
Aedes aegypti, larvas. Foto de Walther Ishikawa.
Este artigo é um dos quatro que complementam o artigo principal sobre larvas de mosquitos, que pode ser acessado aqui . As referências bibliográficas estão todas reunidas em um link neste primeiro texto.
Mosquitos Aedini
Trataremos neste artigo dos mosquitos culicídeos (família Culicidae) da subfamília Culicinae, tribo Aedini. De longe, os mais importantes deste grupo são os dois mosquitos invasores Aedes (Stegomyia), vetores de importantes doenças humanas. Porém,, existem várias outras espécies de Aedes nativos do subgênero Ochlerotatus, que serão abordados aqui. Ainda, a tribo inclui dois outros gênero importantes, Haemagogus, vetor de febre amarela e Psorophora.
Aedes aegypti
Descrito por Linnaeus em 1762,
acredita-se que o Aedes (Stegomyia) aegypti seja uma espécie originária da
África tropical (Etiópia), tendo-se tornado cosmopolita graças ao tráfego comercial.
Está presente em todos os continentes e é admitida sua introdução na Região
Neotropical pelo tráfico entre a África e as Américas, ao longo dos séculos XV
até o XIX. No Brasil, na década de 50 foi considerado erradicado, porém
reintroduzido a partir de 1967, instalando-se definitivamente no território
brasileiro. Como curiosidade, o nome do gênero tem origem grega (ἀηδής, aēdēs), significando "desagradável" ou "odioso", e a origem do epíteto específico tem origem no latim, mencionando seu local de origem. Isso gera uma confusão muito comum em relação à pronúncia do nome científico, porque os dois "ae" têm leituras diferentes, o correto é "A-é-des" (e não "Édes", devido à origem grega) e "egípti", (origem latina). Finalmente, há alguma controvérsia em relação ao nome científico do gênero, aqui usaremos a mais tradicional e aceita, Aedes, ao invés de Stegomyia (veja discussão adiante).
Doenças humanas: No Brasil, A. aegypti é o único vetor conhecido de febre amarela urbana e é também o único transmissor do dengue, zika e chikungunya, em nossos dias.
Ovos: os ovos
são depositados fora da água, nas paredes internas e úmidas dos recipientes, onde
são capazes de se manter viáveis por longos períodos (superior
a um ano), mesmo em condições desfavoráveis de dessecação. Os ovos têm cor clara quando são depositados, mas escurecem após
contato com o oxigênio. São alongados, descritos como em forma de "charuto", ou tendo um aspecto em
"semente" ou “gergelim”, cada postura tem uma média de 100 ovos. Outra característica
importante do Aedes é o fato da fêmea
depositar os ovos em diferentes criadouros em uma mesma postura, aumentando a
sua dispersão.
Larvas: Têm o
aspecto habitual das larvas da subfamília Culicinae, adquirindo uma posição oblíqua em relação à superfície da água. A
cabeça é escura e menor do que os Culex.
O sifão é curto, grosso e quase cônico, geralmente bem escurecido.
Adultos: O mosquito adulto tem coloração escura, com manchas
branco-prateadas no abdome formando anéis. As pernas escuras também têm anéis brancos, conferindo um aspecto tigrado ao mosquito. Na
parte superior do tórax possui faixas branco-prateadas formando um
desenho classicamente comparado a uma “lira”.
Habitat: Embora oriundo do Velho Mundo
(provavelmente da região etiópica, tendo sido originalmente descrito do Egito),
acompanhou o homem em sua longa e ininterrupta migração pelo mundo, e
permaneceu onde as alterações antrópicas propiciaram a sua proliferação. Hoje é
considerado um mosquito cosmopolita. Espécie urbana, restrita às vilas e
cidades, sempre ligada ao peridomicílio e ao domicílio humano.
Seus criadouros preferenciais são
os recipientes artificiais, tanto os abandonados pelo homem a céu aberto e
preenchidos pelas águas das chuvas, como aqueles utilizados para armazenar água
para uso doméstico. A água armazenada precisa ser limpa, isto é, não turva,
pobre em matéria orgânica em decomposição e em sais, preferencialmente acumulada
em locais sombreados e de fundo ou paredes escuras, pelo seu caráter de fotofobia.
Comportamento: As fêmeas de A.
aegypti restringem seus hábitos hematófagos aos horários diurnos. Seus
picos de maior atividade acham-se, geralmente, situados no amanhecer e pouco
antes do crepúsculo vespertino, mas ataca a qualquer hora do dia. O homem é
atacado principalmente nos pés e na parte inferior das pernas. A longa
associação do A. aegypti com a espécie humana parece tê-lo dotado de certa
habilidade para escapar de ser morto por sua vítima durante o repasto sanguíneo.
Assim é que, se o hospedeiro produz movimento, mesmo que suave, uma fêmea de A.
aegypti prontamente o abandona, voltando a atacá-lo ou procurando outra
vítima, depois de cessado o iminente perigo de ser atingida. Esta peculiaridade
tem grande importância, pois uma só fêmea de A. aegypti infectada pode,
enquanto procura alimentar-se satisfatoriamente de sangue, produzir várias
alimentações curtas em diferentes hospedeiros e disseminar arboviroses.

