Neritina comum, Neritina virginea (somente a concha inferior à esquerda) e Neritina meleagris (demais). Foto de Cinthia Emerich.
Nome popular: Neritina
comum, Neritina virgínea, Aruá-do-Mangue
Nome científico: Neritina (Vitta) virginea (Linnaeus, 1758) e Neritina (Vitta) meleagris Lamarck, 1822
Família: Neritidae
Origem: Ampla
distribuição na costa atlântica das Américas, desde a Florida (EUA), através do Golfo do México, América Central, Ilhas do
Caribe, até o Sul do Brasil (SC). Também na costa pacífica do Panamá.
Sociabilidade: Grupo
pH: 7.0 a 8.0
Temperatura: 24 a 28ºC
Dureza da água: Dura
Tamanho adulto: 1,9 cm
Alimentação: herbívoro -
plantas em decomposição e algas, principalmente as diatomáceas.
Dimorfismo sexual: o macho
possui um complexo peniano como nas Ampulárias, e a fêmea possui dois
gonoporos, um para a saída dos ovos e outro para a entrada do espermatóforo.
Comportamento: Pacífico
As Neritinas são pequenos
caramujos bastante coloridos, originários de mangues / estuários, mas que se
adaptam bem a aquários de água doce. Possuem uma concha globosa e
semi-esférica, com espira baixa, de aspecto porcelanoso e não-nacarado, com
superfície lisa e polida. São excepcionais algueiros, mas têm o inconveniente
de depositarem cápsulas de ovos nos vidros, rochas, etc. Há três espécies de Neritinas ocorrendo no Brasil, Neritina zebra, Neritina
virginea e Neritina meleagris, uma controvérsia que finalmente foi solucionada por estudos moleculares em 2020 (veja texto adiante).
A “Neritina comum” (Neritina
virginea e Neritina meleagris) tem uma concha com uma grande variedade de cores e padrões,
coloração variando entre vermelho, amarelo-oliva, preto, branco, roxo e cinza.
Possui listras axiais retas ou em zigue-zague, mosqueadas ou com aspecto de
escamas imbricadas com bordas pretas. Alguns autores relatam uma variação na
cor dependente da salinidade, com populações em locais de menor salinidade
tendo cores mais escuras e opacas. Em água salobra há predomínio de cinza-esverdeado, enquanto que em água salgada surgem matizes púrpuras e vermelhas. Seu opérculo é escuro, eventualmente cinza ou
esbranquiçado. Possui tentáculos finos e longos, que podem passar o tamanho do
corpo delas em comprimento e só ficam à mostra quando se sentem seguras,
normalmente em aquários, com peixes que as importunem, elas mantém os
tentáculos protegidos sob a concha, mas quando em aquário específico para elas,
deixam seus longos tentáculos expostos.
Neritina meleagris, note os contornos das marcas na concha em cor branca e preta. Foto de Cinthia Emerich.
Neritina virginea, note os contornos das marcas na concha somente preta. Foto de Cinthia Emerich.
Controvérsias sobre a taxonomia - quantas espécies de Neritinas brasileiras?
Muitas
Neritinas têm conchas muito semelhantes, e a distinção entre diversas espécies
baseada somente nas suas conchas é muito difícil. A maior parte da literatura científica
descreve duas ou três espécies de Neritina ocorrendo no litoral brasileiro, além da Neritna zebra, com morfologia distinta, havia alguma dúvida sobre Neritina virginea e Neritina meleagris, ambas muito parecidas, e muitos autores considerando a segunda como sendo um sinônimo da primeira. Esta dúvida foi definitivamente solucionada num trabalho de 2020, que confirmou a validade de N. meleagris usando dois marcadores mitocondriais (COI e 16S).
Neritina virginea, 16 mm, exemplares da Flórida (EUA), Cancun e Colômbia (tipo). Fotos de Thomas Eichhorst, portal Neritopsine Gastropods (Licença Creative Commons, veja link no final do artigo).
Neritina meleagris, 15 mm, exemplares do Brasil, Belize e Trinidad. Fotos de Thomas Eichhorst, portal Neritopsine Gastropods (Licença Creative Commons, veja link no final do artigo).
