Artigo publicado em 19/04/2018, última edição em 25/07/2023
Efêmeras e Perlas
Outros dois grupos de insetos com ninfas aquáticas são as Efêmeras e Perlas. Raramente são encontradas como invasores em aquários, por exemplo, introduzidos junto a plantas ornamentais sem tratamento adequado.
Originalmente este artigo fazia parte daquele descrevendo ninfas de Libélulas e Donzelinhas, com os quais são frequentemente confundidos. Sugerimos sua leitura, o link pode ser visto aqui.
A identificação da ninfa de
Libélula é relativamente simples, com seu corpo atarracado e sem filamentos na
cauda. A diferenciação dos outros três insetos é mais sutil, pode ser feita
pelo número de prolongamentos na extremidade da cauda (três para Donzelinhas e
Efêmeras, duas para Perlas), e seu aspecto (lisa nas Perlas, com
aspecto de penas nas Donzelinhas, variável nas Efêmeras). A presença de brânquias laterais,
comprimento das antenas e o aspecto dos olhos também são sinais auxiliares.
Efêmeras
(insetos da ordem Ephemeroptera)
Em inglês são chamadas de "Mayfly", porque no
hemisfério norte se torna adultas em grande número na primavera, no mês de
Maio. No Brasil, grandes aglomerações são comuns no verão, são chamadas de "Mariposinhas-de-verão" no Sul do país. Existem cerca de 2200 espécies no mundo, cerca de 600 neotropicais, oito famílias têm representantes no Brasil. São os insetos alados mais
primitivos que existem, registros fósseis datam do período Carbonífero Tardio,
há cerca de 300 milhões de anos. As ninfas são aquáticas, e os adultos insetos
alados.
Tamanho: até 3 cm.
Identificação: Ninfas com as seis pernas bem
visíveis, corpo achatado e alongado, vivem no substrato. Possuem três cerdas
longas na extremidade do abdômen, e guelras filamentosas ou achatadas na região
lateral do abdômen. Dois grandes olhos compostos numa cabeça arredondada,
partes bucais bem proeminentes. Cabeça menor e menos larga do que as Donzelinhas. Antenas longas e finas. Podem ser confundidos
com ninfas de Donzelinhas, que também têm três estruturas longas no final do abdômen.
Habitat e ciclo de vida: Vivem em grande variedade
de corpos d´água, sem ou com correnteza. São fortes bioindicadores de qualidade
de água. Ovos são depositados na água pelos adultos voadores. Chegado o
momento, a ninfa se dirige à superfície, e o adulto emerge, geralmente de
madrugada. Porém, este emerge numa forma imatura, chamada
"sub-imago", já alada, que realiza uma última muda para a forma
definitiva, com maturidade sexual. É o único inseto cuja forma alada realiza
ecdise. Costumam se tornar adultos simultaneamente, formando grandes
aglomerações. Cerca de 50 espécies se reproduzem por partenogênese. Ninfas
geralmente rastejam no fundo, mas podem nadar utilizando as cerdas abdominais.
Alimentação e respiração: alimentam-se de detritos
e algas. Algumas poucas espécies são predadores. Adultos não têm boca ou
sistema digestório. Trocas gasosas cutâneas, ou nas brânquias externas. Alguns
se posicionam na correnteza, para receber oxigenação do fluxo de água. Não gosta
de águas turvas, o que dificulta a troca gasosa nas suas brânquias.
Perigo para humanos ou peixes: Inofensivo
para
humanos, exceto quando emergem maciçamente em algumas regiões (veja
abaixo). Inofensivo para peixes, inclusive é predado por peixes
maiores.
Apobaetis, Baetidae, fotografadas em Vinhedo, SP. As fotos mostram o dimorfismo sexual nos olhos, primeira e terceira fotos mostram um macho, segunda e quarta
uma fêmea, veja os olhos divididos nas porções basal e turbinada no
primeiro. Fotos de Walther Ishikawa.
Curiosidades:
O nome "Efêmera" é
justificado, possuem vida bem curta na forma adulta, geralmente alguns dias.
Existem espécies cujas fêmeas vivem somente alguns minutos.
O primeiro registro escrito de Efêmeras foi feito por
Aristóteles (384~322 a.C.). Ele testemunhou a emergência de adultos de corpos
d´água e teceu comentários sobre sua curta vida.
Adultos de muitas espécies têm as asas posteriores menores ou ausentes, um exemplo de que a presença de somente um par de asas não é exclusividade dos Dípteros.
Efêmeras também são modelos interessantes para a compreensão da evolução de asas nos insetos. Inicialmente pensava-se que de alguma forma as asas tivessem se desenvolvido como projeções torácicas de insetos terrestres. Mas a análise das grandes guelras de Efêmeras, membranosas e com veias, em algumas espécies auxiliares na natação, representa um modelo bem mais elegante e provável.
