Artigo publicado em 13/02/2012, última edição em 15/02/2023
Esponjas de Água Doce
Ulisses dos Santos Pinheiro - Departamento de Zoologia – CCB/UFPE
Walther Ishikawa
Características gerais
As esponjas (Filo Porifera) são animais bentônicos sésseis,
são os animais multicelulares mais simples existentes, não possuem tecidos
típicos ou órgãos, são massas organizadas de células, e estas ainda retêm um
alto grau de totipotência (capacidade de diferenciação celular) e
independência. Apesar de serem animais capazes de alcançar grande porte, com
mais de 1 metro de altura ou recobrir largas áreas de substrato, alguns dos
seus processos orgânicos são por vezes mais semelhantes aos encontrados nos
Protozoa (animais unicelulares) que nos Metazoa (animais multicelulares). De
modo geral as esponjas parecem ser animais bastante estáveis e de vida longa,
estimativas baseadas em taxas de crescimento conferem idades acima de 1500 anos
a indivíduos de algumas espécies marinhas. Se confirmadas estas estimativas, as
esponjas seriam os animais com tempo de vida mais longo do planeta.
Utilizam células flageladas chamadas coanócitos para
promover a circulação da água através de um sistema de canais exclusivo do
filo, o sistema aquífero, ao redor do qual seu corpo é construído. Esta
corrente de água traz partículas orgânicas que são filtradas e digeridas. São
sustentadas por um esqueleto mineral formado por espículas ligadas por
espongina. Quase todas as esponjas têm espículas silicosas (exceto 3% das
espécies marinhas, que têm espículas calcáreas), que não se deterioram depois
da morte do animal, por serem vítreas. Quando uma esponja morre, desintegra-se
a espongina, ficando as espículas depositadas no sedimento, particularmente em
ambientes lênticos. Estas espículas têm alto valor na diagnose das espécies,
estudos de sedimentos lacustres, tanto atuais, sub-fósseis ou fósseis permitem
avaliar a fauna de esponjas que vivem ou viveram no local.
Conhecidas e utilizadas desde a antiguidade pelos povos
primitivos, as esponjas foram incluídas já no primeiro tratado sobre
classificação de organismos, escrito em 350 a.C. na Grécia clássica por
Aristóteles. Consideradas inicialmente como plantas, sua natureza animal só foi
reconhecida no final do século XVIII, quando se observaram as correntes de água
no seu corpo.
Esponja de
água doce, de um dos aquários de Rony Suzuki. Foto de Cinthia Emerich. A primeira imagem do artigo também é dos seus tanques, veja relato detalhado adiante.
Biodiversidade
Embora freqüentemente encontradas em várias regiões, as
esponjas de águas continentais (Espongilíneos - Subordem Spongillina, Ordem
Haplosclerida, Classe Demospongiae) constituem uma das faunas menos conhecidas
em todo o mundo. Atualmente, de um universo de 8600 espécies de esponjas
descritas, apenas 220 são dulciaqüícolas. O Brasil possui cerca de um quarto
deste total, com 53 espécies. São relativamente frequentes nos igapós da região
amazônica (onde são conhecidas como “Cauixi”), e em pequenas lagoas no Cerrado.
Seu ciclo de vida compreende uma fase sexuada, com larva
livre-natante, e outra assexuada, com a formação de gêmulas. As gêmulas são
corpos de resistência da esponja, constituídas de uma massa de arqueócitos
totipotentes em seu interior, revestida por uma capa de gemoscleras. São
encontradas normalmente em esponjas que vivem em ambientes instáveis. No caso
das esponjas marinhas, são encontradas em pouquíssimas espécies que vivem em
águas sujeitas ao congelamento ou em cavernas marinhas onde ocorre infiltração
de água doce. Nas esponjas de águas continentais as gêmulas são encontradas nas
espécies que vivem em ambientes suscetíveis a estresses ambientais, tais como
dessecação, congelamento, aumento de salinidade entre outros fatores. Quando a
esponja é exposta a tais condições, ela rapidamente começa uma produção maciça
de gêmulas. As gêmulas podem desempenhar dupla função, sendo utilizadas como
estruturas de resistência ou dispersão.
