Pomacea (Pomacea) maculata Perry, 1810 Pomacea (Pomacea) occulta Yang & Yu, 2019 Pomacea (Pomacea) reevei Ampuero & Ramírez, 2023
Identidade da Pomacea maculata
Historicamente, há uma grande confusão na
identificação de espécies de Pomacea,
em especial do chamado “complexo canaliculata” (veja artigo aqui ), um grupo de espécies
de ampularídeos que tem traços anatômicos em comum, em especial o aspecto da
sua concha, com giros separados por uma sutura profunda e indentada, na forma
de canais profundos, muitas vezes sendo bastante difícil a distinção das
espécies dentro deste grupo. Das espécies brasileiras, tradicionalmente são
listadas como fazendo parte do "complexo canaliculata" a P. lineata, P. maculata, P. dolioides e P. haustrum, além
da P. canaliculata. Vale lembrar que alguns pesquisadores
brasileiros ainda questiona a validade de algumas destas espécies dentro do complexo,
em especial a P. insularum, (atual P. maculata) considerando-a um sinônimo menor do P.
canaliculata.
Nos últimos anos, entre pesquisadores estrangeiros,
tem-se dado muito destaque à correta identificação do Pomacea canaliculata e P.
maculata, com
várias pesquisas estudando marcadores genéticos e moleculares, por serem estas
as espécies de Ampulárias sul-americanas que ocorrem como espécies
invasoras em vários outros países. Em especial, a taxa e velocidade de bioinvasão
do Pomacea maculata tem sido muito
grande nos Estados Unidos, sendo considerada uma espécie invasora tão (ou mais)
bem sucedida do que a Pomacea canaliculata.
Segundo estes autores, já é possível um diagnóstico
definitivo desta espécie, baseada somente em marcadores moleculares. E segundo
estes mesmos autores, a validade do P. maculata como espécie distinta do P.
canaliculata já está estabelecida, novamente baseado em marcadores
genéticos (gene mitocondrial citocromo oxidade I – COI).
Um interessante artigo (Hayes KA et al.
2012) faz uma revisão desta espécie, juntamente com o P. canaliculata à luz destas novas descobertas. Neste mesmo artigo,
a P. insularum e P. gigas são considerados sinônimos menores de P. maculata. Neste trabalho, foram publicados mapas preliminares de
distribuição destas duas espécies, mapas aproximados baseados em coletas de
espécimes (no Brasil, espécimes de MT, MS, GO, AM, TO, RJ e DF), e inferências
baseadas em outros trabalhos e na extensão das bacias hidrográficas.
Note também que o
mapa de distribuição desta espécie corresponde grosseiramente ao da
distribuição do P. canaliculata
mapeada por pesquisadores brasileiros, já que nestes mapas antigos ainda não consideravam o P. insularum / P. maculata uma espécie válida.
Finalmente, estudos moleculares recentes (2022) com exemplares peruanos constataram que a espécie gigante encontrada ali, frequentemente comercializada como alimento nos mercados locais chamada de "churo gigante", é, na realidade, uma nova espécie, Pomacea reevei. Geneticamente trata-se de uma espécie afastada das demais do complexo, e mais próxima da Pomacea paludosa.
Pomacea reevei, grandes exemplares peruanos, até muito recentemente considerados P. maculata. Exemplares coletados em Madre de Dios. São conhecidos localmente como "churos gigantes", e considerados uma iguaria na alimentação tradicional local. A última imagem mostra um prato preparado com os caramujos e uma especie local de banana, servida no Inkaterra Reserva Amazónica (Madre de Dios - Tambopata, Perú). Fotos gentilmente cedidas pela empresa de ecoturismo Inkaterra.
Como
curiosidade, a Pomacea maculata é a
espécie-tipo das Pomaceas, ou seja, a
espécie usada por George Perry em 1810, na sua obra Arcana Signature para descrever o gênero. Apesar da opinião mais corrente não considerar mais P. insularum espécie válida, popularmente esta espécie continua sendo chamada em inglês de Island Apple Snail.
São os maiores ampularídeos conhecidos, o tamanho destes caramujos pode atingir 16,5 cm de altura. São coletados na região amazônica como alimento, em especial na Amazônia peruana, onde são ingredientes importantes de diversos pratos típicos, fazendo parte não somente da dieta de populações ribeirinhas, mas também servidos em restaurantes sofisticados. Na região, são chamados de Churos. Embora hoje saiba-se que se trata de outra espécie, como já mencionado.
Pomacea maculata (na ocasião identificada como P.insularum), caramujos invasores fotografados no córrego de entrada da lagoa do Parque Martha Wellman, Tallahassee, Flórida (EUA). Imagem
cedida por Jess Van Dyke.
