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Outros Artrópodes Aquáticos  
Artigo publicado em 10/12/2012, última edição em 01/09/2023  



Outros Artrópodes Aquáticos


            Como vocês podem ver pelo restante da galeria, existe uma grande diversidade de aranhas e ácaros essencialmente terrestres, que possuem indivíduos que se especializaram em um modo de vida aquático. Este artigo abordará os demais grupos de aracnídeos e outros artrópodes menos conhecidos.




Opiliões ripários

 

Opiliões (aracnídeos da ordem Opiliones) constituem o terceiro grupo mais numeroso de aracnídeos, perdendo somente para as aranhas e ácaros. São cerca de 7.000 espécies conhecidas, mas o número estimado é muito maior. Lembram aranhas, mas têm o cefalotórax e abdômen fundidos em uma única estrutura, e um único par de olhos. A maioria tem pernas bem longas, daí o nome em inglês daddy longlegs (nome popular usado também para mosquitos Tipulidae e aranhas Pholcidae) e alemão opa langbein. Outros nomes em português são bodumaranha-bodearanha-alho e frade-fedorento, por excretarem uma secreção malcheirosa como mecanismo de defesa. A etimologia de opilião tem origem latina, de opilio, que significa pastor, talvez pelo fato de antigos pastores europeus andarem sobre pernas de pau para melhor observar seu rebanho. Outro nome comum em inglês é harvestman, de origem incerta, talvez pelo movimento das pernas ao caminhar lembrando o de uma foice, ou pela época do ano quando são abundantes.

Apesar de lendas populares afirmando serem bastante venenosos, são animais totalmente inofensivos, nem possuem as glândulas de veneno como aranhas. Também não produzem teias, e seu aparelho bucal é do tipo mastigatório. Diferente dos demais aracnídeos, os machos possuem pênis. Outra diferença interessante é sua dieta variável, a maioria é onívora, embora existam espécies herbívoras, carniceiras e predadoras. A reprodução geralmente é sexual (raras partenogênicas), ovípara, em algumas espécies há cuidado maternal ou até mesmo paternal, algo bastante incomum em artrópodes. Muitos são gregários, podendo formar grandes aglomerações. São habitantes comuns de cavernas, com espécies conhecidas brasileiras.

Opiliões são artrópodes essencialmente terrestres, mas algumas espécies habitam margens de rios. Destas, é conhecida uma única espécie brasileira de hábitos semi-aquáticos, Heteromitobates discolor, da família Gonyleptidae. É um opilião de hábitos noturnos e tamanho grande, podendo ultrapassar 10 cm de envergadura das pernas, endêmico da Serra do Mar, bioma da Floresta Atlântica. Habita estritamente margens de rios, sendo encontrado em fendas de rochas graníticas parcialmente submersas. Quando perturbados, se jogam na água, podendo permanecer submersos por mais de seis horas. Também têm capacidade de se mover sobre a água, ou patinando de forma semelhante a aranhas e insetos aquáticos, ou caminhando. Espécie onívora, há até registros de predação de rãs Hylodes phyllodes por esta espécie.

Outra interessante espécie brasileira é a Bourguyia hamata (também Gonyleptidae, e também endêmica da Mata Atlântica), que se reproduz exclusivamente na bromélia-tanque Aechmea nudicaulis, porém, sem registros de submersão nos seus bolsões de água.


Opilião ripário Heteromitobates discolor, fotografado em Tinguá, RJ. Foto de Diogo Luiz.


 

Opilião Heteromitobates discolor, fotografado em Paraty, RJ. Fotos de Myriam Vandenberghe.


Heteromitobates discolor predando uma perereca Hylodes, fotografado em Ubatuba, SP. Foto extraída de Menegucci RC, et al. Phyllomedusa 2020 (Licença Creative Commons).



Opilião Heteromitobates discolor protegendo seus ovos, fotografado em Ubatuba, SP. Foto de Glauco Machado.




Pseudoescorpiões litorâneos

 

São diminutos e inofensivos aracnídeos da ordem Pseudoscorpiones, com mais de 3300 espécies descritas no mundo, muito comuns, mas difíceis de serem observados pelo seu diminuto tamanho e hábitos sorrateiros. Medem somente de 1 a 5 mm. Lembram pequenos escorpiões, mas com a porção posterior do corpo achatada e em forma de disco. Apresentam garras proporcionalmente muito grandes, e não têm cauda. São predadores, caçando diminutos invertebrados em meio à serrapilheira no solo. Muitos são foréticos, um tipo de comensalismo onde um organismo usa outro como forma de transporte.

Alguns pseudoescorpiões são habitantes de praias, o gênero mais conhecido é o Garypus. São bastante comuns em praias arenosas norte e centro-americanas, sendo encontrados abaixo de troncos e outros objetos pouco acima do limite superior da maré. Ao Sul, há registros oficiais até Colômbia e Venezuela, porém, muitos autores consideram sua distribuição mais ampla, possivelmente sendo encontrados também no restante da América do Sul. Outros gêneros norte-americanos preferem a zona entre-marés, como o Halobisium, encontrados em fendas de rochas, ou entre algas e detritos trazidos pelas marés, mais comuns em áreas de marisma e estuários. Ambos os gêneros constroem câmaras de seda como habitação, e toleram submersão por períodos relativamente longos.   






Pseudoescorpião Garypus californicus
, fotografado no Parque Estadual Montaña de Oro, município San Luis Obispo, Califórnia, EUA. Foto de Alice Abela.



