Artigo publicado em 12/05/2013, última edição em 27/12/2023
Larvas de Culex (Microculex), Culicini e Wyeomyia (Phoniomyia), Sabethini. Coletadas no fitotelma de bromélia, junto com Anopheles, em Paraty, RJ. Foto de Walther Ishikawa. Este artigo é um dos três que complementam o artigo principal sobre larvas de mosquitos, que pode ser acessado aqui. As referências bibliográficas estão todas reunidas neste primeiro texto.
Outros Mosquitos Culicídeos
Sabetinos
Os mosquitos Sabetinos (tribo
Sabethini) são muitas vezes chamados de “Mosquitos-borboletas”, por serem
bastante coloridos, muitas vezes com uma cor iridescente e metálica. Algumas espécies têm longas cerdas e escamas
nas pernas, formando estruturas
parecidas com remos, usadas em uma elaborada exibição sexual. Outra
característica peculiar é a forma como pousam, com as pernas posteriores tão dobradas
por cima do corpo que passam sobre a
cabeça (embora não seja exclusiva deste grupo, por exemplo, veja adiante Psorophora ferox). Curiosamente, quase todos os Sabetinos não mostram o típico dimorfismo sexual dos demais culicídeos, as antenas e palpos dos machos são semelhantes às das fêmeas.
As formas imaturas aquáticas dos sabetinos se desenvolvem na água contida em recipientes formados por plantas, como a água acumulada em bromélias, bambus furados ou cortados, ocos de
árvores, frutas cortadas e caídas no solo. A postura de uma espécie comum,
Sabethes chloropterus, é
especialmente curioso: as fêmeas pairam diante do furo lateral de um bambu (estes mosquitos evitam bambus com abertura superior) e lançam os
ovos no seu interior, com ótima pontaria e com força suficiente para que eles
atinjam uma distância de 2,5
cm a 10
cm.
Suas larvas são em geral predadoras,
principalmente de outras larvas de mosquitos, até mesmo das de
seus irmãos. Diante disso e do
fato de as fêmeas depositarem poucos ovos em cada criadouro,
a quantidade de
larvas encontradas costuma ser
pequena.
Ovos: Os ovos
são depositados isoladamente. Suas fêmeas grávidas são realmente adaptadas a
desovar em recipientes cuja abertura para o meio externo é pequena: um orifício
estreito. Neste caso, as fêmeas sobrevoam o local, aproximam-se do orifício e,
voltando a ponta do abdome em direção à abertura, atiram 1 ou 2 ovos de cada vez através
dela.
Larvas: Têm o
aspecto habitual das larvas da subfamília Culicinae, adquirindo uma posição oblíqua em relação à superfície da água,
quando obtêm oxigênio do ar atmosférico. Possuem antenas curtas, o que pode ajudar na identificação.
Adultos:Os Sabethes são, indubitavelmente, os mais
belos mosquitos. São dotados de colorido variado e de reflexos cintilantes. Seu
escudo, pleura e abdome são intensamente recobertos por escamas que emprestam
ao mosquito um aspecto metálico. As tíbias podem apresentar tufos de escamas
longas que dão a esses apêndices a aparência de pás de remos. Pousam com as
pernas posteriores tão dobradas por cima do corpo que passam sobre a cabeça. Outros gêneros não possuem os remos, podem ou não ter as cores iridescentes.
Habitat: E uma tribo quase inteiramente
neotropical. Suas espécies são essencialmente silvestres,
está geralmente ligado à existência de florestas densas, quentes e úmidas.
Cria-se em recipientes naturais permanentes,
preferencialmente em ocos de árvore, principalmente naqueles grandes mas com
abertura pequena para o exterior (o que prolonga a existência do líquido,
protegendo-o da evaporação intensa). Outros possíveis criadouros são internódios
de bambu e axilas de folhas.
Comportamento: São exclusivamente
diurnos, o que explica suas colorações vivas. São
mosquitos muito "tímidos", geralmente pouco agressivos ou mesmo muito
"inibidos", que sobrevoam muitas vezes a vítima antes de pousar, o
que frequentemente fazem sobre o rosto, particularmente no nariz. Voam
lentamente, com as pernas posteriores voltadas para frente, em arco acima do
tórax, e quando ameaçados, afastam-se do hospedeiro voando de costas, de ré.
Sabethes (Sabethes) belisarioi, fotografado na Guiana Francesa. Foto de Paul Bertner.
Gêneros:No Brasil são descritas 148 espécies de Sabetinos, distribuídas em 9 gêneros. A classificação tem sido constantemente revista, com subgêneros ganhando status de gêneros, e outros sendo invalidados. Segue um breve resumo destes gêneros:
Sabethes: Os Sabethes podem ser considerados os "arquétipos" dos mosquitos Sabetinos, com seu colorido metálico e estruturas em forma de remos nas pernas (na verdade presente somente no subgênero Sabethes). São 31 espécies brasileiras em 5 subgêneros, muitas com importância médica. Possuem probóscide curta. O subgênero Sabethes é facilmente identificado pela presença de pernas hirsutas, com tíbias de aparência semelhante a pás de remo. Dos demais subgêneros, os Sabethoides e Davismyia apresentam tarsos medianos com marcação clara. Davismyia (uma única espécie) era previamente classificado como Wyeosmyia, são pouco coloridos. Os últimos dois (Peytonulus e Sabethinus) são de identificação mais difícil.