Machos adultos da família Oligoneuridae têm somente as pernas dianteiras desenvolvidas, impossibilitando os insetos alados a pousarem. Vivem por cerca de duas horas, reproduzem-se e morrem.
Algumas famílias têm um exacerbado dimorfismo sexual, machos com os olhos compostos divididos e com a porção superior turbinada (parecendo um turbante), usadas para procurar fêmeas numa visão de baixo para cima, durante o vôo. Esta diferença está presente também nas ninfas, mas menos evidente. As pernas dianteiras dos machos podem ser extremamente longas, usadas para agarrar a fêmea durante a cópula.
Podem ser bastante abundantes, existem relatos de até
10.000 insetos por metro quadrado. Perto do Rio Mississippi, nos Estados
Unidos, chegam a causar problemas deixando o tráfego de veículos perigoso, devido
ao grande volume de animais mortos nas rodovias, deixando-as escorregadias. Neste local, e também no
Lago Erie (região dos Grandes Lagos), são tão numerosos que são detectados em
radares meteorológicos.
Na região do Rio Sepik, na Papua Nova Guiné, são
coletados em grandes quantidades para consumo humano.
Pequeninas ninfas coletadas numa lagoa em Vinhedo, SP (cerca
de 9 mm). À esquerda, da família Caenidae, e à direita, Baetidae.
Fotos de Walther Ishikawa.
Família Baetidae: cosmopolita, é a família mais diversa e numerosa dentre toda Ephemeroptera. Como tal, há grande diversidade de hábitos e alimentação das ninfas. Mais comum em ambientes lóticos, a maioria sendo raspadora ou coletora apanhadora, mas existem gêneros filtradores ou até predadores, e ainda algumas espécies mutualistas de bivalves. As ninfas são boas nadadoras. Adultos pousam com a asa em posição vertical, possuem asas posteriores pequenas ou ausentes. Machos com olhos turbinados (exceto Aturbina). Filamento terminal ausente.
Ninfa
fêmea de Efêmera, família Baetidae, mede cerca de 2,5cm, coletado
em Monte Verde, MG. Fotos de Walther Ishikawa.
Efêmera Baetidae (Callibaetis?) fotografada em Mogi das Cruzes, SP. A primeira foto mostra o subimago, note as asas opacas e translúcidas. A segunda foto mostra um adulto (fotografado no mesmo local, provavelmente da mesma espécie), e a terceira foto, uma exúvia do subimago. Fotos de Cacilda Salvador.
Apobaetis, Baetidae, fotos de Walther Ishikawa. Fotografadas em Vinhedo, SP.
Ninfas de Baetidae, fotografadas no Parque Cantareira, Núcleo Engordador, SP. Fotos de Walther Ishikawa.
Pequenina ninfa de Baetodes,
família Baetidae, cerca de 4mm, coletado em Monte Verde, MG. Brânquias
ventrais, restritas aos segmentos 1 a 5. Note também o filamento
mediano reduzido, este exemplar foi inicialmente confundido com um
Perlidae. Fotos de Walther Ishikawa.
Ninfa de Baetodes, família Baetidae, fotografada
na Cachoeira do Barbudo, Guarapari, ES. Foto de
Flávio Mendes.
Casal de Cloeon smaeleni, família Baetidae, uma espécie exótica africana. Fotografadas em Universitário, Caruaru, PE (macho, foto de Guilherme Batista) e Brasília, DF (fêmea, foto de Guilherme A. Fischer).
Família Caenidae: também de distribuição mundial e numerosa. Suas ninfas se alimentam de algas e detritos, e são encontradas em ambientes lênticos. Possui o segundo par de brânquias modificado em opérculos, que protege os pares subseqüentes funcionais. As ninfas se rastejam no substrato, mas podem efetuar natações breves. Resistentes a poluição, não são úteis como bioindicadores. Adultos com corpo curto e atarracado, pousam com as asas entreabertas,
asas anteriores curtas e arredondadas, e quase sem veias cruzadas (crossveins), asas posteriores ausentes.
Ninfa da família Caenidae, fotografada
na Lagoa Encantada, Vale Encantado, Vila Velha, ES. Foto de
Flávio Mendes.
Caenidae,
fotografada em Vinhedo, SP. Note as grandes brânquias do segundo
segmento abdominal com aspecto opercular, parecem pequenas asas (em
inglês são
conhecidos como "squaregills"). Fotos
de Walther Ishikawa.
Efêmera Caenis sp.,
exemplar norte-americano, mas este também é o gênero mais comum da
família Caenidae no Brasil. Mede 3,25 mm, fotografado em Madison
County, Tennessee, EUA. Fotos de Ken Childs.
