Artigo publicado em 14/11/2015, última edição em 22/01/2024
Himenópteros Semi-aquáticos
Vespas parasitóides Mirmarídeas, fotografadas em Divinópolis, MG. Fotos gentilmente cedidas por Fernando Barletta.
Vespas Parasitóides Aquáticas
A ordem
Hymenoptera é um grande grupo de insetos primariamente terrestres, que inclui
abelhas, vespas e formigas. Larvas de muitas espécies de Vespas parasitam
outros insetos, na sua maioria terrestre, mas em representantes de 11 famílias, algumas formas imaturas de
insetos aquáticos podem ser também parasitadas. Acredita-se que mais de 50 invasões aquáticas independentes tenham ocorrido nestas cerca de 150 espécies endoparasitóides.
Fêmeas adultas destas espécies
mergulham na água (alguns nadam, outros caminham) procurando suas vítimas para
ovoposição. Algumas espécies acasalam submersas, outras podem ficar até 15 dias
submersas.
Estas
vespas atacam ovos, larvas ou pupas de insetos aquáticos, e estágios
não-aquáticos destes insetos podem ser parasitados também. Este último tipo de
parasitismo, onde não há a necessidade da fêmea entrar na água, é muito mais
comum. Porém, muitos pesquisadores questionam a classificação destes insetos
como sendo “aquáticos”.
Vespas
têm metamorfose completa, passando pelos estágios de ovo, larva, pupa e adulto.
Em algumas espécies, todo este ciclo se dá no interior do inseto hospedeiro, em
outros, fases larvares avançadas e a pupação se dá fora do hospedeiro. Pode
haver mais de um parasita por inseto hospedeiro. A história de vida de Mymaridae é quase desconhecida exceto para poucas espécies que têm importância no controle biológico de pragas agrícolas.
Possuem uma anatomia habitual de uma
vespa, geralmente com um ovopositor bem desenvolvido. As asas podem ser largas
e membranosas, como as demais vespas, ou podem ter adaptações para a vida
aquática, estreitas e com uma franja de pelos, ou ainda podem estar ausentes.
Representantes da família Mymaridae
são chamadas em inglês de “Fairyfly”, devido ao seu diminuto tamanho, e pelo aspecto exótico e delicado
das suas asas.
Com raras exceções, estas Vespas são muito pequenas. O menor
inseto do mundo pertence a este grupo, o macho do Dicopomorpha echmepterygisda Costa Rica,(Mymaridae), que mede somente 0.139 mm, menor que um Paramécio
unicelular. Não tem olhos ou asas, sua boca é somente um orifício simples, e as
antenas são protrusões esféricas. Suas pernas têm as extremidades adaptadas na
forma de ventosas, para se agarrar às fêmeas na cópula, sua única “função” na
vida é se reproduzir, se acasalam com suas irmãs dentro do ovo-hospedeiro, e
morrem sem ao mesmo abandonar este ovo. As fêmeas desta espécie são maiores, e
possuem uma anatomia mais usual. Machos de alguns membros da família
Trichogrammatidae também não possuem asas, e possuem um ciclo de vida
semelhante. O recorde de menor organismo voador também pertence a um Mymaridae, o Kikiki huna, encontrado na Costa Rica, Trinidade e Havaí. Alguns exemplares desta espécie mediam somente 0.158 mm. Acredita-se que este seja o limite físico possível de organismos articulados terrestres que caminhem elevando o corpo do substrato (existem ácaros ainda menores, de até 0.079 mm, mas se rastejam ao caminharem), e que tenham capacidade de vôo.
Vespas parasitóides em ovos da Donzelinha Cercion calamorum
calamorum. Nas duas primeiras imagens, pupas prestes a eclodirem. Na
terceira foto, uma pequena fêmea recém-eclodida, e nas últimas imagens, fêmeas
depositando ovos dentro da água, em ovos de outra espécie, Ischnura
senegalensis. Uma ninfa desta espécie também pode ser vista. Setas indicam
o ovopositor da fêmea. Fotos cortesia de Shosuke Shimura.
Vespas parasitóides em ovos da Donzelinha Mnais pruinosa, esta
espécie abandona o ovo do hospedeiro durante a fase de larva (terceira foto) e termina seu
desenvolvimento fora dela. Fotos
cortesia de Shosuke Shimura.
Vespas adultas da espécie acima, na primeira imagem uma fêmea, medindo
1,12 mm, e o macho medindo 1,05 mm. Fotos de Shosuke Shimura.
Vespa parasitóide Mirmarídea em ovos da Libélula Epiophlebia
superstes. Na primeira série de imagens (com um intervalo de 6 dias), o
desenvolvimento da Vespa parasitoide. Na segunda série (8 dias), o
desenvolvimento da Libélula. A Vespa adulta mede 0,85 mm. Fotos de Shosuke
Shimura.
Vespa parasitóide em ovos da Libélula Deielia phaon, esta
espécie deposita pequenos ovos em massas gelatinosas na superfície de
plantas
aquáticas (primeira foto). Na segunda foto, ovos parasitados com vespas
adultas
prestes a eclodirem. Os ovos desta libélula são pequenos, desta forma
as Vespas
também são diminutas, medindo cerca de 0,55 mm. A terceira foto mostra
um macho
debaixo d´água, e as demais duas fêmeas (a primeira durante a
ovoposição). Note o dimorfismo sexual, a fêmea mais escura e com a
extremidade do abdomen menos arredondada. Muitas vezes o macho ajuda a
fêmea a sair do ovo, e a copulação ocorre pouco após a emergência da
fêmea. Logo depois, ocorre a ovoposição. Fotos
gentilmente cedidas por Shosuke Shimura.