Sabethes (Sabethes) belisarioi, fotografado em Itapevi, SP. Fotos de Anna Julia Demeciano.
Sabethes (Sabethes) belisarioi, fotografado no Paraguai. Fotos de Ulf Drechsel.
Sabethes (Sabethes) cf. bipartipes, fotografado na Guiana Francesa. Foto de Paul Bertner.
Sabethes (Sabethes) cf. tarsopus, fotografado em Caraguatatuba, SP. Foto de Maria Ogrzewalska.
Sabethes (Sabethes) albiprivus, fotografado em Belo Horizonte, MG. Foto de Miguel Filho.
Sabethes (Sabethes) albiprivus, fotografado em Goiânia, GO. Foto de Marcelo Alves Pacheco.
Sabethes (Sabethes) albiprivus, fotografado em Bonfim, MG. Foto de Davidson Moreira.
Sabethes (Sabethes) albiprivus, fotografado em Joinville, SC. Foto de Fábio Longen.
Sabethes (Sabethes) cyaneus, exemplar de uma colônia criada em cativeiro na Universidade de Ohio, posteriormente enviada ao CDC (Centers for Disease Control and Prevention). Imagens do PHIL (Public Health Image Libray) - CDC.
Sabethes (Sabethinus) xhyphydes e Sabethes (Peytonulus) identicus, fotos de Genílton Vieira e Josué Damacena (IOC - FioCruz).
Limatus: Outro gênero com colorido metálico, somente 4 espécies. Escudo com desenhos em dourado e violeta metálicos, probóscide curta com extremidade inflada, com dimorfismo sexual. São os Sabetinos mais comuns em regiões antropizadas.
Limatus durhamii, fotografados no Parque do Pico do Jaraguá (primeira foto), PETAR, Iporanga (segunda e terceira) e Ubatuba, todas em SP. Fotos de Walther Ishikawa.
Dimorfismo sexual de probóscide de Limatus durhamii, fotos de César Favacho.
Limatus durhamii macho, fotografado em Belém, PA. Foto de César Favacho.
Larva e pupa de Limatus durhamii, coletadas em casca de côco em Goiânia, GO. A segunda foto mostra larva predando pupa de Aedes aegypti. Fotos gentilmente cedidas por Max Malmann.
Limatus flavisetosus, um macho fotografado em Itamambuca, Ubatuba, SP. Fotos de Walther Ishikawa.
Limatus pseudomethisiicus, fotografado em Belém, PA. Fotos de César Favacho.
Wyeomyia: Grande gênero com 86 espécies no país (incluindo 1 subespécie, em 14 subgêneros), geralmente de coloração mais pálida. Subgênero Phoniomyia são os Sabetinos com a probóscide mais longa, fina e curva, e são os mais coloridos dentro do gênero. Subgêneros Cruzmyia e Nunezia com probóscide um pouco mais longa do que o fêmur anterior, os demais subgêneros têm a probóscide curta e com o ápice inflado.
Larva de Wyeomyia. Foto de Sandra Nagaki.
Sabetino, Wyeomyia sp., um dos gêneros menos coloridos. Fotografado no Parque Estadual das Dunas de Natal, Natal, RN. Foto gentilmente cedida por Tibério Graco.
Wyeomyia melanocephala, fotografada em Alta Floresta, Novo Mundo, MT. Foto cortesia de Sidnei Dantas.
Larva de Wyeomyia (Phoniomyia), note os seus pequenos olhos. Coletada no fitotelma de bromélia, junto com Anopheles e Microculex em Paraty, RJ. Fotos de Walther Ishikawa.
Provavelmente duas espécies do gênero Wyeomyia (Phoniomyia), com sua típica probóscide longa e com extremidade curva. Trata-se de um gênero que habita exclusivamente fitotelmata de bromélias. O vídeo mostra desova do segundo exemplar. Em Paraty, RJ. O primeiro parece ser um Wy. (Pho.) flabellata. Fotos e vídeo de Walther Ishikawa.
Wyeomyia (Phoniomyia), coletadas em fitotelmata de bromélias, em Ubatuba, SP. Fotos tiradas em duas ocasiões, em duas plantas diferentes. Fotos de Walther Ishikawa.
Wyeomyia (Phoniomyia), fotografado em Ubatuba, SP, em oviposição em bromélias. As demais fotos mostram ovos de sabetinos em fitotelma de bromélia, aparentemente duas espécies, uma delas deve corresponder ao Wyeomyia. Fotos de Walther Ishikawa.
Wyeomyia (Miamyia) lutzi, fotografada em Bozano, Ijuí, RS. Foto cortesia de Fernando Sessegolo.
Larvas, pupas e um adulto de Wyeomyia (Spilonympha) bourrouli coletadas em um fitotelma de bromélia, no PETAR (Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira), Iporanga, SP. Na quarta foto são visíveis também uma larva e pupas de Culex (Microculex). Fotos de Walther Ishikawa.