Close em Aedes aegypti, mostrando o típico padrão em "lira" no seu tórax. Foto de Daniel Ramos.

Aedes aegypti,
nesta foto podem ser vistos outros sinais auxiliares para a
identificação da espécie, como a faixa branca no fêmur e o padrão de
manchas na região lateral do tórax. Foto de Marcos Teixeira de Freitas.
 

Ovos de Aedes aegypti, com aspecto
descrito como "gergelim". Nas demais fotos, larvas recém-nascidas. Fotos de Walther Ishikawa.

Larvas e pupa de Aedes aegypti .



Larvas e pupas de Aedes aegypti.


Larvas e pupa de Aedes aegypti .

Pupa de Aedes aegypti, e inseto adulto emergindo.
Aedes albopictus
O Aedes (Stegomyia) albopictus (Skuse
1894) é um mosquito originário do Sudeste da Ásia, encontrado até em
regiões de clima subtropical e temperado, já tendo sido observado no norte da
China e Sibéria, devido a sua maior tolerância ao frio.
Está bem adaptada ao ambiente
doméstico, predomina em áreas urbanas com cobertura vegetal, proliferando tanto
em recipientes naturais como artificiais, o que tem facilitado o seu
estabelecimento também em áreas rurais.
Doenças humanas: É vetor natural do Dengue em áreas rurais, suburbanas e urbanas da Ásia, desde a década de 50. Estudos realizados com cepas de Aedes albopictus procedentes do Brasil comprovaram sua competência vetorial para a dengue e febre amarela. No entanto, até o momento, não se tem registro de casos de febre amarela, cujo vetor tenha sido Aedes albopictus, sendo, portanto, considerado apenas vetor potencial desta arbovirose.
Ovos, larvas e pupa:
Muito parecido com o Aedes aegypti,
de distinção bastante difícil para o não-especialista.
Adultos: Bastante parecido com o Aedes aegypti, também com coloração
escura, manchas e anéis branco-prateados
conferindo um aspecto tigrado, daí seu nome “Tigre
asiático”. Porém, pode ser facilmente diferenciado pelo padrão de desenho
da porção superior do tórax, onde possui uma
faixa longitudinal mediana branco-prateada.
Habitat: A. albopictus é, como o
A. aegypti, um mosquito estrangeiro, foi originalmente descrito
da Índia.
Ocorrem naturalmente em áreas de clima temperado e tropical na Região
Oriental, na Austrália, na Nova Guiné, nas Ilhas Havaianas, em
Madagascar, no Oeste do Irã e Japão.
Invadiu o continente americano recentemente (1985),
ocupando localidades ao sul dos Estados Unidos. Foi pela primeira vez encontrado
no Brasil, em maio de 1986, deve ter entrado no Brasil através de portos no
Espírito Santo e se interiorizado, via estrada de ferro, no Vale do Rio Doce
(transporte de minério de ferro). A população desse mosquito no
Brasil parece ser oriunda do Japão (para onde é exportada grande quantidade de
ferro através daqueles portos) e apresenta diferenças biológicas em relação à
cepa invasora da América do Norte.
Sua distribuição, no Brasil, ainda é
associada à presença do homem, utilizando, como o A. aegypti, os criadouros
propiciados pela atividade humana. Contudo, é um mosquito que se espalha com
facilidade no ambiente rural, semi-silvestre e silvestre, não dependendo dos
locais de grande concentração humana, como o A. aegypti. É comumente
encontrado, por isso, nas áreas onde a população humana é escassa, nas bocas de
matas e plantações, onde o A. aegypti é ausente ou muito raro. É, porém,
mais tolerante às temperaturas mais baixas (ex.: norte da Ásia), enquanto o A.
aegypti as evita.
A. albopictus cria-se em recipientes naturais e
artificiais, nos mesmos locais do A. aegypti, com o qual compete.
Acredita-se, até, que o resultado dessa competição seja favorável ao A.
albopictus, pois a densidade deste costuma aumentar enquanto a do A.
aegypti diminui, gradativamente, após certo tempo de coexistência.
Comportamento: Muito parecido com o Aedes aegypti.