As gêmulas, particularmente de duas famílias (Spongillidae e
Metaniidae), têm grande potencial para dispersão, pelo fato de possuírem uma
camada interna pneumática e uma capa de gemoscleras completamente revestida por
espículas espinadas. A camada pneumática proporciona à gêmula uma maior
proteção aos estresses ambientais e uma maior flutuabilidade. Já as gemoscleras
espinadas podem fazer com que a gêmula funcione como se fosse um “carrapicho”,
ou seja, se um animal estiver no mesmo ambiente que a esponja, ao entrar em
contato com esta gêmula, existe a possibilidade dela aderir ao corpo deste
animal e só se desprender quando este estiver em outro ambiente aquático.
Acredita-se que estas gêmulas possam ser carreadas por ação eólica, ingeridas
por peixes, manadas de ungulados ou até mesmo aves limnícolas. Já foi
demonstrado que a distribuição de Sanidastra
yokotonensis Volkmer-Ribeiro & Watanabe, 1983, restrita a Itália e
Japão, coincide com a rota migratória de algumas aves.
Esponja dulcícola, fotografado no Rio Chapecozinho, em São Domingos
(SC). Fotos cedidas por Luís Adriano Funez.
Distribuição e Diversidade
Existem seis famílias de esponjas recentes de águas
continentais, três gemulíferas e três desprovidas de gêmulas. Estas famílias
possuem distribuições bem peculiares.
Começando pelas gemulíferas, a família Spongillidae é a
maior de todas, com 117 espécies classificadas em 21 gêneros. É também a mais
amplamente distribuída, com padrão cosmopolita, só não sendo encontrada na Antártida.
Metaniidae possui 27 espécies e cinco gêneros, também com ampla distribuição,
não sendo encontrada apenas na Antártida e na Região Paleártica. Potamolepidae
também possui 27 espécies que estão alocadas em seis gêneros, contudo sua
distribuição é mais restrita do que a das demais esponjas gemulíferas,
ocorrendo apenas nas Regiões Neotropical, Etiópica e Australiana.
As três famílias não gemulíferas possuem uma distribuição
bastante restrita de seus gêneros, sendo endêmicos das localidades onde foram
descobertos. Não são encontradas no Brasil.
Alguns autores relacionam a distribuição e diversidade
destas esponjas com a presença e complexidade da gêmula. Nas famílias
Spongillidae e Metaniidae as gêmulas possuem três camadas, sendo a camada
externa composta por espículas espinadas e uma camada pneumática intermediária,
o que confere as estas esponjas uma maior capacidade de dispersão.
Potamolepidae não apresenta espículas espinadas na camada externa de sua
gêmula, o que poderia ser a causa de sua distribuição mais restrita que as
outras famílias gemulíferas. Já as outras famílias, como não possuem gêmulas,
não possuem a capacidade de se dispersar e colonizar ambientes instáveis,
ficando restritas aos grandes lagos.
Spongilla sp. na Lagoa de Carapebus, Carapebus,
RJ. Foto de Ulisses S. Pinheiro.
Saturnospongilla carvalhoi. A) Espécime sobre pequeno graveto; B, C, D) Gêmulas discóides em detalhe. Fotos de Ulisses
S. Pinheiro.
Origem
Um dos assuntos mais interessantes e controversos no estudo
das esponjas é a origem das esponjas de águas continentais. Um fato que é
consenso é que elas surgiram a partir de esponjas marinhas, entretanto, alguns
autores defendem a idéia que esta invasão das águas continentais teria ocorrido
várias vezes (origem polifilética), enquanto outros acham que a ela ocorreu uma
única vez (origem monofilética).
