos os sexos, mas parece ser uma exceção. Cada ramo ereto
pode possuir 1 a 3 gonóforos com 6 a 10 ovos cada. Desta forma, a fecundidade
depende do número de ramificações da colônia. Os gonóforos se localizam nos
pedicelos dos hidrantes ou em ramos abaixo de um hidrante. Na reprodução
sexuada o esporosaco masculino (branco) libera os espermatozoides na água,
fertilizando os ovos dentro dos esporosacos femininos (rosados/purpúreos). Os
ovos fertilizados se desenvolvem em uma plânula ciliada de nado livre, com alta
capacidade de dispersão, que se fixa e forma um pólipo primário. Este se
reproduz por brotamento formando uma nova colônia. Não apresentam metagênese
(alternância pólipo-medusa), não há fase de medusa. Em raros casos a larva pode
se desenvolver diretamente em um pólipo juvenil no gonóforo antes de ser
liberado.
As colônias se reproduzem de forma assexuada através de
brotamento, formando novas colônias, com crescimento prolífico durante o verão
e início de outono. Uma forma comum é formando estolões verticais, que se
aderem ao substrato adjacente, se destacam e iniciam nova colônia.
Quando as condições se tornam adversas, as colônias perdem
seus tentáculos e os tecidos vivos retraem até os túbulos basais. Sobrevivem a estas
condições através de um estágio dormente, pequenas massas de tecido, chamadas
de menont, que permanecem no perisarco do hidrocaule e/ou porção ereta. Este
tecido regenera quando a temperatura se eleva e as condições se tornam mais
favoráveis.
Imagem em close mostrando gonóforo feminino. Animal fotografado em um estuário de Chespeake Bay, foto de Dean Janiak.
Close de um gonoforo masculino, foto de Horia R. Galea.
Imagem em close mostrando gonóforo feminino. À direita, podem ser vistas também plânulas. Foto de Horia R. Galea.
Resistência
Há dados sugerindo que os organismos se mostram mais
confortáveis em água salobra, com taxa metabólica e gasto energético menor. Seu
ritmo de crescimento é maior, e a reprodução também é propiciada. Sua
morfologia também é discretamente distinta, em água salobra os pólipos são mais
longos e finos, além de apresentarem tentáculos mais longos e numerosos. As
próprias colônias também são mais longas e ramificadas. Em água salobra também se
observam mais e maiores gonóforos. Alguns autores sugerem que se trata de
diferentes espécies/subespécies, mas é um tema controverso.
As colônias são tolerantes a amplas faixas de temperatura,
pH e salinidade. Se desenvolvem em temperaturas entre 5 e 35º C, e se
reproduzem entre 10 e 28º C. Sobrevivem numa salinidade entre 0 a 35%o, com
crescimento ótimo em 15~17%o a 20º C. Alta taxa de sobrevivência entre os
valores de pH entre 5,0 e 8,5. Em água doce é mais comum em locais com alto
fluxo de água, alta oxigenação e sais dissolvidos. Nos estuários são mais comuns
em águas rasas de até 3 metros de profundidade, preferindo regiões sombreadas.
Hidróide fotografado em água doce, no Brasil. Pequenos protozoários sésseis também podem ser vistos na foto. Note os tentáculos mais curtos do que animais de águas salobras. Foto cedida por Otto Müller P. Oliveira.
Alimentação
Carnívoro caçador de zooplâncton em suspensão, sua dieta
principal é composta de microcrustáceos, como ciclopes, pulgas d´água e
ostracóides. Pode predar também alguns organismos bentônicos, como vermes e
larvas de insetos. Podem consumir grandes presas, como bloodworms com 2 a 3
vezes o tamanho do pólipo. Para isto, eventualmente um grupo de pólipos pode
agir em conjunto.
Colônias hidróides, fotografadas em estuários do Mar Báltico, na Finlândia. Fotos gentilmente cedidas por Visa Hietalahti.
Distribuição
É um animal exótico, com origem presumida na região Ponto-Cáspia,
mares Cáspio, Negro e Azov, e regiões adjacentes. Distribuição global e em
expansão, são encontradas em regiões costais tropicais e temperadas de todos os
continentes exceto Antártida, e em muitos habitats de água doce. Não é
encontrado no mar, embora consiga sobreviver em altas salinidades em
laboratório (até 40 %o). No Brasil já foi detectado nos estados de PR (Foz do Iguaçu), SP (Ubatuba, em estuário),
RJ (Itaiaia) e PA (Tucuruí). Exceto SP, todos estes registros no país são em usinas hidrelétricas, geralmente causando obstruções em sistemas de resfriamento.
A rota principal de dispersão é através de incrustações em
cascos de navios e larvas planctônicas em água de lastro, mas aves migratórias
também têm um papel importante. Algumas populações foram introduzidas
através de aquaristas, como no Lago Erie (EUA/Canadá).
Colônia de hidróide, Cordylophora caspia, fotos de Horia R. Galea.
Impacto
Competição com espécies nativas por espaço e alimentos.
Grandes colônias modificam habitats bentônicos causando alterações estruturais nas comunidades
de animais. É um organismo importante como agente de bioacumulação
(“biofouling”), termo que se refere à formação de depósitos biológicos sobre a
superfície de equipamentos ou instalações industriais, como tubulações para resfriamento
ou sistemas hidráulicos, causando obstruções, com grandes impactos econômicos.
São particularmente numerosos no reservatório da Usina
Hidrelétrica Governador José Richa (UHE GJR) ou UHE Salto Caxias, a cerca de
600 km de Curitiba. Ainda em Curitiba, foram coletadas também nas Usinas de Itaipú, Governador Ney Braga, Salto Santiago e Salto Osório. Também já foram detectados causando bioincrustação no
interior do sistema de água de resfriamento das unidades geradoras de
eletricidade da Usina de Funil (Furnas Centrais Elétricas S.A.), em Itatiaia,
Rio de Janeiro, e Usina de Tucuruí, Pará.
Uma grande colônia hidróide, foto gentilmente cedida por Visa Hietalahti. A primeira foto do artigo também é de sua autoria.