Mosquitos Culicini 2
Segunda parte do artigo dos mosquitos culicídeos (família Culicidae) da subfamília Culicinae, tribo Culicini. Para retornar à primeira página, clique aqui .
O subgênero Melanoconion é
constituído de pequenas espécies com ampla distribuição nas Américas
(principalmente América do Sul), com cerca de 160 espécies, sendo o
segundo subgênero em termos de riqueza (após Culex, com 198
espécies). Algumas espécies são vetores de arboviroses, inclusive
humanas, como o Vírus do oeste do Nilo, e muitas de importância
veterinária. A estratégia de oviposição dos Melanoconion é bastante variada, embora alguns produzam jangadas como os do subgênero Culex,
a maioria deposita ovos agrupados fora da água, em substratos ou
plantas. Existem até espécies que depositam ovos individuais fora
d´água. O tipo de desenvolvimento também é variável, a maioria eclode
rapidamente (RH), mas existem espécies que produzem ovos com
resistência à dessecação (DH), que eclodirão meses após a oviposição. Criam-se
em locais muito diversificados, desde recipientes naturais como
bromélias, até grandes coleções líquidas no solo, como bolsões de rios,
charcos, alagados e lagos. Muitas larvas possuem rica pigmentação para
camuflagem.
Larva de Culex (Melanoconion) vaxus, grupo Educator, coletadas em uma lagoa em Vinhedo, SP. Fotos de Walther Ishikawa.
Pupas em dois estágios de desenvolvimento, e o mosquito adulto Culex (Melanoconion) vaxus. Na última foto, a fêmea à esquerda. Fotos de Walther Ishikawa. Larvas e pupas de Culex (Melanoconion) spp, provavelmente duas espécies, fotografadas em uma lagoa em Santo Antônio do Pinhal, SP. Fotos de Walther Ishikawa.
Larvas, pupas e adulto macho de Culex (Melanoconion) sp, talvez mais de uma espécie, fotografadas em uma lagoa próxima ao mar em Ubatuba, SP. O adulto macho foi criado a partir de uma das pupas. Fotos de Walther Ishikawa.
O subgênero Microculex é
constituído de pequenas espécies sem importância médica, fêmeas adultas
sugam sangue de pássaros e animais de sangue frio. Muitas espécies são
especializadas em se reproduzir em fitotelmata (bolsões de água) de
bromélias. As larvas têm tipicamente o sifão bastante longo e fino,
muitos com o corpo bastante colorido. Informações sobre os ovos são
quase inexistentes, existe somente uma descrição de C. gaudeator (América Central) depositando uma massa de ovos gelatinosa que flutua na superfície da água.
Larvas, pupas e o adulto de Culex (Microculex) cf. intermedius, coletados em fitotelma de uma bromélia em Ubatuba, SP. Foto de Walther Ishikawa.
Adulto de Culex (Microculex) cf. carioca, fotografado em uma bromélia em Paraty, RJ. Foto de Walther Ishikawa.
Larvas de Culex (Microculex) da série pleuristriatus, coletadas em fitotelma de bromélia em Paraty, RJ. Os Microculex da série pleuristriatus são os únicos que têm o sifão mais curto e grosso. Fotos de Walther Ishikawa.
Larva de Culex (Microculex) cf. imitator, coletada em fitotelma de bromélia em Paraty, RJ, juntamente com um Phoniomyia. Fotos de Walther Ishikawa.
Larvas e pupa de Culex (Microculex) sp. da série pleuristriatus, coletadas em fitotelma de bromélia em Ubatuba, SP. Fotos de Walther Ishikawa. Larvas de Culex (Microculex) sp. da série pleuristriatus, coletadas em fitotelma de bromélia em Bertioga, SP. Foto de Walther Ishikawa.
Larvas de Mosquitos Culicídeos
fotografados em um fitotelma de bromélia, em Ubatuba, SP. Um Culex
(Microculex) cf. imitator retrosus, (sifão fino), três Culex (Microculex) cf. pleuristriatus (sifão grosso) e um Anopheles (Kerteszia) cruzii. Fotos de
Walther Ishikawa.
Culex (Microculex) cf. imitator, coletadas em fitotelma de bromélia em Ubatuba, SP. Nas fotos podem ser vistas também outro Microculex da série pleuristriatus, além de um verme oligoqueta. Fotos de Walther Ishikawa.
Culex (Microculex) dubitans, série imitator, coletadas em fitotelma de bromélia em Ubatuba, SP. O adulto macho foi criado a partir da pupa. Fotos de Walther Ishikawa.
Larva de Culex (Microculex) sp. (reducens?), coletada em fitotelma de bromélia no
PETAR (Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira), Iporanga, SP. Foto de Walther Ishikawa.
Larva e pupa de Culex (Microculex) sp., coletada em fitotelma de bromélia em Santo Antônio do Pinhal, SP. Foto de Walther Ishikawa.
Pequeno Culex (provável Microculex ou Melanoconion) alimentando-se de um anuro, fotografado na Reserva Águia Branca, Vargem Alta, ES. Foto de Leonardo Merçon.