Pela hipótese monofilética, a invasão de um estoque de
esponjas marinhas ocorreu aproximadamente durante o Jurássico (210-140 milhões
de anos). Este processo provavelmente ocorreu durante a formação do Atlântico
Sul, com o início da separação dos continentes africano e sul-americano. Nesta
primeira etapa da separação dos continentes, foi criado um estreito fiorde
inundado por águas salobras sujeita a grande variação térmica. Um estoque de
esponjas marinhas, possivelmente pertencentes à Ordem Haplosclerida, teria se
adaptado a esta salinidade declinante, e em estágios subsequentes, alcançado as
águas completamente doces da região austral da América do Sul. A partir daí, as
esponjas de água-doce teriam se dispersado pelo resto do mundo, especiando-se
em resposta a fenômenos vicariantes diversos, ocorridos nos diferentes
continentes e regiões insulares do planeta ao longo dos últimos 100-150 milhões
de anos. A descrição de Palaeospongilla
chubutensis Ott & Volkheimer, 1972, o mais antigo fóssil das
esponjas de águas continentais (aproximadamente 100 milhões de anos) descrito
para Patagônia (Argentina), fornece um bom indício para esta hipótese. Todas as
esponjas de águas continentais deveriam produzir gêmulas, sendo esta uma
condição sinapomórfica do grupo. As três famílias não gemulíferas
(Lubomirskiidae, Metschnikowiidae e Malawispongiidae), provavelmente devem ter
se adaptado aos ambientes perenes de onde elas foram descritas. Estes lagos
relíctos de transgressões marinhas são antigos e extremamente estáveis, o que
pode ter resultado na perda da capacidade de produzir gêmulas por parte destas
esponjas. Um exemplo é o lago Baikal, que armazena mais de 1/5 de toda água
doce do mundo, o que propicia a este ambiente uma grande estabilidade. Esta
hipótese monofilética é aceita por vários autores, sendo inclusive adotada por
Manconi & Pronzato (2002), quando no Systema
Porifera criaram a subordem Spongillina, reunindo todas as famílias de
esponjas de águas continentais.
A hipótese polifilética concorda que o Atlântico Sul possa
ter sido um ponto de entrada para esta invasão de esponjas marinhas. No entanto
ela não acredita na possibilidade que deste único estoque tenham surgido todas
as famílias de esponjas de águas continentais. A presença de três famílias não
gemulíferas, restritas aos grandes lagos relíctos de transgressões marinhas
pode ser explicada por invasão passiva. Com a regressão do nível do mar, uma
quantidade enorme de água ficou isolada do resto do mar. Com o passar do tempo
ocorreu um gradativo processo de dessalinização destas águas, o que
proporcionou que as esponjas fossem se adaptando gradativamente à nova
condição. Quanto às famílias gemulíferas, as gêmulas encontradas em diferentes
famílias podem ser interpretadas como homoplasias. Quase todos os organismos
que vivem em águas continentais produzem corpos de resistência, sendo assim, as
gêmulas podem ter evoluído independentemente para cada um dos grupos como uma
convergência adaptativa. A morfologia espicular encontrada nas espécies destas
famílias de esponjas de águas continentais parece ser mais semelhante àquela
observada em algumas famílias marinhas do que entre as a observada quando as
famílias de esponjas de águas continentais são comparadas entre si.
Volkmer-Ribeiro (1990) acredita que estas famílias têm relações filogenéticas
com ordens diferentes, sendo Spongillidae mais relacionadas com Haploclerida, e
Metaniidae com Poescilosclerida.
Esponjas de água doce, provavelmente Spongilidae, encontradas em um brejo de uma vereda de Buritis, em Caxias, MA. Fotos cortesia de Alessandro Wagner Coelho Ferreira.
Corvospogilla
seckti coletada no
Rio de Contas, Manuel Vitorino (BA). A) Esponjas sobre tronco (cinza mais
escuro); B) Gêmulas em maior aumento. Fotos de Ulisses S. Pinheiro.
Espongiose
Espongiose se refere a acidentes com esponjas que
normalmente causam inflamações no tegumento atingido. Um dos indícios da
espongiose é a coceira, além de forte reação alérgica, a qual pode requerer
cuidados médicos urgentes. Isto normalmente ocorre por que as esponjas, ao
morrerem, têm seu colágeno completamente decomposto, liberando para o ambiente
todo seu esqueleto silicoso que é composto por espículas. Estas espículas
penetram no tegumento causando as inflamações. Segundo Machado (1947), os
Carajás (uma das tribos indígenas amazônicas) usavam espículas de esponjas de
água doce para fabricar cerâmica. Esse autor descreve que “os indígenas
pulverizam espongiários, calcinados previamente ou não, e adicionam à argila
com que fabricam peças de sua cerâmica”. As mãos das oleiras indígenas que
trabalhavam com cauxí (argila mista com espículas de esponjas)
possuíam dermatite purulenta. Hilbert (1955) chama a atenção para a preferência
dos caboclos pelo caripé (argila mista com cinzas de tecidos vegetais
pertencentes a licania, uma rosácea) ao invés do cauxí. Os motivos por essa
escolha estavam relacionados com os inchamentos das mãos causadas pelo cauxí e,
ainda, porque os utensílios de cozinha fabricados com esse material causavam
desarranjos estomacais.
