Aspectos Legais sobre Invertebrados de Água Doce em
Aquários no Brasil (2)
Segue a segunda parte do artigo abordando os Aspectos Legais sobre a Manutenção de Invertebrados de Água Doce em Aquários no Brasil. A primeira parte do artigo pode ser vista aqui .
Náiade Gigante Anodontites trapesialis, retirada da Lista Nacional 2014, atualmente classificada como LC. Foto de Walther Ishikawa.
Moluscos com interesse em Aquariofilia
A relação de moluscos continentais da lista de 2018 é igual à de 2014, e não contempla nenhuma espécie com interesse em aquarismo. A única espécie que frequentemente é introduzida acidentalmente em aquários é a Stenophysa marmorata, categorizada como vulnerável:
VU Stenophysa marmorata Guilding, 1828 – em 2018 era classificado como Physa marmorata |
Embora presente em diversos estados do Brasil, sendo muitas vezes descrita como “cosmopolita”, alguns trabalhos têm demonstrado um declínio populacional na última década, por degradação ambiental e por competição com a invasora Physella acuta, mais resistente e prolífica. Estima-se uma redução de cerca de 35% na população de Stenophysa marmorata nos próximos 5 anos.
Para nós, aquaristas, uma observação importante é a de que a quase totalidade de "Physas" identificadas como S. marmorata em sites e fóruns de aquarismo não é esta espécie. Para a correta identificação de "Physas", veja o artigo aqui.
Stenophysa marmorata, incluída na Lista Nacional desde 2014 como VU. Foto de Walther Ishikawa.
Em relação aos demais Gastrópodes, permanece uma espécie cavernícola desde 2004 (a primeira, abaixo), e foram acrescentadas mais duas espécies de cavernas. Desde 2014 foi incluída a Ampulária Pomacea sordida, endêmica do RJ, que já constava na lista deste estado, e acrescentadas mais duas espécies endêmicas de SC (Lymnaea) e GO (Plesiophysa). Vale à pena lembrar que não se trata das espécies de Pomacea ou Lymnaea habitualmente vistas em aquarismo.
CR Potamolithus troglobius Simone & Moracchiolli, 1994 CR Potamolithus karsticus Simone & Moracchiolli, 1994 EN Spiripockia punctata Simone, 2012
CR Plesiophysa dolichomastix Paraense, 2002 EN Pomacea sordida (Swainson, 1823) VU Lymnaea rupestris Paraense, 1982 |
Três outros gastrópodes de água doce são mencionados nas listas NT e DD:
NT Acrorbis petricola Odhner, 1937 NT Biomphalaria kuhniana (Clessin, 1883) DD Aylacostoma tenuilabris (Reeve, 1860) |
Aylacostoma tenuilabris, incluído na Lista desde 2014 como DD. Foto de Walther Ishikawa.
Os Moluscos Bivalves tiveram grandes mudanças em relação à primeira lista de 2004. Das 26 espécies da lista de 2004, permanecem somente duas em 2014, a lista de 2018 é exatamente igual:
EN Diplodon koseritzi (Clessin, 1888) EN Mycetopoda legumen (Martens, 1888) |
Abaixo a lista de bivalves categorizados como DD ou NT, algumas destas espécies constavam na primeira lista de 2004 como ameaçadas, e outras foram introduzidas em 2014:
NT Diplodon fontainianus (Orbigny,1835) NT Diplodon iheringi Simpson, 1900 NT Diplodon martensi Ihering, 1893 NT Anodontites ferrarisii Orbigny, 1835 NT Anodontites iheringi Clessin, 1882 NT Bartlettia stefanensis Maicand, 1856 NT Castalia martensi (Ihering, 1981) NT Diplodon garbei (Ihering, 1910) NT Haasica balzani (Ihering, 1893) DD Diplodon caipira (Ihering, 1893) DD Diplodon dunkerianus Lea, 1856 DD Diplodon expansus Küster, 1856 DD Diplodon greeffeanus Ihering, 1893 DD Diplodon pfeifferi Dunker, 1848 DD Leila blainvilliana Lea, 1834 DD Callonaia duprei (Récluz, 1842) – em 2004 era classificado como Castalia duprei Récluz, 1842 DD Diplodon jacksoni Marshall, 1928 DD Diplodon multistriatus (Lea, 1831) DD Monocondylaea franciscana (Moricand, 1837) DD Mycetopoda soleniformis (Orbigny, 1835) |
Abaixo, as espécies que constavam na lista original de 2004 como ameaçadas, e não são mencionadas em 2014 / 2018, sendo, portanto, consideradas LC:
Castalia undosa Martens, 1827 Diplodon rotundus Wagner, 1827 Anodontites elongata (Swainson, 1823) – em 2004 era classificado como Anodontites elongates Swainson, 1823 (Obs: o IUCN classifica esta espécie como DD) Lamproscapha ensiformis (Spix & Wagner, 1827) – em 2004 era classificado como Anodontites ensiformis Spix, 1827 Anodontites solenidea (Sowerby, 1867) – em 2004 era classificado como Anodontites soleniformes Orbigny, 1835 Anodontites tenebricosa (Lea, 1834) – em 2004 era classificado como Anodontites tenebricosus Lea, 1834 Anodontites trapesialis Lamarck, 1819 Anodontites trapezea (Spix & Wagner, 1827) – em 2004 era classificado como Anodontites trapezeus Spix, 1827 Fossula fossiculifera Orbigny, 1835 Leila esula Orbigny, 1835 Monocondylaea paraguayana Orbigny, 1835 Mycetopoda siliquosa Spix, 1827 |
Feltro-de-água, Oncosclera jewelli, retirada da Lista Nacional em 2014. Foto de Hope Ginsburg.
