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Aranhas Aquáticas 2  
Artigo publicado em 11/02/2012, última edição em 01/07/2023  


Trecaleídeo fêmea carregando uma ooteca, fotografado próximo a uma cachoeira em Guapé, MG. Fotos de Erik Fernando Finoti.


Aranhas Aquáticas (2)

Segunda parte do artigo sobre Aranhas Aquáticas, para voltar à primeira parte, clique  aqui .



Família Ctenidae - Aranhas-errantes


A família Ctenidae é bastante conhecida pelo seu representante mais temido, as aranhas-armadeiras (Phoneutria spp.), grandes e agressivas aranhas com sua típica postura com as pernas dianteiras elevadas, e potente veneno neurotóxico. Em relação às aquáticas, os ctenídeos estão representados pelo gênero Ancylometes (11 espécies), grandes aranhas pescadoras da América Central e do Sul, mais comuns e diversas na região amazônica, mas encontradas até a Argentina. É uma das maiores espécies de aranhas Araneomorphae (caranguejeiras são Mygalomorphae), a maior neotropical juntamente com as armadeiras, podendo atingir 20 cm de envergadura com as pernas (macho de A. rufus). Diferente das armadeiras, não são aranhas perigosas para seres humanos. Há dimorfismo sexual na coloração, machos são mais claros e têm largas faixas marginais brancas ou amareladas no cefalotórax (a exceção é A. terrenus). Fêmeas lembram armadeiras e outros ctenídeos.    

Ancylometes também têm capacidade de caminhar sobre a água, principalmente os animais de menores dimensões. São capazes de mergulhar por longos períodos, por mais de 30 minutos. Além da Argyroneta européia, é a única aranha do mundo capaz de tecer teias submersas, e eventualmente usa-as para caçarPelo seu grande tamanho, frequentemente caçam vertebrados, além de peixes, rãs e lagartixas. 

Diferente das demais aranhas descritas aqui, não há cuidado parental. Ootecas sésseis, muitas vezes em uma teia em forma de tenda, semelhante aos pisaurídeos, mas após a eclosão a mãe abandona o local, sem cuidar dos filhotes. Se o local for inadequado, a mãe pode carregar a ooteca, a forma como o faz pode auxiliar na diferenciação de outras famílias. A ooteca é discóide, e nos Ancylometes possui uma camada ventral de seda impermeável, mais espessa e escura, o que permite diferenciá-la de outros ctenídeos.



Casal de aranhas Ancylometes cf. concolor fotografado em poças d´água temporárias em Iperó, SP. Macho na primeira imagem e fêmea na segunda. Fotos cortesia de Leandro Moraes.


Ancylometes bogotensis fotografada em Galeras, Sucre, Colômbia. Foto de Miguel Diaz Anaya.



Ancylometes sp. predando um anuro (Phyllomedusa), fotografado em Soacha, Cundinamarca, Colômbia. Foto de Diego A. Gómez.













Ancylometes bogotensis em um aquaterrário. A penúltima foto mostra a aranha submersa, e algumas alimentando-se de Tenébrios. Fotos de Alexandre Gros.

Ancylometes concolor fotografada em San Cosme, Corrientes, Argentina. Foto de Oscar Galli Merino.




Ancylometes 
sp. submersa, note o efeito metalizado devido à membrana de ar formada pelas cerdas hidrofóbicas, chamada de "Efeito Salvínia". Imagem cortesia do Prof. Dr. Wilhelm Barthlott (link para o site Lotus-Savinia ao final do artigo).






Ancylometes sp., fêmea carregando sua ooteca, fotografada em Porto Murtinho, MS. Note como a ooteca é carregada, sua forma, e aspecto ventral escuro, típico deste gênero. Foto de Diego J. Santana.









Papa-moscas Psecas chapoda, uma espécie exclusiva de bromélias. Fotografada em Ribas do Rio Pardo, MS. Foto gentilmente cedida por Maria Fachini Agostinho.



Aranhas associadas a Bromélias


Outro grupo que vale destacar são as aranhas associadas a bromélias. São descritas diversas espécies de famílias distintas, mesmo em espécies de bromélias que não acumulam água, como as Salticidae Psecas chapoda. Outras são intimamente associadas às poças d´água que existem entre suas folhas (fitotelmata), inclusive com submersão frequentes, como algumas Coryphasia (Salticidae) e a Corinna demersa (Corinnidae), onde há estruturas especializadas para tal, como cerdas hidrofóbicas e formação de plastrão. Além da submersão, há registros de predação submersa de invertebrados aquáticos pelCorinna.   

Dentre as maiores aranhas com essa associação, há a caranguejeira Pachistopelma, que só se reproduz em bromélias-tanque (duas espécies, P. rufonigrum, RN a AL, e P. bromelicola, SE e BA). Quando perturbados, mergulham nos bolsões d´água, permanecendo submersos por vários minutos. A outra é a Ctenidae Nothroctenus fuxico (SE), também exclusiva de bromélias-tanque. Por serem aranhas grandes, geralmente é encontrada somente uma aranha por bromélia. Porém, há registros de Pachistopelma Nothroctenus compartilhando a mesma bromélia (está é a origem do epíteto fuxico). Outra Ctenidae frequentemente encontrado em bromélias é a Cupiennius salei, (não encontrada no Brasil), com registros de fêmeas submergindo para proteger sua ooteca. 