Aedes albopictus, fotografado no Parque das Dunas, Natal (RN). Note a característica faixa branca mediana no tórax. Foto de Sonia Furtado.

Aedes albopictus, foto de César Favacho.

Larva de Aedes albopictus, foto de Max Malmann.
Ochlerotatus
Originalmente considerado um
subgênero de Aedes, após uma revisão
em 2000 havia ganho o status de gênero. Todas as espécies nativas originalmente
classificadas como Aedes haviam sido reclassificadas para Ochlerotatus, assim como as principais espécies vetoras exóticas foram reclassificadas como Stegomyia (por exemplo, o próprio A. aegypti).
Porém, permanece alguma controvérsia em relação a esta nova
nomenclatura, em parte porque isto irá requerer a modificação
retroativa de toda a literatura científica de espécies de grande
importância médica. É um assunto ainda em discussão, mas a tendência é
de se abrir uma exceção e manter a nomenclatura mais antiga para os Stegomyia (mantendo Aedes), e Ochlerotatus passar a ser gênero.
As fêmeas
desse subgênero são muito vorazes, insistentes em obter sangue e oportunistas.
Aumentam muito sua atividade no crepúsculo vespertino, mas atacam,
indiscriminadamente, de dia ou à noite. Parte das espécies tem ovos resistentes
à dessecação. Seus criadouros são principalmente os de caráter transitório, no
solo. Algumas espécies criam-se em recipientes naturais ou artificiais. O Aedes (Ochlerotatus)
taeniorhynchus necessita
de água salobra para o desenvolvimento larvar.
São cerca de 25 espécies que ocorrem no Brasil. As principais
diferenças entre os gêneros Aedes (Stegomyia) e Aedes (Ochlerotatus) é determinada pela estrutura dos órgãos
sexuais, de difícil análise sem microscópio. Larvas e pupas lembram os Aedes (Stegomyia), alguns adultos são muito
parecidos com o A. aegypti, com
aspecto tigrado (como o O. taeniorhynchus e O. fluviatilis), outros têm aspecto mais pardo lembrando os Culex (como o O. scapularis e O. lepidus).
Veja uma chave de identificação das espécies brasileiras aqui .
Doenças humanas: Algumas espécies do gênero têm sido incriminadas como vetores de arboviroses, e serão destacadas adiante.


Aedes (Ochlerotatus) fulvithorax emergindo da pupa, fêmea acima e macho abaixo. Fotografados em Vinhedo, SP. Fotos de Walther Ishikawa.
  
Aedes (Ochlerotatus) fulvithorax, notem o sifão curto, semelhante ao Aedes (Stegomyia), mas com o
corpo mais robusto, de coloração distinta.

