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"Castalia"  
Artigo publicado em 20/07/2022, última edição em 21/07/2022  


Castalia spp.

Lamarck, 1819


 

 

Importante!!

 

            Castalia martensi é uma espécie listada como “quase ameaçada” (NT) na relação das espécies em risco de extinção publicado pelo Ministério do Meio Ambiente e IBAMA (2014). Castalia inflata é mencionada na lista de espécies ameaçadas do Paraguai. Desta forma, embora permitidas por lei, sugere-se fortemente que se evite a coleta ou manutenção em cativeiro desta espécie. 


 

 

Castalia é um gênero endêmico neotropical de bivalve de água doce (náiade), comum e de ampla distribuição. Resolvemos destacá-la em um artigo próprio por ser um bivalve comum e de reconhecimento relativamente fácil, e com interessantes peculiaridades morfológicas e comportamentais. O artigo principal das Náiades pode ser visto  aqui . Não possui nome popular, exceto algumas fontes (como o primeiro Livro Vermelho do MMA - 2008) que a chama de Concha-Borboleta ou Marisco-Borboleta.

Faz parte da família Hyriidae, e assim como os demais bivalves límnicos, há bastante controvérsia em relação ao número de espécies válidas (alguns autores consideram até 17), sinonímias e espécies encontradas no nosso território. Das oito espécies consideradas válidas pela maioria dos autores, seis são certamente encontradas no Brasil, e as outras duas possuem alguns relatos incertos de ocorrência:

 

  • Castalia ambigua Lamarck, 1819 – ampla distribuição, Guianas ao norte, bacia do Paraná ao sul, Equador e Peru a oeste. Bacias do Amazonas, Paraná e Paraguai. Provavelmente um complexo de espécies crípticas.
  • Castalia inflata d'Orbigny, 1835 – bacia do Paraná, Argentina e Brasil, extensão para bacias do Amazonas e Paraguai. Provável sinônimo menor de Castalia ambigua.
  • Castalia martensi (Ihering, 1893) – rios com drenagem atlântica no sul/sudeste do Brasil e Uruguai
  • Castalia nehringi (Ihering, 1893) – alto Paraná, Brasil e Paraguai
  • Castalia psammoica (d'Orbigny, 1835) – bacia do Uruguai, Brasil a Argentina
  • Castalia undosa Martens, 1885 – alto Paraná, Brasil

 

Castalia multisulcata é encontrada nas Antilhas, Venezuela, Guianas e Colômbia, talvez presente no Acre. Castalia orinocensis, da Bacia do Orinoco, Colômbia e Venezuela, talvez ocorrendo em Roraima.


Mapas de distribuição das espécies brasileiras de CastaliaImagem original Google Maps; dados extraídos da tese de Pereira, D (2014), link ao final do artigo. 

 


Etimologia: Castalia tem origem no grego (Κασταλία), é o nome de uma ninfa aquática (náiade), filha de Aqueloo, que habitava a fonte de Castalia em Delfos. Quanto aos nomes específicos, tratam-se de espécies descritas há muito tempo, sem menções de etimologia nos artigos originais. Imagina-se que ambigua, inflata, psammoica e undosa sejam menções a características conquiliológicas (respectivamente "ambígua", "inflada", "psamóico" ou com aspecto de areia, e "ondulada"). E martensi e nehringi sejam homenagens a pessoas, talvez Eduard Karl von Martens e Alfred Nehring, dois eminentes zoólogos alemães.    


Imagens em close dos sifões de Castalia ambiguafotos gentilmente cedidas pela equipe de Ecologia e Conservação de Bivalves - UFMT.


Concha de Castalia ambiguafotografada em um leito seco de rio em Santarém, PA. Foto de Nelson Wisnik.



Conchas e anatomia


As Hyriidae da tribo Castaliini (que também inclui os gêneros Callonaia e Castaliella, com uma espécie cada uma, ambas previamente classificadas como Castalia) possuem tipicamente conchas robustas e triangulares de umbos altos, e esculturas radiais. São conchas adaptadas a locais de menor correnteza. Uma característica interessante é o aspecto serrilhado dos dentes da charneira. 

Há diferenças entre as conchas das várias espécies de Castalia, a maioria das chaves baseando-se nestes detalhes, como esculturação do umbo, ou aspecto mais ou menos inflado e arredondado (tipicamente em C. inflata). Porém, há grande variação, por exemplo, um trabalho recente comparou DNA nuclear e mitocondrial de populações brasileiras de C. ambigua e C. inflata da bacia do Paraguai, com morfologias típicas e distintas das duas espécies, constatando não haver diferença genética significativa, e sugerindo que, ao menos nesta população, C. inflata seja somente um sinônimo de C. ambigua. Porém, este mesmo trabalho demonstrou diferenças significativas entre estas duas populações, e populações amazônicas de C. ambigua, sugerindo a existência de espécies crípticas. Outro trabalho de 2016 já havia mostrado quatro populações geneticamente distintas em C. ambigua, baseada em COI, sugerindo este mesmo fato.   

São bivalves de tamanho médio a grande, as maiores espécies são C. nehringi e C. ambigua, que atingem respectivamente 10 cm e 7,5 cm. Possuem conchas espessas, com um belo aspecto nacarado, são espécies com potencial para a produção de pérolas cultivadas de água doce. Também são explorados pelas populações ribeirinhas para confecção de botões de madrepérola.

