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Náiade 2  
Artigo publicado em 24/01/2021, última atualização em 16/02/2021  


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Náiades

Náiades como pragas, Náiades como agronegócio

 

Na natureza, a fixação das larvas em peixes hospedeiros é em pequenas quantidades, e não causa grandes problemas. Entretanto, em ambientes confinados (como açudes e criadouros) pode haver uma alta densidade de infestação, debilitando o peixe, dificultando trocas gasosas nas guelras, provocando coceiras e abrindo portas para infecções secundárias.

A invasão de Náiades em pesqueiros de lazer e pisciculturas comerciais é cada vez mais comum, especialmente nos estados do Sul e Sudeste, já sendo considerada uma “praga” por muitos criadores. Os moluscos entram nos criadores através de matrizes e alevinos parasitados, ou mais raramente através da água ou substrato. Seu controle é através da retirada dos peixes acometidos, e retirada de todos os moluscos após a drenagem do lago.

Por outro lado, alguns biólogos e criadores têm proposto a criação paralela destes animais em sistemas de piscicultura, de forma controlada, representando um subproduto adicional sem investimento significativo destes criadouros. Chamada de “Naidicultura”, existem projetos de organizações governamentais de aqüicultura pesquisando sua viabilidade, associando à criação de carpas ou tilápias.

Estes bivalves são grandes e saborosos, são bastante consumidos por populações ribeirinhas, por exemplo, na região de Abaetetuba, PA. No Brasil, via de regra são consumidos cozidos, mas podem representar vetores importantes de verminoses nos locais onde são degustados crus. Podem também ser utilizados como alimento para aves de corte. 

Há muito tempo já são utilizados para a produção de pérolas de água doce, ou ainda fornecendo núcleos para pérolas marinhas cultivadas. Existem inclusive projetos para a produção de pérolas de água doce aqui no Brasil. Num estudo realizado na região da Ilha de Tabatinga, PA (Barros MRF 2019), a autora encontrou pérolas do tipo "ampolada" ("meia-pérola" ou "blister", uma protrusão na face interna da concha) em 94% das valvas analisadas, e do tipo "encistada" (livre em meio às partes moles) em 6%, medindo até 10 mm. Suas grandes conchas de madrepérola podem ser usadas também para fabricações de botões, bijuterias ou peças de artesanato. E pequenas lascas das conchas são incluídas na fabricação de pisos de granilite. 

            A espécie mais comum relacionada a estas pragas de piscicultura é o Anodontites trapesialis (Lamarck, 1819), uma espécie que constava previamente no Livro Vermelho do MMA/IBAMA (foi retirada da lista na última atualização de 2014). É a maior espécie de bivalve dulciaquícola do Brasil, pode ultrapassar 20 cm, por isto chamado popularmente de "Prato" ou "Saboneteira". Hermafrodita e longevo, com uma expectativa de vida de cerca de 15 anos, possui ampla distribuição na América do Sul, sendo encontrado em todas as suas bacias hidrográficas.





Concha recém-aberta de Náiade, mostrando fileiras de pérolas cultivadas. Fotografado em Shanghai, China. Foto de Istara (Wikimedia Commons, o arquivo original pode ser visto aqui). 






Pérolas em três espécies de bivalves límnicos coletados na região de Abaetetuba, PA, Triplodon corrugatus, Paxyodon syrmatophorus e Castalia ambigua (escala mede 2 cm para os dois primeiros, e 1 cm para o último). Tratam-se de pérolas do tipo "ampolada", uma protrusão na face interna da concha, mas pérolas "encistadas" também são encontradas nestes bivalves. Fotos gentilmente cedidas por Mara Rúbia Ferreira Barros, extraída da sua tese (referências ao final do artigo).



Conchas de Náiades Gigantes Anodontites trapesialis, animal com mais de 30 cm, coletado em um açude de piscicultura, em Santa Catarina. Fotos de A. Ignacio Agudo-Padrón.




Náiade Gigante Anodontites trapesialis, cerca de 14 cm, introduzido em um aquário somente para fotos. Fotos de Walther Ishikawa.



Náiades em aquários?

 

As Náiades estão entre os animais mais ameaçados, com um total de 200 espécies presentes na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). A última versão da Lista Brasileira, do MMA (2014) lista somente duas espécies ameaçadas, mas muitas espécies como quase-ameaçadas ou com dados insuficientes. E a identificação específica é bastante difícil para um não-especialista, ainda mais em animais vivos, sem acesso à análise de partes moles ou superfície interna da concha. Por si, isto já é motivo suficiente para não se coletar estes animais na natureza, ou mantê-los em aquários, com risco até de ser ilegal.

Somado a este fato, é importante recordar que estes bivalves mostram larvas parasitárias. Na prática, a chance de haver super-infestação em peixes de aquário é muito pequena, já que há a necessidade das Náiades se reproduzirem, e haver espécies compatíveis de peixes. Porém, se isto ocorrer no ambiente fechado do aquário, há risco de graves conseqüências para os peixes hospedeiros. E muitas espécies são hermafroditas, capazes de auto-fecundação. Ou seja, uma quarentena, ou a manutenção de somente um animal não é uma garantia total de que não haverá liberação de larvas parasitárias.







Pequena Náiade coletada no Rio Pardo Pequeno, em Monjolos, MG. Criado há mais de um ano em aquário. Fotos cedidas por João Felipe Peres Matoso.