São espécies bem parecidas, mas a distinção pode ser feita de forma relativamente simples, usando um detalhe nas cores das marcas das conchas: as duas espécies possuem linhas em zigue-zague contornando áreas mais claras, com um padrão que lembra escamas. Na N. virginea, as linhas que margeiam estes desenhos são pretos. Na N. meleagris, estas linhas são brancas, pretas e brancas, ou vermelhas e brancas (vejam as fotos do artigo). Há outros detalhes mais sutis, como diferenças nos pequenos dentes do lábio interno da abertura da concha (não examináveis em animais vivos) e a cor e forma do opérculo (geralmente azul-enegrecido e alongado na N. virginea, cinza a marrom acinzentado e semicircular na N. meleagris).
Apesar da confirmação da sua validade, provavelmente há muita confusão na literatura científica envolvendo estas duas espécies, parte da literatura já publicada da N. virginea deve corresponder à N. meleagris (ou até a outra espécie). Parece haver alguma confusão sobre a distribuição geográfica, as duas espécies são simpátricas em boa parte do litoral brasileiro, mas a distribuição de N. meleagris é um pouco mais restrita, descrita como ocorrendo desde Belize, na América Central, até São Paulo (Brasil), incluindo as ilhas do Caribe. A N. virginea é encontrada até Santa Catarina no nosso país.
Ambas espécies têm registros de adaptação bem sucedida a aquários de água doce. Porém, esta confusão de múltiplas espécies poderia explicar alguns relatos conflitantes de artigos científicos descrevendo reprodução primitiva em N. virginea, com cápsulas liberando véligers planctônicos ao invés de pequenos caramujos, com um tempo de incubação de 20 dias. Há até descrições morfológicas destes véligers (Bandel 1982).
Além destas três espécies, há menção a duas outras espécies de Neritina como ocorrendo no litoral
brasileiro, com conchas parecidas com à da Neritina virginea, mas cuja
ocorrência é questionada. São a N. clenchi e N. piratica, ambas do subgênero Vitta. Alguns artigos antigos considerem as duas como sinônimos do N. virginea, hoje sabe-se que N. piratica é uma espécie válida, novamente baseada em análises moleculares com exemplares da Colômbia (Quintero-Galvis e
colaboradores, 2013). N. clenchi é também considerada válida, mas ainda sem estudos moleculares.
Neritina clenchi,
17 mm, exemplares da Dominica e Tobago. Fotos de
Thomas Eichhorst, portal Neritopsine Gastropods (Licença Creative
Commons, veja link no final do artigo).
Neritina
clenchi (Russell,
1940) é uma espécie encontrada em corredeiras e riachos litorâneos de água
doce, descrita desde a Guatemala e ilhas do Caribe até Tobago. Há descrições na
Flórida (EUA), mas sem registros de coletas recentes. Geralmente têm concha
mais escura, muitas vezes enegrecida, com pequenas manchas brancas.
Provavelmente os registros no Brasil se tratam de exemplares de N. virginea
com concha negra, que é uma variação comum.
Neritina piratica,
22 mm, exemplares da Guatemala e Panamá. Fotos de
Thomas Eichhorst, portal Neritopsine Gastropods (Licença Creative
Commons, veja link no final do artigo).
Neritina
piratica (Russell,
1940) é uma espécie maior, encontrada em água salobra, principalmente
manguezais pantanosos. É descrita desde o sul da península do Yucatán (México),
toda a América Central, Venezuela, e extremo norte do Brasil. Também nas ilhas
Antilhas. Embora muitos autores a considerem sinônimo de N. virginea,
ele lembra mais a N. zebra, seja pelas dimensões quanto cor e
padronagem. Se ocorre realmente no Brasil, parece ser restrito ao litoral do
extremo norte do país.
Neritina virginea no aquário, fotos de Chantal Wagner Kornin.
Neritina virginea e Neritina meleagris no aquário, fotos cortesia de Mil Marques e Kaio Marques.
Reprodução: A reprodução da Neritina virginea já foi bem
documentada, é uma espécie que se reproduz em águas salobras, mas pode ser
reproduzida em cativeiro com relativa facilidade. Ao contrário do Neritina
zebra, possui o que se chama de desenvolvimento encapsulado
não-planctônico, ou metamorfose intracapsular, todo o crescimento da larva se
dá no interior da cápsula de ovos, havendo eclosão de um juvenil bentônico,
miniatura dos pais, sem uma fase planctônica de vida livre. É uma absoluta exceção dentro da subfamília Neritininae, alguns autores inclusive usam exatamente esta característica (reprodução) para dividir os Neritidae entre os membros das duas subfamílias Neritininae e Theodoxinae.