Trabalhos recentes demonstram extensa hibridização entre estas duas espécies, tanto na natureza (na distribuição nativa e invasora) quanto em laboratório. Estima-se que 30% dos indivíduos nativos do Brasil e Uruguai mostrem algum grau de hibridização, especialmente onde as duas espécies são encontradas, no Uruguai (chegando a 50% em alguns locais). Na China, praticamente não há populações puras de P. maculata. Populações híbridas chinesas mostram inclusive um padrão intermediário no aspecto dos ovos e recém-nascidos.
Finalmente, alguns trabalhos recentes descobriram uma espécie críptica entre Pomaceas invasoras na China, muito parecida mas distinta da P. maculata, usando o gene mitocondrial cox1. Recentemente foi descrita como uma nova espécie, Pomacea occulta. Trata-se de uma espécie sulamericana, a identificação foi feita somente com exemplares invasores chineses, logo, ainda não se sabe a distribuição nativa exata. Mas muito provavelmente é encontrada no Brasil. Geneticamente ela é muito próxima da P. maculata e P. figulina. Abaixo, uma tabela com algumas características que permitiriam uma distinção entre a espécie nova e as duas outras invasoras:
|
P. canaliculata
|
P. occulta
|
P. maculata
|
Espessura da concha
|
Fina
|
Grossa
|
Grossa
|
Superfície da concha
|
Lisa
|
Geralmente lisa, pode haver finas
linhas axiais de crescimento e linhas de retardo de crescimento periódicos
|
Geralmente lisa, pode haver finas
linhas axiais de crescimento e linhas de retardo de crescimento periódicos
|
Ombros dos giros da concha
|
Arredondado
|
Angulado
|
Angulado
|
Lábio palial interno
|
Não pigmentado
|
Pigmentado,
amarelo-laranja-vermelho
|
Pigmentado,
amarelo-laranja-vermelho
|
Opérculo
|
Flexível, afilando dorsalmente em
direção à borda
|
Flexível, afilando dorsalmente em
direção à borda
|
Rígido, homogeneamente espesso
|
Ovos por desova
|
12 a ~1000
|
87 a ~1000
|
Algumas centenas a >4500
|
Diâmetro médio dos ovos
|
>3,0 mm
|
2,4 mm
|
<2,0 mm
|
Altura da concha dos recém-nascidos
|
2,75 mm
|
2,23 mm
|
1,25 mm
|
Largura média do primeiro giro dos
recém-nascidos
|
2,41 mm
|
2,11 mm
|
0,81 mm
|
Adaptado de Yang QQ, Yu XP. 2019. Zool Stud 58:13.
Concha: A concha de todas as Ampulárias do “complexo
canaliculata” é muito parecida, indistinguíveis segundo a maioria dos autores. Tem
forma globosa e relativamente pesada (especialmente em caramujos mais velhos),
com um ápice baixo. Mede até 16,5 cm. Os cinco ou seis giros são separados por uma sutura
profunda e indentada. A abertura da concha é ampla e oval para arredondada, por
vezes levemente refletida. O umbilicus é amplo e profundo. A cor é
amarelo-marrom para amarelo-vivo com um padrão de faixas escuras espiraladas.
Alguns autores descrevem que a concha do P. maculata possui ombros mais angulados do que o da P. canaliculata, e que o lábio interno
da abertura da concha possui uma pigmentação variando de amarelo ao laranja-avermelhado
(sem pigmentação na P. canaliculata).
A distinção é mais fácil em animais recém-nascidos, filhotes de P. maculata são
menores (com 1 dia de vida medem 1,3 mm de
altura), e com menor espiralização nas conchas, com menos que 1,5 voltas. Uma tese recente sugere que a relação largura/comprimento poderia ajudar na diferenciação de espécimes invasores norte-americanos, P. maculata tendo as conchas mais largas do que longas.
Pomacea maculata, conchas de animais fotografados em Jacksonville, Duval County, Florida (EUA), nos lagos do Johns Creek Community, com coloração selvagem e dourada. Fotos de Bill Frank.
Pomacea maculata, grande exemplar argentino. Foto de Christian Luca Alejandro Benitez.
Pomacea maculata,
conchas de animais fotografados em Glynn County, Georgia (EUA), o maior mede 79 mm de comprimento. Fotos de Bill Frank.
Opérculo: O opérculo tem uma espessura média
e um aspecto córneo. Sua estrutura é concêntrica com o núcleo próximo do centro
da concha. A cor varia de tons claros (em animais jovens) até marrom escuro. O
opérculo pode ser retraído na abertura da concha. Discreto dimorfismo, côncavo
nas fêmeas, discretamente convexo nas bordas nos machos.
Corpo: A cor do corpo varia do amarelo (criado), marrom ou
quase preto, com manchas amarelas no sifão, mas não tão presentes na boca como
no P. diffusa. Quando em repouso, os tentáculos ficam enrolados sobre a
concha.
Para a segunda parte do artigo, clique aqui
|