Pupas de Aedes (Ochlerotatus) fulvithorax.
Aedes (Ochlerotatus) crinifer, fotografado em Sananduva, Porto Alegre e Pelotas, todos em RS. Fotos cortesia de Paulo Marcos Mattes, André Nogueira e Guilherme Cameis Freda.
  Aedes (Ochlerotatus) stigmaticus,
espécie grande e silvestre, mostrando sua coloração e padronagem
típicas. Fotografado em Santa Maria da Vitória, BA. Fotos de Igor
Arusa.  Aedes (Ochlerotatus) fulvus pallens, fotografado em Aruanã, GO. Foto de Kennedy Borges. 
Aedes (Ochlerotatus) serratus, mostrando sua típica faixa no mesonoto. Fotografados em Abaetetuba e Belém, PA, e também Rio Branco, AC. Fotos gentilmente cedida por Ademir Heleno A. Rocha, César Favacho e Prof. Edson Guilherme (UFAC).
Aedes (Ochlerotatus) cf. pennai, fotografado em Aracaju, SE. Foto de Juliana Lins.
Aedes (Ochlerotatus) argyrothorax, fotografados no Jardim Botânico de Recife, em Curado, Recife, PE, e em Macouria, Guiana Francesa. Fotos cortesia de Inacio Oliveira e Max G.W. Verheij.
Aedes (Ochlerotatus) terrens, fotografado em Manta, Manabi, Equador, e Ilhéus, BA, próximo a mata e manguezal. Fotos gentilmente cedidas por Giovanni Ramón e Ailton Lobo.
Aedes (Ochlerotatus) tortilis, fotografado em San Pedro de Macorís, República Dominicana. Foto de Franklin Howley-Dumit Serulle.
Aedes (Ochlerotatus) dupreei, fotografado no Texas, EUA. Foto de Liam Wolff.
Aedes (Ochlerotatus) tormentor, fotografado na Geórgia, EUA. Foto de Giff Beaton.
Mosquitos em uma poça d´água no solo, em trilha de pneu. Grande larva de Toxorhynchites ao centro, e larvas menores de Aedes (Ochlerotatus) cf. hastatus, note as brânquias bastante alongadas. Fotografado na reserva florestal Tiputini, Orellana, Equador, foto cortesia de Stephen Luk.
Aedes (Ochlerotatus) aurivittatus, fotografado em Marcos Juárez, Córdoba, Argentina. Foto de Agtot.
Aedes (Ochlerotatus) septemstriatus, fotografado em Cdád. Bolívar, Bogotá, Colômbia. Foto de David Estevez.
Dentre as espécies de Ochlerotatus, a que tem maior importância médica é o Ochlerotatus scapularis (Rondani, 1848). Trata-se da espécie-tipo do subgênero, tem ampla distribuição geográfica, sendo encontrada desde o sul dos EUA (Texas) até o norte da Argentina. No Brasil, ocorre em todos os estados, comum nas matas secundárias, plantações e outros ambientes parcialmente modificados pelo homem. Suas larvas se desenvolvem em variados criadouros de pouca profundidade e muita luminosidade, muitas vezes artificiais. Sua densidade está direta e positivamente influenciada pelas chuvas. Adultos podem ser identificados com relativa facilidade pela grande mancha prateada escutelar, e marca branca na tíbia posterior. Ataca o homem com muita voracidade, mas também tem alto grau de zoofilia, ataca mamíferos de grande porte.
Doenças humanas: É suspeito de transmitir a encefalite Rocio (SP), de Wuchereria bancrofti (SC) e é vetor primário de Dirofilaria immitis. Naturalmente infectado com os vírus Caraparu, Ilheus, Kairi, Maguari, Melao e Mucambo.


Aedes (Ochlerotatus) scapularis, fotografado em Belém (PA). Foto de César Favacho.  Adultos de Aedes (Ochlerotatus) scapularis, fotografados em Amparo SP. Note a típica grande mancha prateada no mesonoto, e o abdômen com faixas. Curiosamente, foram encontrados no mesmo local dos Aedes (Ochlerotatus) fluviatilis, abaixo. Fotos de Walther Ishikawa.
Veja a segunda página do artigo aqui .
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