Família Coryphoridae: contendo somente o gênero Coryphorus com duas espécies, encontrada principalmente na Bacia Amazônica. As ninfas são encontradas em barrancos de ambientes lóticos. Assim como Caenidae, possuem brânquias operculares, e seus olhos são elevados dorsalmente. Ninfas rastejadoras, com corpo irregular, bastante camuflados, quando ameaçadas podem curvar os filamentos caudais sobre o abdômen. Adultos pousam com a asa em posição vertical,
asas anteriores com a porção anterior enegrecida, asas posteriores ausentes. Olhos dos machos bastante grandes.
Provável efêmera Coryphorus sp., fotografada em São Geraldo do Araguaia, PA. Foto de Jesiane Miranda.
Família Ephemeridae: trata-se de uma família cosmopolita, mas somente o gênero Hexagenia é encontrada na região Neotropical, e somente H. albivitta é registrada no Brasil. As ninfas são grandes, são muito parecidas com as ninfas de Polymitarcyidae, possuindo colmilhos mandibulares (tusks) bem desenvolvidos. Escavadoras, habitam pequenas galerias em forma de U, alimentação coletora e filtradora. São encontradas tanto em ambientes lênticos quanto lóticos. Adultos pousam com a asa em posição vertical,
possuem asas posteriores bem desenvolvidas. Filamento terminal reduzido.
Efêmera
Hexagenia albivitta, a única espécie da família Ephemeridae encontrada no Brasil. Fotografada em Morrinhos
do Sul, RS. Note as asas posteriores bem desenvolvidas. Foto de Diogo
Lucatelli.
Família Euthyplociidae: pequena família com somente 19 espécies encontradas basicamente no Hemisfério Sul (6 no Brasil). São as maiores da ordem, tanto adultos quanto ninfas, chegando a atingir 35 mm. As ninfas são encontradas exclusivamente em ambientes lóticos, vivendo sob pedras ou bolsões de folhiço. As ninfas possuem longos colmilhos mandibulares, são coletores apanhadores. Adultos pousam com a asa em posição vertical,
possuem asas posteriores grandes. Podem ter as pernas anteriores atrofiadas.
Ninfas de Campylocia, família Euthyplociidae, fotografadas
na Reserva Biológica de Duas Bocas, Cariacica, ES, note os grandes colmilhos mandibulares. Nesta família estão as
maiores Efêmeras conhecidas, exclusivas de ambientes lóticos. Fotos de
Flávio Mendes.
Campylocia burmeisteri, família Euthyplociidae, fotografadas
na Reserva Biológica do Tinguá, Nova Iguaçu, RJ. Foto de
Diogo Luiz.
Família Leptohyphidae: restritos ao continente americano, é o terceiro grupo em termos de diversidade de espécies e gêneros na Região Neotropical. São efêmeras de pequenas dimensões, medindo até 10 mm, a família contém alguns dos menores representantes da ordem (Tricorythopsis), chegando a 2 mm. Ninfas vivem exclusivamente em ambientes lóticos, alimentam-se de matéria orgânica em decomposição acumulada. Também possuem brânquias do segmento II operculares. Adultos pousam com a asa em posição vertical,
possuem asas posteriores pequenas ou ausentes.
Ninfa da família Leptohyphidae, fotografada
na Lagoa Encantada, Vale Encantado, Vila Velha, ES. Foto de
Flávio Mendes.
Efêmera da família
Leptohyphidae, macho de provável Traverhyphes fotografada em Ouro Branco, MG. Foto de Tamara Miranda.
Subimago de pequena efêmera, provável Leptohyphidae, encontrada em grande número às margens de um rio, em Amparo, SP. Foto de Walther Ishikawa.
Ninfa de Leptohyphes, família Leptohyphidae, fotografada em Tinguá, Nova Iguaçu, RJ. Foto de Diogo Luiz.
Minúscula efêmera, talvez Tricorhythopsis, família Leptohyphidae, fotografada em Santarém, PA. Fotos de Nelson Wisnik.
Família Leptophlebiidae: cosmopolita, é a segunda maior família de Ephemeroptera em número de espécies e mais diversa com relação ao número de gêneros. Vivem predominantemente em ambientes lóticos, as ninfas são, em geral, rastejadoras e possuem o corpo achatado dorsoventralmente. Alimentam-se raspando partículas fracamente aderidas ao substrato, utilizando para tal as densas cerdas na margem distal das maxilas, ou podem ser filtradoras, auxiliadas por longas cerdas nos palpos maxilares. Adultos pousam com a asa em posição vertical,
possuem asas posteriores variáveis, geralmente pequenas ou ausentes. Machos com olhos
turbinados. Filamento terminal mediano geralmente bem desenvolvido, mas pode ser reduzido.
Ninfa da família Leptophlebiidae, fotografada em Santa Leopoldina, ES. Foto de
Flávio Mendes.