Esponjas
Embora com pouco interesse em aquariofilia, destacamos aqui as esponjas de água doce, devido à grande mudança na lista de espécies ameaçadas de 2004 e 2014. Todas as onze espécies da lista de 2004 foram retiradas da lista revisada em 2014 (a lista de 2018 é igual), e duas novas espécies foram acrescentadas. São duas espécies endêmicas e conhecidas somente na sua localidade-tipo, na BA e RS:
CR Racekiela cavernicola Volkmer-Ribeiro, Bichuette & Machado, 2010 VU Corvomeyenia epilithosa Volkmer-Ribeiro, de Rosa-Barbosa & Machado, 2005 |
Quatro espécies da lista de 2004 são reclassificadas como DD:
DD Acanthotylotra alvarengai Volkmer-Ribeiro, Tavares & Oliveira, 2009 DD Anheteromeyenia vitrea Buso Jr., Volkmer-Ribeiro, Pessenda & Machado, 2012 DD Radiospongilla inesi Nicácio, Severi & Pinheiro, 2011 DD Tubella amazonica (Weltner, 1895) |
As demais não são mencionadas, sendo, portanto classificadas como LC:
Oncosclera jewelli (Volkmer, 1963) Uruguaya corallioides (Bowerbank, 1863) Sterrastrolepis brasiliensis Volkmer- Ribeiro & De Rosa-Barbosa, 1978 Anheteromeyenia ornata (Bonetto & Ezcurra de Drago, 1970) Corvoheteromeyenia australis (Bonetto & Ezcurra de Drago, 1966) Corvoheteromeyenia eterosclera Ezcurra de Drago, 1974 Heteromeyenia insignis Weltner, 1895 Houssayella iguazuensis Bonetto & Ezcurra de Drago, 1966 Racekiela sheilae Volkmer-Ribeiro, De Rosa-Barbosa & Tavares, 1988 Metania kiliani Volkmer-Ribeiro & Costa, 1992 Corvospongilla seckti Bonetto & Ezcurra de Drago, 1966 – a espécie Corvospongilla volkmeri De Rosa-Barbosa, 1988 foi sinonimizada com esta espécie LC. |
Uma espécie ameaçada pode não constar nestas listas?
Estas listas são dinâmicas, foram desenvolvidas por um consenso de especialistas e gestores da área ambiental, e são revisadas periodicamente. Novas listas podem conter outras espécies que previamente não eram consideradas ameaçadas, e espécies previamente consideradas como ameaçadas podem ter seu status revisto, e eliminadas da lista.
Deve ser separada a informação técnica oriunda da classificação de ameaça da tomada de decisão dos gestores, que pode ter caráter político, e é o que de fato restringirá (ou não) a captura de determinada espécie.
Do ponto de vista legal, o fato de não constar na lista autoriza a sua coleta e manutenção em aquários. Entretanto, sempre que houver informações sugerindo que a espécie possa ser considerada ameaçada, isto será claramente referido nos artigos do nosso site. Um bom exemplo são os Lagostins Parastacus. A espécie mais comum é endêmica do Rio Grande do Sul (P. brasiliensis), e consta na última Lista Vermelha como DD, as demais espécies do gênero constam como LC. A IUCN juntamente com alguns especialistas avaliaram de forma independente as categorias de ameaça destes crustáceos, sugerindo uma categorização mais alta.
Lagostim nativo Parastacus defossus, foto de Walther Ishikawa. Esta espécie é listada como LC pela Lista Vermelha de 2018, mas avaliada como NT por um consenso de especialistas.
3 - Criação de Invertebrados Nativos em Aquários
Quais
são os invertebrados nativos que posso criar no meu aquário?