Wyeomyia (Wyeomyia) arthrostigma, coletadas em água acumulada em bambus cortados, em Vinhedo, SP. A terceira foto mostra as pupas em dois momentos do desenvolvimento. Fotos de Walther Ishikawa.
Onirion: pequeno gênero com somente 2 espécies, classificadas inicialmente como Wyeomyia. On. personatum ocorre na Mata Atlântica do sudeste, e On. brucei somente no oeste do MT. Lembram bastante Wyeomyia, mosquitos de cores branca, preta e prateada, a transição das cores no abdômen reta, e marcações brancas típicas nos tarsos (em especial a partir da metade do tarsômero 3 nas pernas médias). Larvas desenvolvem-se em fitotelmata, como internódios de bambus.
Trichoprosopon: Sabetinos de grandes dimensões e colorido metálico, 10 espécies (incluindo 2 subespécies), probóscide do comprimento do fêmur anterior, um pouco curva. A espécie mais comum, Trichoprosopon digitatum (vetor da Encefalite de Saint Louis) é um mosquito com um comportamento interessante, a mãe, após colocar os ovos, permanece pousada na superfície da água, com a balsa de ovos entre as pernas traseiras, aparentemente para protegê-los, até o nascimento das pequenas larvas 24 horas após a postura. Quando ovos individuais são separados da balsa, a fêmea tenta reagrupar os ovos. É um dos poucos sabetinos com evidente dimorfismo sexual, macho com antenas plumosas e palpos longos.
Trichoprosopon sp., fotografado em Belém, PA. Trata-se de um mosquito de grandes dimensões. Macho na primeira foto, é um dos poucos sabetinos com evidente dimorfismo. Fotos de César Favacho.
Trichoprosopon digitatum, fêmea guardando os ovos, foto gentilmente cedida por John C. Murphy.
Isostomyia, Shannoniana e Runchomyia: Três gêneros que originalmente pertenciam a Trichoprosopon, respectivamente com 3, 2 e 7 espécies. Probóscide do comprimento do fêmur anterior em Isostomyia e Shannoniana, longa em Runchomyia. Cores mais pálidas, especialmente Isostomyia. Tarsos escuros, exceto Sh. schedocyclia.
Johnbelkinia: Também faziam parte dos Trichoprosopon, é um pequeno gênero com somente 3 espécies brasileiras. Escuro com áreas de colorido metálico. Probóscide longa, pernas com aspecto hirsuto, tarsos com marcações brancas.
Sabetino Johnbelkinia longipes, fotografado em Tarauacá, AC. Note a longa probóscide. Fotos gentilmente cedidas por Isaac Oliveira.
Doenças humanas:Diversos sabetinos são responsáveis pela transmissão de doenças humanas, o gênero mais importante é o Sabethes.
Há cinco subgêneros em Sabethes, o subgênero Sabethes é facilmente identificado pela presença de pernas hirsutas, com tíbias de aparência semelhante a pás de remo. No subgênero, algumas espécies possuem marcações claras nas pernas, outras têm as pernas totalmente escuras, este achado é bastante útil na identificação das espécies. Das sete espécies com marcações claras na pernas, a única que é vetor de doença humana é o Sabethes (Sabethes) belisarioi, de ampla distribuição, transmite o vírus responsável pela encefalite de Saint Louis. Das sete espécies com pernas pretas, a mais importate é Sa. (Sa.) cyaneus, encontrado somente no PA e AM, vetor da febre amarela. Também são vetores o Sa. (Sa.) albiprivus (ampla distribuição, portando Tucunduba, e vetor potencial da febre amarela) e Sa. (Sa.) quasicyaneus (AM, PA e MA).
Dos demais quatro subgêneros, o subgênero Sabethoides apresenta tarsos medianos com marcação clara, possui a espécie de maior importância médica de todos os sabetinos, Sabethes (Sabethoides) chloropterus. Tem ampla distribuição, é vetor potencial da febre amarela silvestre, dado que ainda não foi encontrado naturalmente infectado pelo vírus no Brasil, mas na América Central. Também já foi coletado na natureza carreando os vírus da encefalite St. Louis e Ilhéus. Uma segunda espécie (Sa. glaucodaemon) é considerada também um vetor potencial de febre amarela.
Dos três demais subgêneros, a identificação é mais difícil para o não-especialista. Uma espécie de Peytonulus (Sa. soperi) e uma de Sabethinus (Sa. intermedius) têm demonstrado envolvimento na veiculação de arboviroses (Tucunduba e Macaua). O primeiro também é um vetor potencial de febre amarela.
Os demais sabetinos têm importância muito menor como vetores, embora diversos tenham sido encontrados portando arboviroses. Destes, o mais importante é o Trichoprosopon digitatum, envolvido na veiculação de vários arbovírus (tipos Pixuna, Bussuquara, Wyeomyia e Ilhéus, dentre outros).
Sabethes (Sabethes) sp. picando a ponta do nariz da sua vítima. Foto de Anthony Érico Guimarães.