Deinocerites
Todas as 18 espécies conhecidas do mosquito Deinocerites têm
um modo de vida bastante peculiar e interessante, são especializadas em
viverem associados a tocas de caranguejos de manguezais. Os adultos
usam a região da entrada das tocas como áreas de refúgio durante o dia,
e os imaturos se desenvolvem em bolsões de água acumulados no fundo das
tocas. Distribuem-se principalmente na América Central, e regiões
adjacentes das Américas do Norte e Sul. No Brasil, ocorrem somente até
o Maranhão, com ocorrência certa de uma única espécie (Deinocerites magnus) e provável de uma segunda (Deinocerites cancer). Ao contrário dos Culex, os Deinocerites depositam
os ovos separadamente, em locais úmidos acima do nível da água. Eclodem
em alguns dias, e as larvas se arrastam até a água. As larvas vivem nos
buracos de caranguejo das famílias Gecarcinidae (Guaiamuns) e
Ocypodidae (Chama-marés e Uçás), com água doce ou salobra, onde também
se abriga a maior parte dos adultos. Muitas vezes dividem este habitat
com outros mosquitos, dos gêneros Culex (Culex) e Culex (Melanoconion). Raramente
utilizam outros locais para se criar, como buracos de árvore e
escavações em pedra. A fase de larva dura cerca de duas a três semanas,
e a de pupa somente alguns dias.
Os adultos são noturnos e crepusculares, voam pouco e têm um dos
maiores espectros de hospedeiros, principalmente aves, sugando também
do homem (muito raro) até batráquios e répteis. Sua importância
epidemiológica é restrita ou quase nula. Algumas vezes esses mosquitos
foram encontrados com arbovírus, mas não se sabe qual a importância
desses achados. São semelhantes aos Culex com
respeito à morfologia externa dos adultos, de tamanho médio e de cores
pardas, diferindo principalmente por apresentar antenas bem mais
longas, em especial o primeiro segmento flagelar. Os palpos maxilares
são curtos. As larvas têm como característica marcante o formato da
cabeça, mais larga junto à base da antena, e à presença de um único par
de brânquias anais curtas e bulbosas. A cópula dá-se em pequenas nuvens ou individualmente. Os machos de Deinocerites são
vistos sobrevoando ou pousados sobre o exato local, no criadouro, onde
se acha a pupa que originará a fêmea, para fecundá-la imediatamente
após a emergência. As fêmeas adultas recém metamorfoseadas são
sexualmente receptivas aos machos, diferente da maioria das outras
espécies, onde há uma demora de alguns dias. Machos passam um bom tempo
repousando na superfície da água onde exibem um comportamento chamado
espectador pupal (“pupal attendance”). As antenas excepcionalmente
longas dos Deinocerites têm menos fímbrias acústicas mas mais
sensillas olfatórias e mecanoceptoras. Usando-as, os machos procuram
pupas fêmeas, agarrando suas trombas respiratórias com as pernas
dianteiras, e afastando outros machos com as outras pernas. O macho
aguarda a eclosão da fêmea, e inicia a cópula mesmo antes da fêmea sair
completamente da pupa. A cópula pode durar 30 minutos ou mais. Este
comportamento especial só é conhecido em um único outro mosquito, Opifex fuscus da
Nova Zelândia. Outra diferença desta espécie é que a primeira desova da
fêmea ocorre antes do primeiro repasto, somente com reservas da fase de
larva.
Doenças humanas: Não são considerados vetores de doenças humanas.
Larvas de Deinocerites cancer, exemplares da Flórida, EUA. Note o típico aspecto largo da cabeça distalmente. Foto do Florida Medical Entomology Lab, UF/IFAS.
Deinocerites cancer, fotografados em Vero Beach, Indian River County, Florida, EUA. Fotos de Sean McCann.
Lutzia
O gênero Lutzia era até muito recentemente classificado como um subgênero de Culex. São duas espécies que ocorrem no Brasil, muito parecidas, Lutzia bigoti, com ampla distribuição, e Lutzia allostigma,
amazônico. São grandes mosquitos de aspecto tigrado, zoofílicos, com
raros relatos de hematofagia em seres humanos. Suas larvas são vorazes
predadoras de outras larvas de mosquitos, habitando coleções líquidas
no solo.
Doenças humanas: Não são considerados vetores de doenças humanas.
Lutzia bigoti, fotografada em Rio Acima, MG. Foto de Bruno Magalhães Nakazato.
Lutzia bigoti, fotografada em Foz do Iguaçu, PR. Foto de Ben Phalan.
A principal fonte bibliográfica deste artigo foi o livro Principais Mosquitos de Importância Sanitária no Brasil. Rotraut
A. G. B. Consoli & Ricardo L. de Oliveira Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz, 1994. 228 p. O livro pode ser baixado gratuitamente através do
link aqui Este
artigo só foi possível com a colaboração de diversos amigos e colegas,
aos quais somos muito gratos. Agradecimentos à fotógrafa Sonia Furtado, aos biólogos César Favacho, Bruno Magalhães Nakazato, Leonardo Merçon ( Instituto Últimos Refúgios ), Ben Phalan e Sean McCann (EUA), pela cessão das suas fotos para o artigo. Agradecemos também aos biólogos Ivy Luizi Rodrigues de Sá pela identificação do Melanoconion, e Adriano Mendonça pela identificação dos Microculex. Somos gratos também ao Florida Medical Entomology Lab. (Universidade da Flórida), na pessoa do Sr. Naoya Nishimura, pela permissão de uso das fotos de larvas de Deinocerites.
As fotografias
de Walther Ishikawa, Leonardo Merçon e Sean McCann estão licenciadas sob uma licença Creative Commons. As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores. |