Espículas de Drulia
browni sob microscopia óptica. Note seu aspecto vítreo. Foto de Paul Lenhard.
Imagem em close mostrando a macroestrutura de Drulia sp. Localmente são chamados de "cupim d´água". Foto de Isabella Capistrano.
Um dos casos de espongiose mais recente foi o surto de
dermatites e cegueiras ocorrido em Araguatins (Tocantins) em 2006. Sua
população, ao entrar em contato com a água do rio da região, sofria de vários
casos de dermatite e cegueiras. O fato curioso é que estes acidentes só
ocorriam na época de águas baixas, não ocorrendo sintomas na época da cheia.
Após uma ampla investigação científica, Volkmer-Ribeiro et al. (2006) concluíram que tais lesões eram causadas por duas
espécies de esponjas, Drulia
uruguayensis e Drulia
ctenosclera, que ao morrerem liberam na coluna d’água muitas espículas,
sendo a gemosclera o principal agente causador de acidentes oculares e
dermatites. No caso de Araguatins tal acumulo de espículas foi consequência de
alterações antrópicas que geraram o desequilíbrio no meio.
Drulia sp., primeira foto de Jennifer O. Reynolds, fotografada no Rio Pagodão, afluente do Rio Negro (AM), segunda foto de Hermit (Biodiversus), fotografada em uma praia também do Rio Negro.
Drulia
browni sobre galhos
emersos no Lago Tupé, Manaus, AM. Foto de C.W. Castelo Branco.
Esponjas de água doce são relativamente comuns em lagoas
temporárias do cerrado e caatinga, que são conhecidas como “Lagoas da Coceira”,
devido à dermatite que suas microespículas causam. Pelo mesmo motivo, estas
esponjas são chamadas pela população local de “Pó-de-mico da água”, ou de
“Coceira da água”.
Radiospongilla sp. em Visconde de Mauá, RJ. Foto de E. Hajdu.
Esponjas de água doce, vídeo de uma estação de piscicultura da UFRPE, em Recife, PE. A identificação destes espécimes levaram à descrição de uma nova espécie, Radiospongilla inesi. Vídeo cortesia de Ulisses S. Pinheiro.
Importância econômica
As esponjas de águas doces produziram depósitos biominerais,
denominados espongilitos, constituídos pelo acúmulo de suas espículas silicosas
em ambientes previamente lênticos. De forma semelhante ao diatomito, atualmente
a importância econômica destas jazidas reside somente na subutilização deste
material para a fabricação de tijolos e telhas. Entretanto, este material é
adequado para a manufatura de cerâmicas mais nobres, cerâmicas refratárias de
alto grau de resistência, por exemplo, para a fabricação de chips de
computador, e talvez fibras óticas, além de diversas aplicações potenciais na
ciência dos novos materiais e nanociência. Constituem recurso natural não
renovável, com grande valor econômico potencial.
Desta forma, alguns autores têm proposto estudos biológicos
visando a espongicultura de água doce, dirigida à produção de biosílica, com
perspectivas bem interessantes no uso destes animais como fonte de recurso biomineral
renovável.
Além disso, as esponjas produzem uma grande diversidade de
metabólitos secundários, muitos dos quais têm estruturas originais de grande
interesse para a farmacologia e a pesquisa biomédica. Esses compostos
representam um importante recurso natural, pois podem levar à produção de
medicamentos mais eficazes contra o câncer e outras doenças graves, como as
causadas por vírus, bactérias ou fungos. As esponjas são um dos grupos de
organismos com maior percentagem de espécies produtoras de compostos
antibióticos, antitumorais e antivirais.
Metania
spinata (verde)
dominando o substrato rochoso em Lassance, MG. Na segunda foto, em detalhe, a
esponja é a mancha verde sobre a rocha. Fotos de N. Hamada.