E finalmente, a manutenção de qualquer animal filtrador em aquários é bastante difícil, somente com alguns relatos isolados de sucesso, especialmente juvenis (fotos acima). Alguns aquaristas e lojistas defendem que, por serem filtradores, estes animais não necessitam de cuidados especiais na alimentação, inclusive, substituindo filtros de aquários. É exatamente o oposto. Há a necessidade de aporte constante de fitoplâncton, dificilmente obtido exceto em tanques externos expostos diretamente ao sol. Sem estas condições, em tanques dedicados de laboratórios de pesquisa, a manutenção em aquários destes seres não é bem sucedida, resultando em morte precoce após algumas semanas. O que é bastante lamentável para um animal tão longevo, e talvez ameaçado. Bactérias parecem ter também um papel importante na alimentação destes moluscos, especialmente juvenis. Alguns pesquisadores descrevem uma opção interessante, que é a alimentação com fermento vivo. Se alguém for tentar manter estes animais de forma responsável, sugerimos esta estratégia como uma interessante opção. Mais detalhes destes aspectos podem ser vistos  aqui . Alguns trabalhos sugerem também que a sobrevida em cativeiro é maior quando os bivalves são criados não enterrados.

 




Náiades vendidos em lojas de aquário, a primeira foto no RJ, e a segunda em uma loja da Alemanha. Os animais alemães tiveram seu periostraco mecanicamente removido, e estavam sendo vendidos como uma espécie púrpura, Anodonta sp. "purple". A despeito da sua bela aparência, estes animais têm sua expectativa de vida bastante reduzida, pela rápida erosão das conchas. Fotos de Leandro Crespo (primeira) e Marne Campos (segunda).




Náiade Gigante Anodontites trapesialis, introduzido inadvertidamente em um aquário comunitário. O animal foi retirado, sem aparente consequências nos peixes do tanque. Fotos de Jonatas Rodrigues Encarnação.



            Um último aspecto interessante são pesquisas envolvendo a reprodução destes bivalves em cativeiro. Há um crescente interesse pelo tema, objetivando-se a reintrodução na natureza destes animais ameaçados. Técnicas de propagação de Náiades são pesquisadas nos EUA desde o início de 1900. Inicialmente a abordagem era restrita às técnicas in vivo, com a criação de peixes hospedeiros, com uma baixa quantidade final de indivíduos metamorfoseados, em geral menor do que 5%. Porém, recentemente (desde 1980) têm-se usado diversas técnicas de criação in vitro, mais difíceis, mas com maior eficiência e melhor resultado.
            Existem algumas experiências bem sucedidas no Brasil, como a criação de espécies do gênero Diplodon (Lima, 2010) utilizando-se diversos meios de cultura para o desenvolvimento dos gloqúidios, como misturas de plasma de peixe, extrato liofilizado de peixe, meios comerciais como o M 199, associado a antifúngicos e antibióticos.



Diplodon martensi, imagens mostrando diversas fases do desenvolvimento desta náiade, que foi reproduzida em cativeiro com sucesso. Fotos de Ricardo Cunha Lima, extraída da sua tese.




Náiade, Diplodon delodontus, imagem lateral mostrando a concha semi-aberta, e o grande pé muscular exposto. Fotos de Walther Ishikawa.




A borda posterior de um Diplodon delodontus, com as aberturas inalante e exalante. A segunda foto em close na abertura inalante, com seus tentáculos. Nestas imagens também são visíveis anéis de crescimento no periostraco junto à borda da concha. Fotos de Walther Ishikawa.



A borda posterior de um Anodontites trapesialiscom as aberturas inalante e exalante. Foto de Walther Ishikawa.


A borda anterior de uma Náiade Gigante Anodontites trapesialis, por onde sa projeta seu grande pé muscular. Foto de Walther Ishikawa.

 


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Agradecimentos especiais a A. Ignacio Agudo-Padrón pelo auxílio na identificação dos animais, cessão de fotos, além de valiosas informações. Agradecimentos também a Jonatas Rodrigues Encarnação pelo auxílio na coleta dos animais de Valinhos, e cessão de fotos. Finalmente, agradecimentos aos aquaristas Leandro CrespoMarne Campos ( Aquarismo Online ) e João Felipe Peres Matosoo malacologista espanhol Jose Liétor Gallego ( El Rincón del Malacólogo )Dr. Mark Henry Sabaj Perez (Universidade Drexel, EUA), Dr. M. Christopher Barnhart ( Unio Gallery , Universidade do Estado do Missouri, EUA), Dra. Mara Rúbia Ferreira Barros e Dr. James Albert (Departamento de Biologia, Universidade de Louisiana, Lafayette), e aos colaboradores do iNaturalist Nelson Wisnik e Douglas Meyer por permitirem usar suas fotos no artigo. Agradecimentos também ao Dr. Ricardo Cunha Lima e Dr. Daniel Pimpão, pelo apoio e permissão de uso das suas belíssimas fotos. Finalmente, agradecimentos ao biólogo Dr. Igor Christo Miyahara no auxílio na identificação de alguns exemplares.


 As fotografias de Walther Ishikawa, Istara (Wikimedia Commons), Nelson Wisnik (iNaturalist), Douglas Meyer (iNaturalist) e James Albert (Projecto Alto Purús, o álbum original das fotos pode ser visto  aqui ) estão licenciadas sob uma  Licença Creative Commons . As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.
 
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