Para
crustáceos e moluscos nativos, qualquer espécie que não conste nas listas de
espécies ameaçadas de extinção pode ser criada em aquários.
Posso
coletar invertebrados na natureza para meu aquário?
Qualquer
espécie de crustáceo ou molusco nativo que não conste nas listas de espécies
ameaçadas de extinção pode ser coletada para uso em aquariofilia. Caso a coleta
não tenha finalidade comercial, basta o interessado ter a carteirinha de pesca amadora do IBAMA com comprovante de recolhimento da taxa
anual e carteira de identidade. A Instrução Normativa Interministerial MMA-MPA
nº09/2012 permite a captura e transporte de até 10 exemplares de espécies
dulcícolas, e embora o texto da norma se refira a peixes, ele também se aplica
a invertebrados.
Onde obtenho a
Licença de Pesca Amadora?
A solicitação e pagamento podem ser feitos online, no site do Ministério da Pesca e Aquicultura. O valor é de
R$ 20,00 por ano. O link pode ser visto aqui .
Alguns estados, como Goiás e Mato Grosso, têm licenças e sistemas
próprios para licenças de pesca amadora, que podem ter valores menores por
períodos menores de tempo. Procure o órgão ambiental do seu estado para se
informar a respeito.
Este animal
pode ser vendido ou doado? E sua prole?
O produto da pesca amadora não pode ser vendido. Não há restrições à
troca ou doação entre aquaristas nesses casos, e a venda de eventuais filhotes
destes animais coletados também não é permitida sem registro adequado como
aquicultor junto ao MPA. A legislação ambiental não prevê a doação da prole
destes animais coletados, mas pelo código civil isso é possível. O que não é permitido,
no entanto, é a comercialização ou a doação para lojistas e comerciantes, em
virtude das normas específicas que regulam o comércio e da necessidade expressa
de comprovação de origem na comercialização para estes.
Guaiamum Cardisoma guanhumi, espécie de caranguejo semi-terrestre com períodos de defeso, e tamanhos mínimos a partir do qual a coleta é permitida. Foto de Walther Ishikawa.
Existe algum
invertebrado com limites mínimos de tamanho e peso? E com períodos de defeso?
Não, nenhum invertebrado de água doce. Porém, dois caranguejos de
estuário têm tamanhos mínimos de coleta e períodos quando a coleta é proibida:
O Uçá (Ucides cordatus) e Guaiamum (Cardisoma guanhumi). Os períodos variam de estado a estado.
Existem locais
onde não é permitida a coleta?
Muitos locais possuem restrições à coleta, mesmo que sejam espécies
permitidas. Temos como exemplos destes locais as Unidades de Conservação de Proteção
Integral e algumas Unidades de Conservação de Uso Sustentável. Há também áreas
de exclusão específica à pesca de qualquer tipo, que são definidas em normas
específicas para cada bacia. Não há, hoje, um lugar onde possamos encontrar
essas informações compiladas, mas nos sites do IBAMA e do MPA é possível
encontrar todas as normas federais para bacias de água doce.
As lojas podem
vender invertebrados nativos?
Não sendo espécies ameaçadas, e certificando-se da sua origem legal,
sim. Se existir dúvida quanto à origem dos animais, questione o lojista sobre
a procedência e atente-se para as listas de espécies ameaçadas.
Estes animais
nativos comprados podem ser vendidos ou doados? E sua prole?
Se for um animal comprado legalmente em lojas, ele pode ser ocasionalmente
revendido ou doado. A rigor, a venda da sua prole necessita de autorização e
registro no IBAMA, mas não a sua doação. A prática de venda ou revenda, quando
recorrente e regular, caracteriza atividade comercial, e só poderá ser
realizada por empresas devidamente registrada.
Ampulária comum, Pomacea diffusa,
duas variedades de cor. Foto de Mírian Pacheco Santos. É uma espécie nativa de caracol, sujeita à legislação referente a animais nativos.
A Ampulária Pomacea diffusa é uma espécie nativa?
Sim, pelo simples fato de a distribuição natural desta espécie incluir
parte do território nacional. Matrizes desta espécie foram exportadas para
outros países (sua origem é incerta), e variedades de cores foram desenvolvidas
fora do Brasil. Mais tarde, variedades deste caramujo foram novamente
importadas para o país, criadas e disponibilizadas nas lojas. Diversas espécies
de peixes passaram por um processo similar, como as dezenas de variedades de
Acará Bandeira (Pterophyllum scalare)
e Acará Disco (Symphysodon spp.), a
seleção artificial não influencia na caracterização da espécie como nativa,
exceto nos casos de hibridização ou engenharia genética.
Para a terceira e última parte do artigo (inclui bibliografia e créditos), clique aqui .