Ninfa de Massartella (família Leptophlebiidae), fotografada em Marechal Floriano, ES. Foto de Flávio Mendes.
Thraulodes sp., Leptophlebiidae, fotografado junto à cachoeira Ponte de Pedra, em Águas da Prata, SP. Fotos de Walther Ishikawa.
Ninfas da família Leptophlebiidae, fotografadas em um riacho no Parque Serra do Japi, Jundiaí, SP. Fotos de Walther Ishikawa.
Efêmera
adulta Leptophlebiidae, foto de André Benedito. Trata-se de um macho, note os olhos
divididos em duas porções, uma lateral, semelhante às fêmeas, e uma
grande porção dorsal, turbinada.
Família Melanemerellidae: família monotípica da espécie Melanemerella brasiliana, encontrada somente na Mata Atlântica da região Sudeste. As ninfas são encontradas em ambientes lóticos de altitude. Possuem o segundo par de brânquias modificados em opérculos. Adultos pousam com a asa em posição vertical,
possuem asas posteriores pequenas. Machos com olhos turbinados.
Ninfa de Melanemerella brasiliana (família Melanemerellidae), foto de Daniela Takiya.
Família Oligoneuriidae: grupo relativamente pequeno, com maior diversidade Neotropical. De tamanho relativamente grande, vivem exclusivamente em ambientes lóticos. As ninfas são filtradoras, alimentando-se ao posicionar o corpo contra a correnteza e capturando as partículas em suspensão através de suas longas e pectinadas cerdas na margem interna das pernas anteriores. Os adultos possuem a nervação alar bastante reduzida e estão entre os Ephemeroptera que voam com maior agilidade. As fêmeas possuem as pernas atrofiadas. Adultos não pousam,
possuem asas posteriores grandes.
Efêmera da família Oligoneuriidae, fotografada em Maranguape, CE. Note a quase ausência de venação nas asas. Foto de Carlos Antonio Geraldo de Oliveira.
Efêmera Lachlania sp.,(família Oligoneuriidae), fotografado em Sangolqui, no Equador. Este gênero também ocorre no Brasil, com duas espécies. Foto de Jaime Camacho.
Família Polymitarcyidae: grupo amplamente distribuído, mas devido à grande diversidade do gênero Campsurus, mais da metade das espécies encontra-se na Região Neotropical. Grandes, são encontrados tanto em ambientes lênticos quanto lóticos. As ninfas possuem colmilhos mandibulares e vivem dentro de túneis construídos em substratos argilosos pouco ou muito consolidados e até mesmo em madeira submersa. Ninfas de algumas espécies são capazes de produzir casulos de seda. São filtradores, posicionando as pernas anteriores ao lado da cabeça e capturando as partículas com auxílio de cerdas longas e pectinadas nas pernas anteriores e mandíbulas. Asas posteriores grandes. Apenas as pernas anteriores dos machos são desenvolvidas (fêmeas com todas as pernas atrofiadas), incapacitando os alados a pousar. O período de vida neste estágio é bem curto, dificilmente ultrapassando duas horas.
Ninfa da família Polymitarcyidae, fotografada em Rio Branco, AC. Foto de Douglas Silva Menezes.
Ninfa da família Polymitarcyidae, fotografada em Vargem, SC. Foto de Francisco Carneiro.
Campsurus sp. (família Polymitarcyidae) macho, fotografado em Caldas, MG. Foto de Ederson Godoy.
Campsurus sp. (família
Polymitarcyidae) macho, fotografado em Lago Norte, Brasília, DF. Estas fotos
destacam a atrofia das pernas médias e posteriores. Fotos de Douglas U.
Oliveira.
Campsurus sp. (família Polymitarcyidae) fêmea, já eliminando ovos. Note a atrofia de todas as pernas. Fotografado em Alta Floresta, MT. Foto de Sidnei Dantas.
Dois
vídeos mostrando nuvem de Ephemeroptera sobre um rio, filmados em Mogi
Guaçu (SP) e Morretes (PR). Vídeos gentilmente cedidos por Allison
Bernal e João Arthur Scremim.
Enxame de Efêmeras detectadas em um radar do Serviço Meteorlógico Nacional dos EUA, no Alto Rio Mississippi, em 20 de Julho 2014. A extensão norte-sul do mapa é de cerca de 220 km. Imagens do National Weather Service / NOAA.
Grande quantidade de carcaças de Efêmeras sobre o Veterans Memorial Bridge, na Pennsylvania, EUA, em 22
de Junho de 2015. A ponte precisou ser interditada por questões de
segurança, após três acidentes com motos. Foto de Blaine Shahan (LNP /
LancasterOnline).
Ninfas de Baetidae, fotografadas em Vinhedo, SP. A primeira foto mostra uma exúvia e uma ninfa. Fotos de Walther Ishikawa.