Estas aranhas bromelícolas também constroem abrigos de seda nas plantas, geralmente próximo da axila foliar, em torno do bolsão de água, onde protegem a ooteca e se reproduzem, com provável cuidado parental. O abrigo da Corinna é mais sofisticado, possui duas aberturas. Além de abrigo, estas aranhas usam estas teias para capturar insetos aquáticos, quando estas se movem de um reservatório de água para outro, ou quando se tornam adultos e alçam voo.  






Corinna demersa, uma das espécies de aranhas que vivem exclusivamente em bromélias. Na primeira imagem, predando uma ninfa de Donzelinha. O plastrão abdominal na aranha submersa pode ser visto na segunda e última imagem. Note também a toca feita de seda na terceira foto. Imagens gentilmente cedidas por Gustavo Cauê de Oliveira Piccoli.


Caranguejeira-da-bromélia, Pachistopelma rufonigrum, fotografada na RPPN Pedra D´Anta, Lagoa dos Gatos, PE. Foto de Carlos Otávio Gussoni.




Caranguejeira-da-bromélia, Pachistopelma rufonigrum, juvenis fotografados em bromélias da APA Piquiri-Una, em Espírito Santo, RN. Fotos gentilmente cedidas por Francisco V. Souza.


Caranguejeira-da-bromélia, Pachistopelma bromelicola, fotografada em Areia Branca, SE. Foto de Ivan Magalhães.


Um adulto em uma toca, e vários filhotes de Caranguejeira-da-bromélia, Pachistopelma bromelicola, fotografados em Heliópolis, BA. Fotos de Jane Cleide Vieira.


Nothroctenus fuxico, um ctenídeo que vive exclusivamente em bromélias, fotografado em Cavalcante, GO. Foto de Paulo César Motta.


Deste grupo, uma das espécies mais comuns é a Aglaoctenus castaneus. Embora pertença à família Lycosidae, são uma das poucas deste grupo a construírem teias. São grandes teias em forma de tenda/lençol, com um refúgio em funil, onde se esconde a aranha. Os fios não possuem líquido adesivo, e a aranha forrageia sobre o lençol capturando presas interceptadas pelos fios de ancoragem. Este gênero tem três espécies, sendo que A. oblongus, também pode estar associada a corpos d´água, mas constrói suas teias em áreas rochosas perto de córregos. Quando perturbadas, podem mergulhar agarradas a estas rochas, permanecendo submersas por até 15 minutos. A terceira espécie, A. lagotis, prefere locais secos.













Aranha-lobo-de-funil Aglaoctenus castaneus, fotografadas no Jardim dos Pinhais Ecco Parque, em Santo Antônio do Pinhal, SP. Fotos de Walther Ishikawa.






Aranhas que vivem perto da água



            Além das aranhas descritas acima, outro grupo de aranhas que frequentemente é encontrado junto a corpos d´água são as "aranhas de mandíbulas longas" do gênero Tetragnatha. Não são propriamente aquáticas, mas constroem suas teias orbiculares em áreas alagadas e palustres, alimentando-se essencialmente de insetos relacionados a estes ambientes. Suas teias são horizontais, para otimizar a captura de insetos que saem da superfície d´água. Aguardam nas teias, mas ao menor movimento se escondem nas plantas onde a teia é sustentada.  

            Têm o abdômen e pernas bastante alongadas, o que ajuda a se camuflarem no ambiente. Quando perturbadas, estendem as pernas alinhadas ao corpo, agarrando-se a uma folha de capim usando suas pernas menores, tornando-se quase invisíveis. Medem até 6 cm, incluindo as pernas, as fêmeas são um pouco maiores. Suas mandíbulas são enormes, especialmente nos machos. Ao contrário de outras aranhas, o macho não é devorado após a cópula. Os machos usam suas quelíceras desproporcionalmente grandes para manter as fêmeas afastadas durante o acasalamento. Seus pedipalpos (que transferem a bolsa seminal) são bem alongados, pelo mesmo motivo. Dão um aspecto de mandíbulas supranumerárias, daí seu nome (tetra = quatro, gnatha = mandíbula).

Estas aranhas também apresentam capacidade de nadar, com um padrão exclusivo da família. Flutuam o corpo e impulsionam para frente com movimentos alternados somente do primeiro par de pernas, idêntico ao nado de crol. 






Tetragnatha sp. machos, dois exemplares fotografados às margens de um lago ornamental em Barra Bonita, SP. Na última foto, em close ventral, podem ser vistas suas mandíbulas e palpos bastante desenvolvidos. Fotos de Walther Ishikawa.



Tetragnatha sp. predando uma Donzelinha, fotografado às margens de um rio em Amparo, SP. Foto de Walther Ishikawa.



Dois pequenos Tetragnatha sp. fotografados em Vinhedo, SP. A segunda imagem mostra a aranha estendida junto a um caule de grama, em posição de camuflagem. Fotos de Walther Ishikawa.