Assim como outros Neritídeos, a Neritina virginea é uma espécie dióica,
que não elimina seus gametas na água, a fecundação sendo interna. O macho
possui um complexo peniano como nas Ampulárias. Durante a cópula, o macho fica
sobre a fêmea e posiciona-se do lado direito desta, inserindo seu pênis em
baixo da borda do manto da fêmea, transferindo o espermatóforo. Após a fecundação,
a fêmea deposita os minúsculos ovos agrupados no interior de uma cápsula
rígida, aderidas em qualquer substrato disponível tal como madeira, conchas de
moluscos, rochas, mas principalmente em folhas caídas de Rhizophora mangle. Elas
são brancas assim que depositadas e vão se tornando amareladas conforme o
desenvolvimento ocorre, são circulares e medem cerca de 1 mm de diâmetro. As
fêmeas depositam várias cápsulas por vez, cada uma delas contendo cerca de 45
ovos (até 70). Quando em aquários, utilizam troncos, rochas, plantas de folhas mais
resistentes e até mesmo o vidro para depositar suas cápsulas de ovos, muitos
brincam que o aquário "está com ictio" quando essas desovas ocorrem.
Todo o desenvolvimento das larvas ocorre no interior das cápsulas rígidas
(tanto a fase de trocofore quanto veliger), onde os embriões e depois as larvas
ficam imersos em um fluido (líquido albuminoso ou albúmen), isolados do meio
externo. É uma adaptação à água doce, um processo semelhante à “Reprodução
especializada” dos crustáceos. Após cerca de 12 dias as cápsulas se abrem,
liberando "mini-caramujos" miniaturas dos pais, totalmente formados.
Os espécimes acima de 5 mm de tamanho já são considerados adultos e a partir
dos 8 meses de vida, aproximadamente 6 mm, a fêmea já começa a desovar. Na
natureza o período de desova ocorre durante as secas, o que corresponde de
Julho a Dezembro no Brasil, desovas em época de chuvas também ocorrem, porém,
com uma frequência muito menor. Tem um período reprodutivo inverso ao do Neritina
zebra.
Cápsula de ovos de Neritina virginea
com embriões no seu interior, fotografado em dois momentos do seu desenvolvimento. Fotos de Augusto Luiz Ferreira Junior.
Habitat: Na natureza, estes caramujos são encontrados em
estuários e manguezais, onde há ampla variação de salinidade. Como vimos,
alguns hábitos reprodutivos estão relacionados e estas variações, funcionando
como gatilhos reprodutivos. Ocorrem em ambientes de variadas salinidades, de
0%o (água doce) a 49%o (acima da salinidade do mar), distribuindo-se ao longo
destas salinidades de forma relativamente homogênea. Podem ser coletados nos
rios muitos quilômetros continente adentro (registros a mais de 10km em Porto
Rico). Desta forma, são animais realmente eurihalinos, vivendo bem em uma ampla
gama de salinidades. Algumas fontes (de populações do México) citam que são um
pouco mais frequentes numa salinidade próxima de 2~3%o. Experimentos em
laboratório mostram que o gasto energético dos animais é mais baixo numa
salinidade de cerca de 20%o, e são mais ativos nesta faixa de salinidade.
Preferem locais rasos,
abrigados das ondas, são mais numerosos entre 20 e 30 cm de profundidade, em
locais de substrato macio e inconsolidado. Frequentemente ficam emersos durante
a maré baixa, procurando abrigo junto a troncos e rochas. Costumam escalar
troncos e raízes aéreas (pneumatóforos) de árvores do mangue. São gregários,
formando grandes aglomerações, podendo ultrapassando 12.000 indivíduos/m2.
Alimenta-se de material vegetal em decomposição, com um
importante papel na reciclagem de nutrientes. Possui hábitos noturnos. Por
viver em locais com ampla variação nos parâmetros físicos, é uma espécie
resistente, tolerando amplos valores de oxigênio dissolvido. A tolerância a
temperaturas variadas também é grande, sendo encontrado em locais onde atinge
35oC.
Existem registros de migrações em massa destes gastrópodes correnteza acima, por exemplo, em Porto Rico (500 a 3000 indivíduos/m2), mais frequente em períodos chuvosos, e principalmente de indivíduos menores. O motivo destas migrações não é claro.