Milípedes e Centípedes Semi-aquáticos


           Diplopoda é uma classe de invertebrados essencialmente terrestre, muitas fontes se referem a estes artrópodes como sendo exclusivamente terrestres, sem representantes aquáticos. Trata-se dos chamados "mil-pés" ou "piolhos-de-cobra", alongados e com o corpo segmentado, muitas pernas, e de hábitos herbívoros ou detritívoros. Porém, sabe-se que muitas espécies de Milípedes são semi-aquáticos, mergulhando na água especialmente para se alimentar de detritos submersos e biofilme de algas. A espécie comum pantropical Oxidus gracilis consegue permanecer bastante tempo submerso, levando consigo uma reserva de ar nos seus pelos hidrofóbicos.
            E três espécies são consideradas verdadeiramente anfíbias, a espécie mais comum é a Aporodesminus wallacei Silvestri, 1904, medindo 6 mm, de ampla distribuição pantropical, ocorrendo desde ilhas da costa Sul-Atlântica, Havaianas, Taiti, Hong Kong, até a Austrália. Possui adaptações para este modo de vida, com um tegumento que permite uma respiração por plastrão, usando uma espessa secreção cuticular, e peças bucais adaptadas para alimentação submersa. Existe uma espécie próxima, também de ampla distribuição, que pode representar uma quarta espécie aquática, Cryptocorypha ornata.
      Existe outro representante brasileiro, a espécie amazônica Myrmecodesmus adisi, seus juvenis e subadultos passam por um período de 5 a 7 meses submersos no período de cheia do Rio Negro, numa profundidade de até 3,5 m. A tolerância à submersão é de até 11 meses, e são bastante ativos, alimentando-se de algas. Adultos não toleram submersão, e
reproduzem-se entre os períodos  de cheia. Outro forte candidato é o Pandirodesmus disparipes, da Guiana, bem pequeno (13 mm), com pernas finas e longas dispostas lateralmente, com estruturas que lembram remos, espiráculos dirigidos superiormente, e pelos hidrófobos.
          Outras espécies são conhecidas, mas não ocorrem no Brasil. Há descrições de espécies anfíbias troglóbias européias e asiáticas, e espécies norte-americanas com registros de submersão em rios.


  







Milípede semi-aquático fotografado na porção aquática de um aquaterrário. A última imagem mostra as pequenas dimensões do animal, comparado a um caramujo Drepanotrema. Fotos de Walther Ishikawa.




Milípede em um aquaterrário, caminhando no vidro, na porção emersa, e em plantas flutuantes, junto a um caramujo Heleobia. Fotos de Walther Ishikawa.


Grande milípede com cerca de 3 cm, surgiu em um aquário em Cincinnati, Ohio, nos EUA. Foto cortesia de Emily Bice.



A classe Chilopoda compreende as "lacraias" ou "centopéias", artrópodes peçonhentos próximos dos Diplopoda, também essencialmente terrestre. Em 2016, foi descoberta uma grande espécie anfíbia asiática, que ocorre em Laos, Tailândia e Vietnã, Scolopendra cataracta. Como curiosidade, a espécie foi descoberta por acidente, durante a lua-de-mel de um dos autores do manuscrito (o entomologista britânico George Beccaloni), sobre rochas próximo a uma catarata, daí seu nome. É uma espécie de grande porte, podendo ultrapassar 20 cm, e nada com vigorosos movimentos serpentiformes laterais. Outra espécie asiática de dimensões semelhantes foi descrita em Okinawa e Taiwan em 2021, Scolopendra alcyona, com registros de predação de grandes camarões de água doce. Não há espécies semi-aquáticas conhecidas no Brasil.

Existem espécies de centopéias adaptadas a ambientes ripários, de água doce ou litorais marinhos. Destes últimos, duas espécies são registradas na costa da Venezuela, Pectiniunguis bollmani e Schendylops virgingordae (ambos gêneros ocorrem no Brasil, mas não estas espécies). Há menção de diversas espécies com alguma capacidade de submersão, inclusive por períodos bastante prolongados em algumas espécies de Lithobius da floresta amazônica. L. curtipes (espécie européia) resiste a 22 dias submerso. Alguns Geophilomorpha amazônicos também mostram espiráculos com adaptações para submersão, e a brasileira Lamyctes adisi possui ovos dormentes adaptados a ficarem submersos. 




Centopéia semi-aquática Scolopendra cataracta, espécie nova asiática. Foto extraída do artigo de Siriwut W e colaboradores (Licença Creative Commons).


Pequena centopéia que surgiu em um aquário ornamental durante a ciclagem, nos EUA. Vídeo e foto gentilmente cedidas por Abigail Lorraine Dorris.



 

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Agradecimentos aos colegas Alice Abela (EUA, veja seu álbum Flickr  aqui ), Emily Bice (EUA), Abigail Lorraine Dorris (EUA), Myriam Vandenberghe (Bélgica), Diogo Luiz (  Repertório Animal   ) e Glauco Machado (iNaturalist) pela cessão das fotos para o artigo.


As fotografias de Walther Ishikawa, Glauco Machado (iNaturalist) e dos artigos Siriwut W, et al. (2016) ZooKeys 590: 1-124 (veja o artigo original  aqui ) e Menegucci RC, et al. (2020) Phyllomedusa 19(1): 121-124 (veja o artigo original  aqui ) estão licenciadas sob uma  Licença Creative Commons . As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.
 
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