Leucauge argyra, outro Tetragnatídeo que pode ser encontrado peto da água. Embora não sejam aranhas sociais, vivem em grupos, formando teias horizontais interconectadas. Também fotografados em um lago ornamental em Barra Bonita, SP. Fotos de Walther Ishikawa.



Há descrição de muitas aranhas especializadas em ambientes próximos do mar. Desde espécies habitando marismas e manguezais, espécies adaptadas a solos hipersalinos, outras vivendo em meio a bancos de algas e construindo tocas em conchas de cracas vazias. Existem até aranhas que suportam submersão em água salgada. Algumas destas aranhas estão descritas adiante, como as Desis. Curiosamente, há registro de pouquíssimas espécies litorâneas brasileiras, como algumas espécies de Allocosa (Lycosidae) que constroem tocas em praias arenosas. Outra menção importante é a viúva-flamenguinha (Latrodectus curacaviensis), relativamente comum em vegetação de praia e restingas, como a salsa-da-praia (Ipomoea cetosaefolia).   



Licosídeo Allocosa brasiliensis, uma espécie que habita praias arenosas. Fotografado na Praia do Peró, Cabo Frio, RJ (primeira foto, gentilmente cedida por Diogo Luiz), e Praia de Itamambuca, Ubatuba, SP (demais, fotos de Walther Ishikawa).








Viúva-Flameguinha Latrodectus curacaviensis, uma espécie comum em vegetaçao de praias. Fotografados respectivamente na Barra do Jacuípe, Camaçari, BA (f
oto de Ednei Santos) e na Praia de Guarajuba, BA (fotos de João Artur Paternostro).

 

Finalmente, um fato curioso que merece ser mencionado é a de que há relatos sugerindo que muitas aranhas tipicamente terrestres têm plasticidade comportamental para se adaptarem a ambientes alagados. Um ótimo exemplo é a caranguejeira (Mygalomorphae), grandes aranhas errantes terrestres, que vivem no solo seco ou em árvores. Existem raríssimas exceções de caranguejeiras associadas a água, além da espécie bromelícola mencionada acima, há duas pequenas caranguejeiras-de-alçapão litorâneas, uma delas brasileiras (a obscura Neodipolothele picta, do RJ). Há registros da espécie africana Hysterocrates gigas submergindo por longos períodos, e detectando presas com as pernas dianteiras na superfície da água. Duas espécies australianas já foram documentadas submersas por longos períodos (acima de 6 horas), Selenocosmia crassipes e Selenotholus foelschei.   

Mas existem relatos esporádicos de submersão em caranguejeiras comuns, e até alguns anedóticos de predação de peixes. Um interessante experimento demonstrou que caranguejeiras que são obrigadas a entrar na água geralmente flutuam (devido aos pelos hidrófobos) e caminham habilmente na sua superfície. E o surpreendente é que quando o fazem, modificam a dinâmica motora das pernas, deixando de usar o último par (que geralmente é um propulsor importante) e aumentando a área de contato das demais pernas com a água, como remos. 




Caranguejeira filmada atravessando um córrego, na base de uma cachoeira no Parque Spitzkopf, em Blumenau, SC. 
Vídeo cortesia de Gabrielle Vasselai.



Armadeira Phoneutria reidyi (espécie não-aquática) fotografada em submersão, em Cumarú do Norte, PA. Fotos cortesia de Nildene Santos Silva.




Ancylometes cf. rufus, caminhando submersa, fotografada em Cachoeiras de Macacu, RJ. Fotos de Alexsandro Mesquita




Algumas espécies de outros países


            Estes são os grandes grupos de Aranhas Semi-Aquáticas que ocorrem no Brasil. Em outros países existem ainda outras espécies bem interessantes, como a paleártica Argyroneta aquatica (Cybaeidae), é a única que vive permanentemente submersa, construindo um ninho de teias com um bolsão de ar no seu interior. Muitos a consideram a única aranha verdadeiramente aquática. Outro gênero interessante é o asiático Desis (Desidae), que vive em litorais rochosos marinhos, em frestas de rochas e em meio a algas, como o D. martensis e D. marinus, este último com registros de predação de peixes. Há registros de predação de peixes também pela Agroeca lusatica (Liocranidae) na França. Finalmente, foi descrito recentemente (2005) um sparassídeo semi-aquático em Bornéo, Heteropoda natans (Sparassidae).



Aranha d´água, Argyroneta aquática, cerca de 1 cm, fotografada em uma lagoa de Almelo, Países Baixos. Espécie européia, não ocorre no Brasil. Foto gentilmente cedida por Gerard Visser.




Casal de Argyroneta aquática, fêmea à esquerda e macho à direita, fotografado em um aquário, animais encontrados em Viena, Áustria. Foto de Norbert Schuller Baupi, Wikimedia Commons.









Desis martensis
, espécie marinha fotografada em Tuas (primeira foto) e Cyrene Reef (segunda), Singapura. 
Na primeira foto, alimentando-se de um camarão. Fotos de Ria Tan.







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