Esponjas no aquário de água doce:
As informações são praticamente inexistentes, existem
somente alguns poucos relatos na internet de manutenção destes animais em
aquários, com sucessos e insucessos. Assim como outros animais filtradores, via de regra, não se adaptam
às condições de aquários, e desta forma não são indicados para este fim.
Esponjas coletadas na natureza e introduzidas em aquários invariavelmente não
sobrevivem a longo prazo, existindo ainda, alguns relatos de mortalidade de
peixes (veja adiante).
Esponjas dulcícolas têm um alto nível de endemismo, muitas
destas espécies são ameaçadas, e de difícil identificação sem uma análise
microscópica das suas espículas. Um quarto de todas as espécies continentais
brasileiras é incluído na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas do MMA (como
curiosidade, a lista brasileira foi a primeira no mundo a incluir esponjas).
Desta forma, sugerimos fortemente que estes invertebrados não devam ser
coletados na natureza para serem criados em aquários. Abaixo, alguns exemplos de esponjas que constam na lista brasileira, destacamos algumas espécies com aspecto mais incomum:
Oncosclera jewelli (Volkmer, 1963). Conhecida como “Feltro-de-água”,
é uma espécie endêmica do manancial do rio Tainhas, e do ecossistema de floresta
com araucárias, no Rio Grande do Sul. Vive em rio largo, de fundo rochoso, com
águas rápidas, rasas, transparentes e frias, portanto bem oxigenadas. Forma
crostas no substrato basáltico contínuo do fundo ou em rochas submersas
desagregadas do leito. Essas crostas são lisas, finas, rígidas, contínuas e vão
de poucos centímetros a 1,0 m de diâmetro e não mais que 0,5 mm de espessura.
Possuem coloração verde quando expostas à luz, por causa da associação com
algas fotossintetizantes (zooclorelas), ou são esbranquiçadas, quando ocupam a
face inferior dos substratos, sem luminosidade. Faz parte da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas do MMA. Foto de Hope
Ginsburg.
Uruguaya corallioides (Bowerbank, 1863). Chamada
popularmente de “Coral-de-água-doce”, esta espécie tem ampla distribuição
geográfica, ocorre da bacia Amazônica à bacia do Prata (Rios Orinoco, Amazonas,
Tapajós, Paraguai, Paraná, Tietê e Uruguai). É um gênero monotípico endêmico do
continente sul-americano, vive em ambientes lóticos turbulentos, fixo no fundo
rochoso, podendo desenvolver formas arborescentes e coraliformes em maiores
profundidades, onde a turbulência é menos intensa (como no Rio Uruguai). A
coloração vai de cinza a preta, na face do substrato exposta à luz, e
esbranquiçada na face inferior dos substratos. A superfície é lisa, vítrea e
marcada pela disposição linear, conspícua, dos orifícios osculares. Faz parte da Lista Vermelha de Espécies
Ameaçadas do MMA. Fotos de Gabriel John Bell e Roberto Cadenazzi (Uruguai).
Sterrastrolepis
brasiliensis
Volkmer-Ribeiro & De Rosa Barbosa, 1978. É uma esponja endêmica da Bacia do
Paraná (GO e PR), habitando grandes rios, com águas turbulentas e fundos
rochosos. Conhecida popularmente como “Espinho-de-pedra”, esta espécie se fixa
preferencialmente na face superior desses substratos, formando crostas extensas
e volumosas com cor negra a cinza-azulada, aderida fortemente ao substrato
rochoso. Possuem projeções cônicas extremamente duras, ao inadvertidamente
pisar nestas esponjas, os banhistas acabam perfurando os pés. Faz parte da Lista Vermelha de Espécies
Ameaçadas do MMA. Foto de Ulisses S.
Pinheiro.