Em relação às partes moles, um detalhe interessante nos Castaliini é a fusão das bordas das aberturas inalante e exalante formando praticamente um sifão tubular verdadeiro, embora curto, algo exclusivo entre náiades brasileiras. A fusão é mais extensa no C. quadrata, e somente parcial nas demais Castalia



Castalia ambiguafotografada no Rio Teles Pires, Alta Floresta, MT. Fotos de Sidnei Dantas.


Castalia ambigua em um aquário para fotos, semi-enterrado com seus sifões expostos. Note tricópteros aderidos à sua concha. Foto gentilmente cedida pela equipe de Ecologia e Conservação de Bivalves - UFMT.


Concha de Castalia ambiguafotografada em Santarém, PA. As fotos internas mostram bem o aspecto nacarado da concha, a última imagem destaca o dente serrilhado junto à charneira. Fotos de Nelson Wisnik.


Comparação entre conchas de três espécies argentinas de Castalia, todas ocorrem também no Brasil: Castalia psammoica do Rio de la Plata, de Buenos Aires; Castalia ambigua do Rio Uruguai, de Gualeguaychú, Entre Rios; Castalia inflata do Rio Paraná, de Rosario, Santa Fe. Fotos cortesia de Susana Escobar.



Habitats e hábitos


São encontrados em variados ambientes, de lagos, represas a rios, tanto de substrato arenoso quanto lodoso. Mostram preferência a locais calmos e com menor movimentação de água, mesmo em rios, distribuem-se junto às suas margens, onde a correnteza é menor. Preferem águas claras. As condições físico-químicas também são variáveis, com diferentes morfotipos predominando em diferentes condições. Por exemplo, na bacia do Paraguai, em ambientes montanhosos, de águas duras e mais frias, havia predomínio de conchas mais achatadas (forma "ambigua"). Em locais de menor altitude, de águas mais moles, com maior concentração de partículas orgânicas, havia predomínio de conchas mais altas e infladas (forma "inflata"). Não se sabe ainda se isto reflete somente a plasticidade fenotípica das Castalia, embora alguns locais mencionem preferências de espécies diferentes por habitats diferentes, por exemplo, C. undosa em substratos lamosos e C. martensi em arenosos.

Passam sua vida enterrados total ou parcialmente no substrato, mantendo somente sua extremidade posterior com as aberturas inalante e exalante expostas na coluna d´água. Filtram grandes volumes de água, de onde obtém seu alimento e oxigenação. Sendo animais filtradores, tem papel importante como reciclador de matéria orgânica. 



Castalia ambiguafotografada in situ juntamente com outros bivalves de água doce, em Cidade Nobres, MT. Foto de Rogério Santos, gentilmente cedida pela equipe de Ecologia e Conservação de Bivalves - UFMT.


Castalia ambigua, com marcadores para estudos de marcação-recaptura. Foto de Cláudia Callil, gentilmente cedida pela equipe de Ecologia e Conservação de Bivalves - UFMT.


Castalia ambigua, coletadas em Santo Antônio de Leverger, MT. Foto cortesia da equipe de Ecologia e Conservação de Bivalves - UFMT.





Castalia ambigua, coletados no Rio Itaya, em Loreto, Peru. Fotos de Mark Sabaj Perez.



Reprodução


Muitas espécies de náiades norte-americanas mostram sofisticados mecanismos reprodutivos, com o objetivo de atrair peixes que serão futuros hospedeiros das suas larvas. Maiores detalhes podem ser vistos no artigo principal das Náiades  aqui . Não se conhecia hábitos semelhantes nos bivalves nativos até muito recentemente, com a descrição em Castalia ambigua, que atrai peixes usando seu sifão exalante de colorido vermelho brilhante. Embora não tão sofisticado quanto suas contrapartes norte-americanas, é o primeiro registro de tal comportamento em espécies brasileiras. Foi observado tanto na natureza quanto em laboratório, que enquanto libera as larvas, o molusco estende lentamente o sifão exalante até cerca de 10 mm, que adquire um aspecto mais afilado, possivelmente imitando um verme ou outra presa para atrair estes peixes.

Demais aspectos reprodutivos não são muito conhecidos, sua larva gloquídea já foi descrita, medindo entre 0,23 a 0,27 mm nas diferentes espécies de Castalia, mas ainda não se sabe quais são os peixes hospedeiros, ou detalhes outros. Informações gerais sobre a reprodução das náiades pode ser vista no artigo principal  aqui . Algumas espécies têm períodos reprodutivos mais definidos, como C. undosa, de agosto a abril (pico em janeiro e fevereiro). Não há experiências em relação à criação ou reprodução em cativeiro.



Imagens em close dos sifões de Castalia ambigua, note a cor intensa do sifão exalante. Fotos de Rogério Santos, da equipe de Ecologia e Conservação de Bivalves - UFMT.


 


 

Bibliografia 

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Agradecimentos ao Dr. Mark Henry Sabaj Perez (Universidade Drexel, EUA), Susana Escobar (Argentina, responsável pelo blog  Moluscos Dulceacuicolas de Argentina ), à equipe do Ecologia e Conservação de Bivalves - UFMT (veja sua página do FaceBook  aqui  e seu Instagram  aqui ), e aos colaboradores do iNaturalist Sidnei Dantas Nelson Wisnik pelo uso do material fotográfico.



 As fotografias de Sidnei Dantas (iNaturalist), Nelson Wisnik (iNaturalist) Susana Escobar estão licenciadas sob uma  Licença Creative Commons . As demais fotos têm seu "copyright" pertencendo aos respectivos autores.
 
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