Vespa parasitóide Mirmarídea em ovos da Donzelinha Indolestes
peregrinus. As três primeiras fotos tem intervalo de um dia entre cada uma,
abaixo, a Vespa emergindo do ovo. Na foto abaixo, imagens do macho (mede 0,57
mm) e a fêmea (0,76 mm). Fotos de Shosuke Shimura.
Vespas parasitóides de ovos de Gerre, ovos parasitados na superfície do
caule de uma Eleocharis. O desenvolvimento das Vespas, num intervalo de
11 dias. Fotos de Shosuke Shimura.
O movimento da larva dentro do ovo do Gerre. Foto de Shosuke Shimura.
O desenvolvimento da larva de Vespa Scelionídea no ovo do Gerre. Fotos de
Shosuke Shimura.
Fêmea de Vespa Scelionídea emergindo do ovo de Gerre. Note como o
inseto recorta com as mandíbulas pequenos fragmentos da casca do ovo, até
formar uma abertura grande o suficiente para passar. Fotos de Shosuke Shimura.
Duas outras famílias de Vespas parasitóides de Libélulas e Donzelinhas,
à esquerda da família Trichogrammatidae (mede 0,55 mm), e à direita Eulophidae
(macho acima, 1,3 mm, e fêmea abaixo, 1,9 mm). Fotos de Shosuke Shimura.
Além destas vespas endoparasitóides, existem duas espécies de Vespas-Caçadoras (Pompilidae, às vezes chamados de "Cavalo-de-Cão") que alimentam-se exclusivamente de aranhas semi-aquáticas. Anoplius depressipes (América do Norte) e Anoplius eous (Japão) caçam, paralizam, capturam e transportam aranhas, respectivamente Dolomedes (Pisauradae) e Pardosa (Lycosidae) para alimentar suas larvas. Fêmeas adultas são vistas mergulhando na água para caçar estas aranhas. Não são conhecidas espécies brasileiras com este comportamento.
Formigas Aquáticas
As formigas também pertencem à ordem
Hymenoptera, são insetos sociais essencialmente terrestres,
extremamente versáteis, e algumas poucas espécies se adaptaram a um
modo de vida anfíbio. Geralmente estas adaptações são devido a pressões
ambientais dos locais específicos onde algumas espécies vivem.
Há alguns anos foi descrito um hábito semi-aquático de uma
espécie de formiga australiana
que habita manguezais (Polyrhachis sokolova),
esta espécie constrói formigueiros em terrenos barrentos de manguezais,
armazenando ar no seu interior, para sobreviver às cheias. Caminha
sobre a água, e eventualmente nada, sendo a única espécie de formiga
nadadora conhecida.
No Brasil, o grupo mais conhecido com hábitos anfíbios é o das Formigas Lava-Pés (Solenopsis
spp.). Estas formigas são conhecidas por formarem estruturas complexas
ligando seus corpos, como escadas, pontes e muralhas. Na bacia
amazônica, estas formigas caminham tranquilmente sobre as águas em
períodos de cheia, entre as árvores semi-submersas dos igapós. Podem
formar pontes flutuantes com o próprio corpo, conectando duas áreas
secas. Quando o formigueiro é inundado, as formigas da colônia forma
uma aglomeração flutuante em forma de panqueca para escapar da cheia,
com as operárias localizadas por fora, e a rainha e sua prole protegida
no centro. Construídas em menos de dois minutos, nestas balsas há um
rodízio de operárias, para que nenhuma fique submersa por um tempo
excessivo. As balsas são estruturas de maior duração, podendo
permanecer por meses, e permitindo à colônia se dispersar por grandes
distâncias. Mesmo as formigas invasoras encontradas na Austrália e EUA (onde são chamadas de "Fire Ants") mantêm este comportamento.
Há também descrição de hábitos semelhantes em algumas espécies brasileiras de Pheidole, como tolerância à submersão, hábito de formar balsas e caminhar sobre a água. Existe até um relato de uma colônia no interior de um tronco trazido pela maré.
Formigas Lava-Pés (Solenopsis sp.) caminhando sobre a superfície da água, em um charco alimentado pelo Rio Negro, Manaus, AM. Fotos de Walther Ishikawa.
Agrupamentos de Solenopsis invicta na superfície da Represa Billings, São Bernardo do Campo, SP. Fotos de Paula Bortoletto.
"Balsa" de Formigas Lava-Pés (Solenopsis invicta), encontrada como invasor em Arlington, Texas (EUA). Foto de Kenneth Nanney.
Agrupamento de Solenopsis invicta na superfície de um lago, espécie encontrada como invasor em Houston, Texas (EUA). Fotos de Steven Wang.
Balsa de formigas Solenopsis invicta
(lava-pés), boiando sobre água acumulada no interior de um pequeno barco
abandonado, às margens do Rio Grande, em Guaraci, SP. Foto e vídeo de Walther
Ishikawa.
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Agradecimentos aos colegas Fernando Barletta, Paula Bortoletto, Kenneth Nanney (EUA) e Steven Wang (EUA) pela cessão das fotos para o artigo. Também um agradecimento especial ao zoólogo japonês Shosuke Shimura
que permitiu o uso do seu vasto material sobre Vespas Parasitóides. Dr.
Shimura mantém um belíssimo site sobre Libélulas Japonesas (onde há uma
sessão sobre as Vespas), o Tombon.
As fotografias de Walther Ishikawa estão licenciadas sob uma Licença Creative Commons. As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.