Porém, raramente, esponjas podem “surgir” em aquários,
introduzidos inadvertidamente juntamente com plantas aquáticas ou algum outro
elemento. O que fazer para mantê-las vivas? Para tal, vamos tentar compreender
os motivos que podem levar estes animais à morte:
Condições físico-químicas inadequadas: esponjas são animais
muito sensíveis à qualidade da água, seja seu conteúdo em partículas orgânicas
e minerais, poluentes e materiais orgânicos dissolvidos. Elas são, portanto
boas indicadoras da qualidade da água, e seu uso como bioindicadores no
monitoramento ambiental têm sido recomendados por alguns pesquisadores. Desta
forma, condições inadequadas do aquário vão levar rapidamente estes animais à
morte. Por outro lado, se surgiram esponjas no seu aquário, este fato é um
grande indicador de que seu tanque está em ótimas condições!
Exposição ao ar: Devido à sua estrutura porosa, é
extremamente arriscado retirar as esponjas da água. O simples contato com o ar
pode ser fatal para estes animais. Bolhas de ar (mesmo microscópicas) podem
penetrar nos seus canais internos, ficando retidos, impedindo a circulação
adequada de água e levando à morte tecidual regional. Tecidos necróticos e
toxinas produzidas localmente podem matar mais células, levando a uma reação em
cadeia que pode dizimar toda a esponja. Algumas espécies marinhas de zonas
entre-marés produzem grandes quantidades de muco para evitar este fato, mas
isto não ocorre nas espécies de água doce.
Alimentação: Já foi dito que esponjas são animais
filtradores. Porém, a dimensão das partículas alimentares filtradas por estes
animais é muito menor do que outros organismos filtradores, como Moluscos
bivalves, Briozoários, Rotíferos coloniais ou Cnidários. Bactérias, microdebris
e nanoplâncton são alimentos típicos de esponjas, com uma dimensão menor do que
50 micrômetros (em geral menor que 0,5 micrômetros). E mesmo os preparados
industriais para alimentar corais e invertebrados marinhos têm granulometria
muito elevada para alimentar esponjas. Ou seja, além das dificuldades em termos
de quantidade insuficiente de alimentos, comum a todos os invertebrados
filtradores, as esponjas têm o problema adicional da dimensão específica do
material particulado que será ofertado. Lembrando também que sedimentos finos
(incluindo alimentos de granulometria inadequada) podem ser bastante
prejudiciais às esponjas, devido ao entupimento dos poros e impedimento da
filtração. É o mesmo motivo pelo qual esponjas são escassas ou ausentes em rios
com cargas de sedimentos.
Corrente de água: Embora possuam células flageladas que
produzem correntes no seu interior, toda esponja depende de fluxo passivo de
água através de sua estrutura, preferindo, portanto locais onde haja
correnteza. Este constante fluxo de água traz oxigênio e alimento, e ajuda a
remover seus excrementos. A própria arquitetura da esponja é desenvolvida
na forma de melhor aproveitar a corrente de água, inclusive a orientação do
crescimento do animal. Desta forma, não é recomendável mover a esponjas do
local onde ela se desenvolveu, ou fazer modificações no layout que possam
alterar o fluxo de água no interior do aquário. Pelo mesmo motivo, deslocar ela
para um local de maior fluxo não levará necessariamente a um melhor
crescimento, dado que o padrão de fluxo no interior da esponja pode não estar
adequado para propiciar um melhor desenvolvimento.
Iluminação: Muitas esponjas adquirem parte dos seus
nutrientes de populações internas de algas fotossintéticas (zooxantelas), de
forma semelhante a corais marinhos. Por outro lado, um crescimento excessivo de
algas sobre elas pode prejudicar seu desenvolvimento. Assim, aqui vale a mesma
dica do parágrafo anterior: não mova a esponja do local onde ela se
desenvolveu, e tente manter o padrão de iluminação inalterado em relação ao
momento que a esponja cresceu naquele local.
Predadores: Muitos peixes e invertebrados se alimentam de
esponjas, algumas espécies têm sua dieta exclusiva destes animais, como alguns
cascudos amazônicos do reservatório de Itaipú (“Cascudo-chita” - Hypostomus regani e “Cascudo-abacaxi” - Megalancistrus aculeatus) e o Ituí Sternarchogiton porcinum além dos
insetos neurópteros da família Sisyridae. Dos animais habitualmente encontrados
em aquários, Ampulárias e espécies de Leporinus
costumam se alimentar avidamente de esponjas.
Diminuta esponja Radiospongilla inesi no vidro do aquário, foto de Fernando Barletta.
Esponjas
de água doce, surgiram em um aquário em Francisco Beltrão, PR. As duas
últimas imagens mostram a mudança de cor, após algum tempo sem
iluminação. Fotos gentilmente cedidas por Claudemir M. Moreira.
Finalmente, existe a questão da Espongiose. O único caso bem
conhecido de doença em seres humanos foi o episódio de 2006, em Tocantins. Trata-se de um evento cujo gatilho foi a mortalidade em massa destes animais. Toda esponja possui espículas silicosas, e podem causar espongiose, mas a dimensão e morfologia da espícula são determinantes (como a Drulia, no Araguatins). Não
há nenhum caso documentado de espongiose em aquários, tanto de água doce quanto
salgada. Porém, existem alguns relatos de mortalidade inexplicada de peixes
ornamentais após a introdução de esponjas de água doce coletadas, que pode, ao
menos potencialmente, ser explicada por Espongiose. Outra possibilidade é a
morte destas esponjas gerando picos de compostos nitrogenados.
Nos poucos casos existentes de crescimento de esponjas em
aquários (não introduzidas intencionalmente), não parece haver efeitos nos
peixes ornamentais, ou qualquer efeito adverso no aquarista, a curto/médio
prazo. Porém, nos parece importante ao menos se lembrar da possibilidade de suas
espículas poderem ser prejudiciais.
Esponjas de água doce crescendo sobre o molusco invasor "Mexilhão dourado" (Limnoperna fortunei), fotografado no Rio Jacuí, Porto Alegre (RS). Existem algumas pesquisas preliminares sobre o uso de esponjas ara o controle biológico do "Mexilhão zebra" (Dreissena polymorpha), invasor de outros países, que possam ser aplicados também ao "Mexilhão dourado". Fotos de Marcela Uliano.
Dois relatos de manutenção de Esponjas em aquários:
Gilson Suzuki
São animais aquáticos, organismos com estrutura simples. Uma
das razões de serem pouco conhecidas no aquarismo é porque são extremamente
difíceis de serem mantidas vivas no aquário. Dificilmente conseguiremos criar
um ambiente artificial com condições bióticas para mantê-la viva, e caso seja
possível, é complexo e extremamente trabalhoso. A alimentação desse metazoário
depende de vários fatores. Como é um filtrador, depende de uma movimentação de
água que faz com que passe pelos poros que cobrem seu corpo, captando assim os
elementos necessários para a sua sobrevivência. As esponjas pouco evoluíram em
milhões de anos, isso poderia significar fácil adaptação ao ambiente, mas
nota-se que qualquer poluente na água prejudica o seu desenvolvimento.
Desenvolvem-se agarradas em pedras, troncos e plantas, sob a forma de uma massa
irregular. Sua cor depende das zooclorelas, que são as algas microscópicas das
quais elas se associam em simbiose.
Por serem difíceis de criar, não tem valor comercial. Os
lojistas não encontram fornecedores. Aqui nos nossos tanques de plantas
aquáticas e peixes, vez ou outra aparecem alguns exemplares. Condições
climáticas (inverno, secas) e padrões na água são fatores que influenciam seu
ciclo e desenvolvimento.
Num caso não muito comum, em um aquário grande que
reativamos, surgiu uma esponja de água doce incrustada numa folha de Microsorum pteropus (primeira foto abaixo), sobreviveu por meses,
até que em uma das TPAs (troca de água parcial) ela se descolou e assim acabou
sendo eliminada. Passado outros meses, eis que surgem uns pequenos pontos num
tronco desse mesmo aquário, só que agora num local mais estável (segunda foto abaixo), vou tentar
mantê-lo, e ver como se desenvolve.
Fernando Barletta
Aficionado por seres aquáticos estranhos, era minha
aspiração adquirir e manter hidras, artrópodes aquáticos e outras criaturas de
não muito apreço ornamental. Quanto mais pernas e ausências de olhos melhor. E
mesmo assim foi de grande surpresa quando descobri essas criaturas em meu
tanque.
Esponjas de água doce
no aquário, aderidas a uma folha de Vallisneria. Fotos de Fernando Barletta.
O aquário comunitário onde surgiram as esponjas. Foto de Fernando Barletta.
Peço perdão, mas estaria contradizendo enormemente o Sr.
Suzuki. A verdade é que, segundo o meu arquivo, há pelo menos 2 anos que possuo
esponjas em meu tanque sem muitos cuidados extravagantes. E atualmente ao que
parece se adaptaram bem e estão se reproduzindo. Inicialmente apareceu uma esponja
em meu tanque de 200 litros com Acarás-Bandeira, num tronco. Em outro instante
achei outra numa folha de Microsorum
pteropus. E, na ultima contagem, há pelo menos 15 animais.
Outras esponjas do mesmo aquário, aderidas a folhas de Microsorum, e na segunda foto, envolvendo também raízes de uma alface d´água. Fotos de Fernando Barletta.
Os parâmetros da água pouco mudaram e depois da minha
descoberta e faço questão de não criar nenhuma alteração drástica: tenho um
plantado low-tech, pH 6.8, 28ºC, com baixos níveis de toxidades, TPAs
regulares. Sutil iluminação, 0.3w/l. Há pouco adquiri um canister, e isto contribuiu
bastante com a filtragem biológica. Isso porque minha fauna também cresceu.
Substitui os Acarás-Bandeiras por killifishes Lamp-eye e guppies Endler.
Percebi também que as esponjas preferem áreas do tanque de menor fluxo, mais
comumente nas laterais e a poucos centímetros do substrato. A flora se consiste
de plantas rústicas como Microsorum
pteropus, Echinodorus amazonicus,
musgo-de-java, Anubias barteri, Vallisneria e V. nana, Najas indica. Esta
última foi adquirida por doação que segundo a fonte veio do Japão. Por mais que
esteja enganado, gosto de imaginar o caminho pelo qual a pequena gêmula percorreu
até alcançar meu aquário.
Imagens em close, na primeira foto, destacando o ósculo. Na segunda, gêmulas arredondadas também são visíveis. note também as pequenas espículas vítreas em meio ao tecido translúcido. Fotos de Fernando Barletta.
Esponjas de água doce no aquário, note o discreto fluxo de água sendo exalado pelo ósculo (a estrutura em forma de sifão). Vídeo de Fernando Barletta.
GIF animado mostrando a sutil movimentação da região do ósculo. Fotos de Fernando Barletta.
Este artigo só foi possível graças à
colaboração do Prof. Ulisses dos Santos Pinheiro, Chefe do Departamento de
Zoologia, Centro de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Pernambuco
(UFPE), ao qual somos muito gratos. Prof. Ulisses é autor de boa parte do texto
deste artigo, e também serviu de consultor para a seção sobre aquarismo. Prof.
Ulisses também compila um banco de dados sobre esponjas de água doce no Brasil,
no caso de identificação destes organismos na natureza, solicitamos, por favor,
que entrem em contato com ele através do e-mail uspinheiro@hotmail.com
Agradecemos especiais também ao aquarista e fotógrafo (Centro de Documentação Histórica da UNESP) Fernando
Barletta, que compartilhou conosco sua experiência na manutenção destes seres, e
cedeu um vídeo e fotos espetaculares. Outra colaboração indispensável foi de Rony
Sukuki, que permitiu a publicação do seu artigo no nosso portal. Este e outras
ótimas matérias podem ser vistas no seu site, Aquasuzuki. A autor autoria
deste artigo é do irmão de Rony, Gilson Suzuki, o qual também somos muito
gratos.
Diversos outros colegas cederam fotos para o
artigo, destacamos os biólogos Luís Adriano Funez, Roberto Cadenazzi (Uruguai), Marcela Uliano, Paul Lenhard, Isabella Capistrano Cunha Soares, Alessandro Wagner Coelho Ferreira, o aquarista Claudemir M. Moreira, a artista plástica norte-americana Hope Ginsburg (que realizou uma
expedição para fotografar Oncosclera
jeweleri como referência e inspiração para uma de suas obras, para a 9ª Bienal do Mercosul), e os colegas Gabriel John Bell (Uruguai), Jennifer Reynolds (EUA) e Hermit (veja seu website de biodiversidade, Biodiversus).
Muito obrigado a todos!
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As fotografias
de Cinthia Emerichestão licenciadas sob
uma Licença Creative Commons. As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos
respectivos autores.